A restauração do principal símbolo do conjunto arquitetônico da Pampulha, que concorre ao título de patrimônio cultural da humanidade, outorgado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), levará pelo menos cinco dias, mas ainda não se pode avaliar a extensão do dano. Há risco de surgirem manchas nos azulejos. Mesmo com a chuva intensa na manhã de ontem, os restauradores iniciaram a retirada de toda a pichação do painel de Candido Portinari (1903-1962) e das pastilhas na lateral da Igreja São Francisco de Assis, a igrejinha da Pampulha, projetada por Oscar Niemeyer (1907-2012). O autor das pichações, Mário Augusto Faleiro Neto, de 25 anos, foi indiciado pela Polícia Civil, na quarta-feira, por dano ao patrimônio público, com agravante por se tratar de uma obra de patrimônio histórico-cultural.
O processo, tão minucioso como uma cirurgia, é feito manualmente com ajuda de bisturis. Empreendido pela Arte Restaurações e Projetos, empresa contratada pela Prefeitura de Belo Horizonte, a restauração custará R$ 8 mil aos cofres públicos. “Vai voltar ao que era antes, idêntico, exato. Foi um dano superficial. Foi estético e não físico”, afirma o restaurador Wagner Matias.
O trabalho de Wagner e da colega Denise Camilo é acompanhado por pesquisadores do Centro de Conservação e Restauração da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor/UFMG), que colocaram à disposição tecnologia de ponta para otimizar o restauro.
Muitos turistas acompanharam a limpeza na manhã de ontem. É o caso da arquiteta e designer Gabriela Ladeira, de 52 anos, que levou uma amiga francesa para conhecer uma das mais importantes obras de Niemeyer. “Adorei a resposta rápida da cidade a esta pichação, que foi uma estocada no coração de cada belo-horizontino”, afirmou. Para ela, a justificativa dada pelo pichador – de que era um protesto contra a tragédia do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana – não se sustenta. “Toda manifestação tem seu lugar. Porém, não é ofendendo a nós mineiros, que estamos tão feridos com tudo o que aconteceu, que vamos resolver qualquer coisa.”
A cearense Thais Aragão, de 38, foi com o pai, José Maria Aragão, conhecer a igrejinha na manhã de ontem, e se surpreendeu com a pichação. “Entre os próprios pichadores, há um código de conduta de que um não passa por cima do outro. Nesse sentido, o pichador exagerou ao se expressar em cima de outra obra”, diz ela, que, como doutoranda em comunicação, procura debater o tema. O administrador Thiago Faria, de 35, considera que o autor das pichações deveria pagar pelo valor da restauração.
Azulejaria contemporânea
A pichação num dos mais importantes patrimônios do país reacendeu o debate sobre a pichação. Para o restaurador Wagner Matias, o ato retomou a necessidade de dar maior atenção aos painéis de azulejo. “Os painéis precisam de uma ação do patrimônio estadual, dos órgãos federais e das administrações municipais. O vandalismo é um aspecto, mas existem outros em relação à conservação de azulejos no Brasil”, pontuou Luiz Souza, que integra rede em todo o Brasil para a preservação dos azulejos.
Mestre em artes pela UFMG, Eliana Mello lembrou que o acervo em Minas Gerais é um dos mais preservados do país. No entanto, ela alerta que, ainda assim, muitos painéis, como ocorreu com o de Portinari, estão sujeitos a danos, inclusive alguns são completamente arrancados. Ela lembra que o valor histórico dos painéis da igrejinha da Pampulha é incomensurável. Além de ter sido concebidos por Portinari, marcam momento em que a arte ganha traços brasileiros, com o Modernismo, servindo de referência aos portugueses. É o caminho inverso. “Os alunos superando os mestres”, diz ao lembrar que a arte de azulejar foi trazida ao Brasil pelos portugueses.
O valor arquitetônico e artístico da igrejinha contribuiu para que o conjunto se candidatasse ao título de patrimônio cultural da Unesco.