PBH quer usar bactéria para barrar transmissão de doenças pelo Aedes aegypti

Contágio de mosquitos com micro-organismo é negociado entre Secretaria de Saúde de BH e Fiocruz por meio de um programa de pesquisas. Intenção é usar o controle biológico para tentar frear avanço dos vírus da dengue, zika e chikungunya

Junia Oliveira
Intenção dos pesquisadores é infectar os ovos do mosquito da dengue, zika e chikungunya com batéria, que é transmitida para próximas gerações do Aedes aegypti - Foto: Wikimedia/Reprodução
Belo Horizonte se prepara para receber uma parceira minúscula, mas que promete ser uma aliada de peso no combate ao Aedes aegypti. Trata-se da bactéria Wolbachia, que, introduzida no vetor, bloqueia a transmissão de vírus, ajudando no combate à dengue e também à zika e à chikungunya. O projeto, nascido na Austrália e atualmente em desenvolvimento no Rio de Janeiro, consiste em soltar no ambiente fêmeas adultas contaminadas em laboratório pelo micro-organismo. A Secretaria de Saúde da capital espera o sinal verde da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), responsável pelas pesquisas, para também entrar na rota dessa tecnologia.

O município, que recebeu na semana passada delegação da instituição, está em fase de negociação. De acordo com o secretário Municipal de Saúde, Fabiano Pimenta, a ação, sem data para começar, tem custo de implantação estimado em R$ 10 milhões, em um período de dois anos. A contrapartida é a manutenção da estrutura do programa municipal de combate ao Aedes – que hoje tem recursos da ordem de R$ 4 milhões a R$ 5 milhões somente para atividades diretamente relacionadas ao combate ao vetor – como a manutenção de 1,5 mil agentes específicos, compra de material de proteção individual, material de divulgação e campanhas de mobilização.

Ele explica que, por ser uma técnica de contágio intracelular, durante a reprodução do mosquito os descendentes também nascem com a bactéria, aumentando a população de insetos parasitados. A função da Wolbachia é bloquear a passagem do vírus do aparelho digestivo do mosquito para a glândula salivar, evitando, assim, a transmissão da doença, ou a fazendo que ocorra em intensidade muito menor. “Para mim, essa é a experiência mais promissora em termos de campanha de saúde pública para melhorar o controle do Aedes.
Mas isso não substituirá a visita dos agentes às casas e os mutirões de limpeza para eliminar criadouros”, afirmou o secretário.

Fabiano Pimenta chamou a atenção para os dados relativos a ovos por armadilha na capital mineira: enquanto no começo de março houve redução de 30%, nas duas últimas semanas eles mostraram tendência de estabilização, o que acende o alerta. O secretário reiterou que a política de visitas aos imóveis é continuada. Desde o mês passado, foram mais de 1 milhão de ações. “BH não vai reduzir a intensidade, porque estamos diante de dois problemas recentes, para os quais a população não tem imunidade, que são o zika vírus e a febre chikungunya”, disse.

PELO MUNDO Além da Austrália, as pesquisas com a Wolbachia estão sendo desenvolvidas no Vietnã, Indonésia e Colômbia. No Brasil, os bairros de Tubiacanga, na Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro, e de Jurujuba, em Niterói, participam do projeto. A Fiocruz explica que mais da metade dos insetos do mundo têm a bactéria. A equipe do programa “Eliminar a Dengue”, na Austrália, conseguiu introduzi-la no ovo do Aedes aegypti, com microinjeções e sem o uso de qualquer tipo de modificação genética. Como o micro-organismo é passado naturalmente da mãe para a prole, o projeto se diferencia por sua autossustentabilidade, sem a necessidade de liberações frequentes de mosquitos contaminados, como afirma o pesquisador Luciano Moreira.

Na atual etapa do projeto, os pesquisadores avaliam a liberação de mosquitos adultos e de ovos. A última estratégia lança mão de um dispositivo de liberação de ovos que consiste em um recipiente plástico com tampa e pequenos furos nas laterais. Eles são postos em casas de moradores que colaboram com a iniciativa e abrigam ovos de Aedes aegypti com Wolbachia, água e alimento para as larvas que vão nascer. Cerca de sete a 10 dias depois da instalação do DLO, os ovos darão origem a mosquitos adultos, que voarão gradativamente para fora do recipiente por meio dos furos.

A Fiocruz informou, por meio da assessoria de imprensa, que vai analisar o interesse da Prefeitura de BH, mas que, por enquanto, não há nada definido. Outras administrações municipais também procuraram a fundação para receber o projeto.

Saiba mais

Wolbachia pipientis


Amplamente presente em insetos, é uma bactéria intracelular observada pela primeira vez há mais de 70 anos em mosquitos da espécie Culex pipiens. Desde 1990, mais de 1,5 mil estudos científicos sobre o micro-organismo foram publicados em periódicos científicos.
Pesquisas demonstraram que ele é amplamente disseminada entre os invertebrados e pode ocorrer naturalmente em mais de 70% dos insetos do mundo, incluindo borboletas e diversos mosquitos, como  o pernilongo comum. Apesar da ampla gama de hospedeiros, a Wolbachia não é capaz de infectar vertebrados, incluindo humanos.

Barreira natural

Cientistas do programa internacional “Eliminar a dengue: nosso desafio”, liderados pelo professor Scott O’Neill, da Universidade de Monash (Melbourne, Austrália), demonstraram que a Wolbachia é capaz de bloquear a transmissão do vírus da dengue no Aedes aegypti, originando uma nova proposta, natural e autossustentável, para o controle da doença. Não há processo de modificação genética.

A característica intracelular da Wolbachia impõe limitações significativas à sua capacidade de dispersão, uma vez que ela só pode ser transmitida da fêmea para a prole. Como resultado, o sucesso da Wolbachia está diretamente ligado à capacidade de reprodução do inseto.

A bactéria confere uma vantagem reprodutiva devido à chamada “incompatibilidade citoplasmática”: fêmeas com Wolbachia sempre geram filhotes contaminados. Quando as fêmeas sem Wolbachia acasalam com machos com a Wolbachia, os óvulos fertilizados morrem.

Fonte: Fiocruz.