Em novembro, mês do rompimento da Barragem do Fundão, que causou a morte de 19 pessoas e o maior desastre socioambiental do Brasil, ao encher de lama os rios Gualaxo do Norte, do Carmo, Doce e parte da costa do Espírito Santo, a Samarco planejou construir quatro diques, denominados S1, S2, S3 e S4 , como parte do primeiro acordo com o Ministério Público estadual e órgãos ambientais para tentar estancar a degradação hídrica. De acordo com o Ibama, essas são “estruturas filtrantes e galgáveis, isto é, vão retendo material mais grosso e deixando passar água com qualidade melhor”. Ao longo da vida útil desses reservatórios, é previsto que sejam assoreados, até que percam sua finalidade após reter lama e rejeitos, que vão decantando e sendo acumulados no fundo das represas.
Porém, o Ibama constatou que o volume de água e de rejeitos que chegou a essas estruturas foi maior do que o dimensionado pela Samarco.
As barragens não têm funcionado a contento, de acordo com o Ministério Público, que já anunciou a intenção de propor medidas judiciais na tentativa de cessar os danos ambientais contínuos à Bacia do Rio Doce. O líquido que continua a escorrer do dique S3 é barrento e deposita um pó cinzento e brilhante nos leitos e margens dos cursos d’água em que desemboca, como constatou a reportagem do EM. O córrego vermelho que continua a correr é apenas uma fração do rio que costumava passar por Bento Rodrigues, já que um lago enorme se formou a partir do barramento e libera pouco volume. O reservatório criado para melhorar a qualidade da água acabou por inundar pastagens e bosques que estavam cobertos pelos rejeitos.
MEDIDAS A Samarco informou que tem adotado ações para impedir o assoreamento com o carreamento de lama e rejeitos depositados nas margens dos rios. “Trabalhos nas margens dos rios (afluentes tributários) estão sendo realizados, tais como o enroncamento (colocação de pedras), plantio de grama e implantação de mantas de geotêxtil, itens que são parte do plano de recuperação ambiental entregue ao Ibama”, informou, em nota. O instituto afirma ter “realizado reuniões com a Samarco, nas quais são explicadas as estratégias utilizadas; e tem vistoriado os locais em que está sendo feita a revegetação emergencial”. Sobre autuações, foram feitas cinco, com multas individuais no valor de R$ 50 milhões, aplicadas em cada processo. O próprio órgão federal reconhece que o valor é baixo diante do tamanho do estrago.
Samarco diz que quadro é normal
A Samarco informou ontem que era esperado que “ocorresse o assoreamento dos reservatórios ao longo do tempo”. “À medida que os sedimentos se depositam em cada um dos reservatórios, a água segue mais clarificada”, sustenta, afirmando que o sistema “continua com o funcionamento conforme esperado”, apesar de o Ibama e o Ministério público terem avaliado que os diques S1 e S2 acabaram tornando-se inoperantes antes do programado.
A própria empresa informou que o dique S3 está sendo redimensionado para comportar mais rejeitos. A mineradora informou que vem tomando outras medidas. “Com o início do período seco, a Samarco trabalha na construção de uma nova estrutura de contenção, em aterro compactado, na saída da Barragem do Fundão”, informou, acrescentando que faz bombeamento da drenagem pluvial e outras ações para reduzir o volume de água que chegam às barragens e, consequentemente, o carreamento de sedimentos para os cursos d’água.
Em relação ao dique S4, a Samarco informa que o projeto foi dimensionado para não haver inundação de todo o subdistrito de Bento Rodrigues. Ainda assim, como foi identificada estrutura arqueológica na área de inundação prevista inicialmente, o projeto está suspenso. Soluções estão sendo discutidas com os órgãos competentes.
Ação para manter Bento na memória
O temor de que Bento Rodrigues se torne uma barragem de rejeitos, soterrando a memória do acidente e das vítimas, vem mobilizando movimentos sociais. O coletivo Um Minuto de Sirene, de Mariana, iniciou um movimento em que defende o tombamento da região no mesmo modelo de áreas de catástrofes e atrocidades, como o memorial do 11 de setembro de 2001, em Nova York, o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, e Il Grande Cretto, na Itália. Nas redes sociais, ativistas lembram que muitos especialistas chegaram a estimar que em cinco meses o Rio Doce estaria limpo, fato que ainda não ocorreu.
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