Cada centímetro da obra a céu aberto foi planejado e executado pelos moradores, que receberam de bom grado a ajuda dos turistas que chegam atraídos pela fama da tradição religiosa popular. “A procissão da ressurreição é sempre uma experiência de fé, além de trazer emoção, me ajuda a crescer na fé. A presença de Jesus na Eucaristia é o centro da nossa vida cristã”, diz Padre Pio. A saída de cada um dos 300 figurantes é marcada por respeito.
Para não perder nenhum momento, os cerca de 15 mil fiéis se distribuem ao longo do trajeto que se transforma em palco para a apresentação das cenas bíblicas da criação do mundo até a ressurreição do filho de Deus. Davi, Salomão e outros reis dos judeus, os profetas e os arcanjos que traziam a mensagem divina ao seu povo. Nada é esquecido: José e Maria, o nascimento do menino na manjedoura e a vida pública já adulto, os milagres e o jeito de ensinar por meio das parábolas.
Nas sacadas dos sobrados, os forros roxos deram lugar às toalhas brancas rendadas, que simbolizam que Cristo venceu a paixão do calvário, a morte na cruz e ressuscitou no terceiro dia. Sílvia Maria Gonçalves Andrade, de 63 anos, não deixa de acompanhar a procissão nenhum ano. Mesmo depois de ter se mudado para Brasília, ela retorna ao sobrado da família na Rua Direita nas festas religiosas para enfeitar as janelas. “Participo desde que nasci”, conta.
ANJOS De vestidos brancos plissados, coroa na cabeça e asas, os pequenos anjos são atração do cortejo. É o caso das pequenas Carmel, de 4, e Naomi, de 2, que vieram de Curitiba com os pais Rakel, de 31, e Rodolfo Dahein, de 34. “É muito especial ver essa celebração de Páscoa no lugar mais especial do Brasil. Foram os tapetes que nos trouxeram”, diz Rakel. As vestimentas de anjos das filhas foram preparadas na capital paranaense. “Antes de viajar para cá, vestidas de anjos, elas entregaram ovos de páscoa aos nossos vizinhos, como forma de levar um pouco de Ouro Preto para Curitiba”, completa. E são centenas de arcanjos pelas ladeiras, como a pequena Gabrielly Rita Ferreira dos Santos, de 7. Antes das 7h, a menina já estava de branco, coroa na cabeça e asas.
Com mais de 300 anos, a tradição de usar serragem para desenhar figuras bíblicas e populares nas ruas de Ouro Preto, na Região Central, encanta turistas do mundo todo, que chegam à cidade para viver a liturgia da semana santa. Japoneses, alemães, franceses, americanos. Todos os sotaques se juntam ao coro de vozes dos moradores para enaltecer a beleza da celebração que ocorre há três séculos “Não há dúvidas que a tradição se renova. As pessoas vêm participar como turistas da fé. É um turismo movido pelo desejo de conhecer o testemunho de fé de uma comunidade”, afirma o vigário da Paróquia Nossa Senhora do Pilar, padre Danival Milagres Coelho.
É o caso da norte-americana Leslie Smalled, de 32 anos, que ajudou a confeccionar os tapetes na madrugada de ontem. “Ouro Preto é uma cidade maravilhosa. Li sobre a tradição das igrejas barrocas e também sobre os tapetes. É muito legal ver as famílias e os turistas, todos fazendo (os tapetes)”, diz.
O mesmo sentimento é compartilhado pelo casal de japoneses Teruko Kubo, de 35, e Naoya Kubo, de 36, que veio atraído pela fama dos tapetes coloridos de serragem.
ESPERANÇA O vigário lembra que a ressurreição de Cristo renova as esperanças. “A nossa esperança se fundamenta na fé. E a nossa fé se fundamenta no mistério pascal de Jesus, do amor dele por nós”, diz. Para o religioso, o sacrifício de Jesus de morrer na cruz convoca a todos a testemunhar o amor de Cristo por cada um. “Não é o nosso amor por ele, porque esse é falho. O amor dele por nós que faz a nossa presença no mundo ser diferente. Nos torna mais amáveis e compreensivos.” (MMC)
Mariana acolhe atingidos
As celebrações da Semana Santa em Mariana, na Região Central, atingida pelo rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco, em 5 de novembro do ano passado, dão exemplo do significado da data para os católicos, de renovação da fé. Fiéis dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu, dois dos povoados que mais sofreram danos provocados pelo desastre ambiental – que deixou 19 mortos –, fizeram questão de manter a tradição religiosa mesmo diante da adversidade. Com a vida de cabeça para baixo, Sérgio Raimundo Sobreira, que nasceu em Bento, não desanima. “Não adianta ficar lamentando, é erguer a cabeça e olhar pra frente. A semana santa é um momento que nos dá força. A gente se apega em Deus e segue adiante”, disse.
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