Intérpretes ajudam surdos em serviços públicos

Deficientes auditivos contam com apoio de especialistas em libras em três cidades de Minas Gerais. O objetivo é auxiliar a comunicação em serviços públicos, onde atendimentos médicos são a maior demanda

Sandra Kiefer
Elizabeth e Josué contaram com a ajuda do intérprete Edmilson (E) no INSS, depois de não conseguirem estabelecer um entendimento no órgão social - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS
A história contada pelo almoxarife Josué Filho Gomes, surdo desde criança, é tão surreal que daria um roteiro do programa humorístico Porta dos Fundos, caso não fosse verdadeira. Depois de ser atropelado e conseguir licença de um ano do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), Josué compareceu novamente à agência da Previdência Social, dentro do prazo, sentindo-se apto a voltar a trabalhar. No entanto, a técnica que prestou atendimento não compreendeu nada do que ele tentou explicar na Língua Brasileira de Sinais (Libras). A mulher dele, Elizabeth Silva Gomes, que também é deficiente auditiva, seguiu com ele para tentar esclarecer as coisas, mas de nada adiantou. O INSS não o liberou para voltar ao emprego, nem tampouco o autorizou a estender a licença.

O resultado da barreira da comunicação estabelecida entre as partes é que, passados cinco meses, Josué continua sem receber benefício nem salário. Além disso, não tem explicações claras para oferecer ao patrão e muito menos à própria filha, que percebe as contas atrasadas se acumulando em casa. “Não consigo me manter na posição íntegra de pai. Tenho vergonha da minha filha de 7 anos, que vê chegar as contas de água, de luz, que não tenho como pagar”, desabafou finalmente o almoxarife, com a devida tradução do intérprete de Libras, Edmilson Freitas, que acompanhou o reclamante na nova consulta.
O processo continua em andamento.

A ajuda prestada a Josué veio de uma das três Centrais de Libras instaladas no estado para apoiar os deficientes auditivos, em Belo Horizonte, Juiz de Fora e Uberlândia. Os intérpretes acompanham pessoas surdas em consultas médicas, bibliotecas, hospitais, dentista, bancos, Procons, tribunais, INSS e outros serviços públicos. A maior parte da demanda é no sentido de acompanhar o deficiente auditivo em serviços de assistência à saúde (60% dos pedidos).

Na área de saúde, há casos marcantes que ocorrem durante a tradução e a interpretação simultânea do quadro clínico de pacientes. É o caso de pacientes que recebem diagnóstico de câncer, por exemplo, como ocorreu com dois clientes atendidos pela Central de Libras de Juiz de Fora. Em outro, a intérprete Sandra de Lourdes Ribeiro acompanhou o processo de uma mãe que havia recebido alta depois do parto em uma maternidade, além de auxiliar também o marido a registrar o nome do bebê no cartório da cidade.

Sandra Ribeiro considera que há histórias de vida ainda mais delicadas, em que ela se sente honrada de dar suporte como intérprete entre o mundo do surdo e a realidade dos ouvintes. No último mês, ela vem acompanhando o caso de um jovem surdo que se tornou dependente químico de crack e álcool. A intérprete vem fazendo a mediação entre o dependente químico e a psicóloga, tomando o cuidado de não censurar ou vetar opiniões de nenhuma das partes. “No momento em que estou verbalizando o sentimento dele, dando voz ao surdo, a fala vai fluindo normal. Eu me sinto bem”, conta ela, que já teve de dar uma palavrinha com a psicóloga ao fim da sessão, para tentar entender a rejeição das famílias de ouvintes ao surdo e à necessidade de superproteger o deficiente e duvidar do potencial dele.

As pessoas com deficiência auditiva representam 1,1% da população brasileira, segundo o último dado divulgado pelo IBGE em 2015. Cerca de 0,9% dos brasileiros ficaram surdos em decorrência de alguma doença ou acidente e 0,2% nasceu surdo. O intérprete de Libras de BH, Juliano Salomon, de 43 anos, aprendeu a se expressar em Libras para se comunicar com os pais, Edgard Ênio Esteves de Oliveira, de 75 anos, que ficou surdo aos 3 meses depois de uma infecção de ouvido, e a mãe Dayse Pinto Salomon, de 67, que deixou de escutar aos 3 anos, após um surto de meningite. “Aos 4 anos, já interpretava para meus pais nas consultas médicas. Era muito tranquilo, pois eu sentia necessidade de proteger os dois.
Aos 20 anos, comecei a frequentar a academia para aperfeiçoar a língua de sinais e me profissionalizar como intérprete.

As Centrais de Interpretação de Libras (CIL) têm gestão compartilhada pelos governos federal, estadual e municipal. O Governo de Minas, por meio da Secretaria de Direitos Humanos e Participação Social e Cidadania (Sedpac), é responsável por equipar as instalações e pela contratação dos intérpretes. O investimento do estado nas três unidades, até agora, é de cerca de R$ 500 mil. No Brasil, foram criadas 38 centrais em nove estado.Cada unidade recebe um kit do governo federal, ligado a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, com mobiliário, equipamentos e um veículo, tendo entre as contrapartidas do estado ou município proponente a designação do espaço físico, a contratação de intérpretes, motorista e a manutenção do veículo.

“O ideal é que tivesse uma central de Libras em cada município. Antes de existir esse serviço público, as pessoas surdas eram atendidas de forma voluntária pelas igrejas católicas ou evangélicas, associações de surdos ou de forma intuitiva pelos familiares”, explica Edmílson, que ainda acompanha de perto o caso de Josué. Ele se interessou pela Libras depois de cumprir uma pena em uma escola de surdos, por dirigir sem habilitação.


COMO ACESSAR

A pessoa com deficiência auditiva poderá entrar em contato para agendar atendimento via e-mail, Facebook, SMS, Skype, WhatsApp ou telefone fixo, e presencialmente, nos seguintes endereços:

Central de Libras de Belo Horizonte
(Casa de Direitos Humanos)

 Av. Amazonas, 558,
5º andar, Centro
 Telefone: 3270-3625

Central de Libras de Juiz de Fora

 Rua São Sebastião,
nº 750, Centro
 Telefone: (32) 3214 3258)

Central de Libras Uberlândia

 Praça Tubal Vilela,
nº 60, Centro
 Telefone: (34) 3235-4174


Idioma visual

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) pode ser definida como um idioma natural usado pela maioria dos surdos do Brasil. Reconhecida oficialmente pela Lei Federal 10.436/2002, a Libras é visual e gestual, diferentemente de todos os idiomas já conhecidos, que são orais e auditivos. Trata-se de uma língua pronunciada pelo corpo e percebida pela visão. O uso de Libras requer atenção visual, discriminação visual, memória visual, expressão facial e corporal, assim como agilidade manual.
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