Para superar a inexistência da Bíblia em braille e a falta de adaptação da maioria das igrejas de BH para atender as necessidades de sacerdotes cegos, Marco Antônio memorizou cada centímetro do adro da São Judas, decorando a posição de cada degrau e a localização do cálice na mesa, entre outros. Além disso, conta com o auxílio de um diácono para ler em voz baixa, perto dele, o trecho a ser dito exclusivamente pelos padres ao microfone. Na verdade, persistência e inteligência são algumas das qualidades de Marco Antônio que, antes de seguir sua vocação, formou-se em computação, passou em sétimo lugar em concurso do Ministério Público de Minas e começou a cursar ciências biológicas. Aos 30 anos, largou tudo para se tornar padre.
Na missa das crianças, celebrada ontem pelo religioso com a igreja lotada, impressionava a desenvoltura de Marco Antônio assentado em meio aos pequenos, que não despregavam o olho do padre. Com voz tranquila e segura, ele ensinou a cada um dos filhos, pais e avós presentes que “todos nós somos responsáveis por criar um ambiente mais bonito, harmônico e gostoso de ficar.
Para atingir a calma interior, padre Marco Antônio aprendeu desde a juventude a dedicar 20 minutos pela manhã, ao acordar, à prática da meditação. Em seguida, dá início às laudes, como são denominadas as orações da manhã. Ele já se levanta rezando, com a ajuda de um aplicativo do celular, que vai ‘dizendo’ as orações em voz alta. Marco Antônio também aplica Reiki, que segundo o próprio, trata-se de prática areligiosa que emprega a cura pelas mãos, inspirada nos milagres feitos por Jesus Cristo pela imposição de mãos sobre os doentes. No término da homilia, na missa de ontem, o padre estendeu as mãos sobre as crianças: “Que Deus coloque a mão sobre a cabecinha de cada um de vocês, trazendo a paz”. “Venho todos os domingos. A missa dele é muito bem pregada, independentemente de ele ser ou não deficiente visual. Não vejo diferença”, comentou um idoso, morador do bairro.
CAPACIDADE INTELECTUAL Escolhido como padrinho da ordenação de Marco Antônio, padre Mauro Luiz da Silva, da paróquia Nossa Senhora do Morro, destaca a capacidade intelectual do pupilo. “Ele foi orientado a ser meu afilhado de ordenação porque eu coordenava a pastoral dos surdos. Não percebi nada nele que pudesse limitar a sua atuação no sacerdócio, pelo contrário, era de se admirar a formação sólida e capacidade intelectual dele.
Em 28 de outubro, dia de São Judas Tadeu, além de celebrar duas missas, que atraem uma multidão de fiéis de todos os lugares do país, padre Marco Antônio é um dos mais requisitados a atender nos confessionários. Ordenado há um ano e designado para a mesma igreja, Padre Wagner Douglas Gomes de Souza explica o motivo: “O gesto dele de estar pronto a escutar influencia muito. Padre Marco Antônio sempre foi muito intuitivo e tem uma palavra forte a oferecer a cada um”.
“Parece que a gente acaba enxergando com outros olhos”, sorri o padre, que costuma valorizar os momentos de silêncio nas missas. “São importantíssimos para internalizar as falas, as músicas, para contactar com Deus. Na liturgia, esse momento é chamado de silêncio sagrado”, explica Marco Antônio, lembrando que os deficientes visuais desenvolvem outro senso de percepção e direção, por meio de sons e cheiros. Para suprir a ausência da visão, portanto, permanecem o tempo inteiro ‘ligados’ em barulhos e sensações de movimento, como forma de interpretar o mundo.
Segundo a ministra da eucaristia Maria da Conceição de Farias, funcionária há 22 anos do santuário, o padre celebra casamentos, vai ao CTI ungir doentes, dá a comunhão. “Não há nada na igreja que padre Marco Antônio deixe de fazer. Ele tem o poder da luz divina”, completa ela, admitindo que há uma disputa saudável entre funcionários para oferecer o braço ao padre, conduzindo-o até o ponto de ônibus. “Além de ser um bom padre, ele é nosso amigo.”
Pastoral dos deficientes visuais
Aos poucos, empecilhos a fiéis e padres cegos vão sendo contornados pela Pastoral da Pessoa com Deficiência Visual, fundada também pelo padre Marco Antônio em agosto de 2013 nas proximidades do Instituto São Rafael, na Região do Barro Preto.