Na avaliação do coordenador da Promotoria Estadual do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda, o volume de peças recuperadas pela Samarco é muito pequeno diante do acervo de proporções gigantescas que igrejas e capelas atingidas abrigavam. “A mineradora não conseguiu encontrar nem 1% do que se perdeu, embora esteja lá com uma equipe de arqueólogos”, critica o promotor de Justiça.
Os objetos localizados pela Samarco estão sendo levados para um imóvel alugado pela empresa em Mariana. Segundo os técnicos da mineradora, estão passando por processos de higienização.
O coordenador da CPPC teme pelas novas ameaças ao patrimônio, que inclui, além de igrejas e capela, pontes, casario e outros bens de valor histórico. “A empresa está querendo construir o dique S4, para diminuir a vazão de sedimentos em direção ao Rio Doce, e vai comprometer estruturas arqueológicas. Certamente, haverá novos danos”, alerta Marcos Paulo. A Samarco, via assessoria de imprensa, informa que a obra do dique não será mais executada, pelo menos em Bento Rodrigues, exatamente para preservar um muro que foi descoberto durante as escavações. Sobre o pequeno número de objetos sacros localizadas pela empresa em quase cinco meses, os assessores alegam que “o trabalho ainda não terminou”.
A quinta-feira reservou uma surpresa para os arqueólogos que atuam na região a serviço da mineradora. Airton Antônio Silva, morador da comunidade de Ponte do Gama, em Mariana, entregou duas peças de madeira entalhadas, características de balaústres ou mísulas (suportes para peças em paredes), típicas de igrejas, que foram devidamente embaladas e acondicionadas na reserva técnica em Mariana. A equipe voltava para a cidade colonial, no fim da tarde, depois de um trabalho de campo, quando o homem, que estava à beira da estrada, sinalizou para o carro, dando a entender que tinha algo muito importante para informar.
LEMBRANÇAS Com a área do subdistrito de Bento Rodrigues interditada pela Defesa Civil, os ex-moradores pouco voltam ao local onde viveram, criaram filhos, produziram a famosa geleia de pimenta-biquinho, rezaram e se divertiram. “Fiquei sabendo que tem arqueólogos trabalhando lá, encontrando até antigos muros. Isso é muito bom”, afirma Zezinho, de 70 anos, natural de São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes, mas que viveu 33 anos “no Bento”, como adultos, jovens e crianças se referem ao vilarejo surgido no século 18 pelas mãos do bandeirante Bento Rodrigues.
Morando em um imóvel alugado pela Samarco em Mariana desde a catástrofe que deixou 18 mortos e um desaparecido, Zezinho não se esquece de tudo a que as peças sacras encontradas remetem. Casado com Maria Irene de Deus, ele conta que junto dos demais católicos participava do Terço do Santíssimo, das missas, tocava violão no coral e das celebrações em louvor ao padroeiro São Bento, no mês de julho. E havia também o lado profano, mas divertido: na pracinha, aos domingos, a turma se juntava para jogar truco. “Tínhamos uma loja de artesanato, mas acabou tudo com a lama.”
A agente de saúde Cláudia de Fátima Alves também volta no tempo para se lembrar da avalanche.
RECUPERAÇÃO De acordo com a Samarco, desde o dia seguinte ao acidente, a empresa está comprometida em “resgatar, armazenar e restaurar as peças sacras das igrejas localizadas nas áreas afetadas pelo acidente com a Barragem do Fundão”. Técnicos explicam que “assim que é finalizado o resgate, ainda em andamento, empresa especializada em restauração de peças sacras dá início ao processo”. Outra frente é a preservação dos imóveis: “Para isso, uma empresa especializada em engenharia civil e restauração está encarregada de analisar todos os parâmetros das estruturas das igrejas, como seus pilares, altares e piso”.
Exposição na Assembleia
O contraste entre o marrom das ruínas e o verde da vegetação, aves ciscando no meio da destruição e um carro estacionado sobre o lamaçal em Bento Rodrigues. Os flagrantes foram captados pelas lentes do fotógrafo Cláudio Nadalin e poderão ser vistos até 15 de abril em exposição na Galeria de Arte do Espaço Político-Cultural Gustavo Capanema, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (Rua Rodrigues Caldas, 30, Bairro Santo Agostinho), em Belo Horizonte. A mostra tem o sugestivo nome de Oh! Minas Gerais... e traz, com sensibilidade, o cenário de desolação deixado pela maior tragédia socioambiental do Brasil.