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Estado de Minas

Limpeza de pichação da Igrejinha da Pampulha deve durar cinco dias

Restauradores usam bisturis para retirar a pichação feita sobre o painel de Portinari na Igreja de São Francisco. Manchas provocadas pela tinta podem surgir nos azulejos


postado em 25/03/2016 06:00 / atualizado em 25/03/2016 07:21

Feito manualmente, o processo de restauração, que custará R$ 8 mil aos cofres públicos, teve início ontem e deverá durar pelo menos cinco dias(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
Feito manualmente, o processo de restauração, que custará R$ 8 mil aos cofres públicos, teve início ontem e deverá durar pelo menos cinco dias (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)

A restauração do principal símbolo do conjunto arquitetônico da Pampulha, que concorre ao título de patrimônio cultural da humanidade, outorgado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), levará pelo menos cinco dias, mas ainda não se pode avaliar a extensão do dano. Há risco de surgirem manchas nos azulejos. Mesmo com a chuva intensa na manhã de ontem, os restauradores iniciaram a retirada de toda a pichação do painel de Candido Portinari (1903-1962) e das pastilhas na lateral da Igreja São Francisco de Assis, a igrejinha da Pampulha, projetada por Oscar Niemeyer (1907-2012). O autor das pichações, Mário Augusto Faleiro Neto, de 25 anos, foi indiciado pela Polícia Civil, na quarta-feira, por dano ao patrimônio público, com agravante por se tratar de uma obra de patrimônio histórico-cultural.

O processo, tão minucioso como uma cirurgia, é feito manualmente com ajuda de bisturis. Empreendido pela Arte Restaurações e Projetos, empresa contratada pela Prefeitura de Belo Horizonte, a restauração custará R$ 8 mil aos cofres públicos. “Vai voltar ao que era antes, idêntico, exato. Foi um dano superficial. Foi estético e não físico”, afirma o restaurador Wagner Matias.

O trabalho de Wagner e da colega Denise Camilo é acompanhado por pesquisadores do Centro de Conservação e Restauração da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor/UFMG), que colocaram à disposição tecnologia de ponta para otimizar o restauro. Com ajuda de um microscópio digital e um notebook, os pesquisadores verificavam a extensão do comprometimento nas camadas não perceptíveis a olho nu. O vice-diretor do Cecor, professor Luiz Souza, explica que, como o vidrilho dos azulejos sofre microfissuras com o tempo, a tinta pode penetrar para além da superfície. Com isso, além do processo mecânico de retirada da tinta com o auxílio de bisturi, será preciso usar também solventes. “Podem ficar resquícios. Tem que usar uma técnica para que não fique um resto de tinta, que pode formar uma mancha na imagem com o passar do tempo”, alerta.

Muitos turistas acompanharam a limpeza na manhã de ontem. É o caso da arquiteta e designer Gabriela Ladeira, de 52 anos, que levou uma amiga francesa para conhecer uma das mais importantes obras de Niemeyer. “Adorei a resposta rápida da cidade a esta pichação, que foi uma estocada no coração de cada belo-horizontino”, afirmou. Para ela, a justificativa dada pelo pichador – de que era um protesto contra a tragédia do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana – não se sustenta. “Toda manifestação tem seu lugar. Porém, não é ofendendo a nós mineiros, que estamos tão feridos com tudo o que aconteceu, que vamos resolver qualquer coisa.”

A cearense Thais Aragão, de 38, foi com o pai, José Maria Aragão, conhecer a igrejinha na manhã de ontem, e se surpreendeu com a pichação. “Entre os próprios pichadores, há um código de conduta de que um não passa por cima do outro. Nesse sentido, o pichador exagerou ao se expressar em cima de outra obra”, diz ela, que, como doutoranda em comunicação, procura debater o tema. O administrador Thiago Faria, de 35, considera que o autor das pichações deveria pagar pelo valor da restauração. De Valença (RJ), ele veio com a mulher, Élida Faria, de 34, e a filha Isabella, de 4, para conhecer a igrejinha da Pampulha. “São R$ 8 mil que vão sair do bolso do contribuinte, do meu, do seu, do nosso bolso”, lamentou.

Azulejaria contemporânea

A pichação num dos mais importantes patrimônios do país reacendeu o debate sobre a pichação. Para o restaurador Wagner Matias, o ato retomou a necessidade de dar maior atenção aos painéis de azulejo. “Os painéis precisam de uma ação do patrimônio estadual, dos órgãos federais e das administrações municipais. O vandalismo é um aspecto, mas existem outros em relação à conservação de azulejos no Brasil”, pontuou Luiz Souza, que integra rede em todo o Brasil para a preservação dos azulejos.

Mestre em artes pela UFMG, Eliana Mello lembrou que o acervo em Minas Gerais é um dos mais preservados do país. No entanto, ela alerta que, ainda assim, muitos painéis, como ocorreu com o de Portinari, estão sujeitos a danos, inclusive alguns são completamente arrancados. Ela lembra que o valor histórico dos painéis da igrejinha da Pampulha é incomensurável. Além de ter sido concebidos por Portinari, marcam momento em que a arte ganha traços brasileiros, com o Modernismo, servindo de referência aos portugueses. É o caminho inverso. “Os alunos superando os mestres”, diz ao lembrar que a arte de azulejar foi trazida ao Brasil pelos portugueses.

O valor arquitetônico e artístico da igrejinha contribuiu para que o conjunto se candidatasse ao título de patrimônio cultural da Unesco. O conjunto moderno da Pampulha inclui os edifícios e jardins da Igreja de São Francisco de Assis, o atual Museu de Arte da Pampulha (antigo cassino), a Casa do Baile (atual Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design de Belo Horizonte), o Iate Golfe Clube (hoje Iate Tênis Clube), além da residência de Juscelino Kubitschek, o espelho d’água e a orla da lagoa no trecho que os articula.


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