Com 1.001 seguidores no Facebook, Odette Castro tornou-se conhecida pela originalidade dos casamentos que decora com corações de veludo, bicos de tricô e flores do campo. Em meio à leveza e delicadeza dos temas relacionados ao amor eterno ou até que a morte separe, sobressaem posts mais urgentes, que deram origem ao livro intitulado Rubi. São relatos de Odette sobre a luta com a filha Beatriz, de 29, portadora de uma síndrome bastante rara chamada Rubinstein-Taybi, que, entre outras 15 características, provoca a atrofia do cérebro.
Há quase três décadas, quando Odette tinha a idade que tem hoje Beatriz, esperava a vinda da segunda filha depois de dois ultrassons ditos normais, seguidos de um parto natural, até então sem sustos. Foi surpreendida, porém, com o nascimento de um bebê roxo. Nenhum médico sabia o que dizer à mãe, exatamente como acontece hoje com os casos de microcefalia. Quando Odette perguntou se a filha tinha risco de morrer, um deles tentou consolar a mãe desesperada, dizendo que era o mesmo perigo de atravessar a rua sem olhar. “Tudo o que sei da vida aprendi com a Beatriz. Aprendi a brigar com alguém de verdade, olho no olho. Aprendi a ser humilde por alguém e a pedir uma consulta de graça. Entendi que por mais estranho que pareça, não posso apontar um defeito ou rir de você em público. Se olharem torto para a Beatriz, hoje eu olho torto também de volta”, conta ela, que já enfrentou muito preconceito com pessoas encarando a filha nos restaurantes e até em livrarias.
A desinformação em relação à zika é real, mesmo entre a comunidade de médicos e cientistas. Só na semana passada veio a confirmação oficial de que o zika vírus causa microcefalia e outras malformações, por meio de relatório divulgado em Atlanta, nos Estados Unidos. Com base na própria experiência, a mãe de Beatriz recomenda que as famílias não esperem para agir.
Com 1.113 casos de microcefalia confirmados para o vírus zika no país, sendo 52 investigados em Minas (dois confirmados), no último balanço do Ministério da Saúde, o alerta é geral, principalmente entre as famílias afetadas pela doença. “Minha condição financeira e a do pai eram boas. Beatriz teve acesso a todo tipo de terapia convencional e alternativa, parapsicólogos e simpatias populares. Mandaram trocar a cor branca do quarto, que diziam tirar o sono, e mudar tudo para lilás com tons de azul, que eu nem gostava muito, mas mudei”, diz Odette, que se dispõe a dar palestras e a explicar para outras mães as técnicas intuitivas a serem usadas para estimular bebês. Uma delas é deixar os bebês especiais se locomoverem no chão, em edredons, brincando naturalmente com outras crianças (primos e colegas), como forma de promover o equilíbrio e a confiança dos filhos. Outra é passar várias texturas no corpo do bebê para estimular o lado sensorial (açúcar, gelatina e até Bom Bril).
CRIANÇA ETERNA
No nascimento de Beatriz, foi dito a Odette que a filha nunca andaria nem falaria, mas a designer de casamentos, no meio da caminhada com Beatriz, descobriu que os gazebos podem contradizer o padrão convencional.
Beatriz vai chegando perto de Odette, carinhosa. Encosta nela a cabeça, dizendo “mãe”, uma das poucas palavras que aprendeu até hoje. “A gente sempre faz muito por um filho, mas sabe que ele vai crescer e tomar a rédea da vida. Tive de ensinar a Laura (a filha mais velha) a não se sentir uma adulta com uma limitação na vida porque tem uma irmã especial. Já a Beatriz não tem nada de timidez. Ela é atirada e até muito atrevida, não sei se esse é o comportamento dela ou se sente muita confiança na casa dela. Ela é um bebê eterno, para cuidar pelo resto da vida.”
MAIS PENSAMENTOS DE ODETTE
APROVAÇÃO
“Algumas pessoas escondem o filho por vergonha do outro. Você pode observar: todos os problemas das pessoas estão no outro. Para sobreviver, tive de pôr Beatriz no mundo. Você esconde o seu filho por medo da desaprovação do outro. E quem disse que os olhares do outro vão ser mais importantes que a minha filha? Você pode até achar estranho, mas não posso rir de você, não posso apontar um defeito. Posso chegar em casa e morrer de rir sozinha, mas não na rua, em público.”
DEUS MANDOU
“Não acredito que Deus escolha alguém para ter câncer ou ser cego, escolha mãe para perder filho em acidente ou ter filho com defeito. Isso acontece, é normal da vida. Mas a partir do momento em que o fato acontece e é concretizado, Deus abre as portas para você. Nunca questionei. Só pedi a Ele: “Já que você mandou, você vai me ajudar”. Tive muita ajuda divina e uma lucidez enorme por não ter tido vergonha e ter enfiado a cara desde o primeiro segundo. Sofri muito. Não achei tudo lindo e maravilhoso. Foi muito sofrido e tive muito medo.”
RESPONSABILIDADE
“A responsabilidade sobre a Beatriz é minha e do pai, que aliás não pensa nisso. A Laura não tem que cuidar da Beatriz. Ela ama a irmã, mas não tem obrigação de cuidar dela. Não tenho como transferir minha responsabilidade para os outros. Não sou orgulhosa, se você quiser fazer uma caridade e levar a Beatriz para passear por duas horas para que eu possa dormir, eu aceito numa boa.”
MEDO DE MORRER
“Estou voltando a ter medo, porque Beatriz está muito pesada agora e já não tenho forças para carregar. O estado não oferece a menor estrutura e realmente não entro em paranoia, mas e se eu morrer? Vai chegar uma hora em que vou ter de pôr a Beatriz em uma instituição, parece que tem uma na Pampulha. Antes, essa hipótese era totalmente absurda, mas imagine quando eu fizer 70 anos, 80 anos... Hoje, já é uma alternativa mais realista.”
PARA SABER MAIS
Livro Rubi
Editora Impressões de Minas
106 páginas, R$ 35
Onde encontrar: Livrarias Quixote e Scriptum.