Pacientes vindos do interior sufocam UPAs de BH

Com desmonte da saúde em várias cidades, pressão sobre unidades da capital atinge marca inédita: neste ano, 65% dos pessoas atendidas foram de outros municípios

Valquiria Lopes

Apesar da espera angustiante em unidades como a de Venda Nova, usuários buscam garantia de atendimento - Foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS

 

As recepções lotadas e as muitas horas de espera desenham o retrato da emergência nas unidades de pronto atendimento (UPAs) de Belo Horizonte, onde diariamente milhares de pacientes aguardam por algum tipo de serviço médico. A demora estampada em semblantes aflitos é histórica, mas ao longo dos anos ganhou força. Além da crescente demanda de pacientes da capital, as unidades de saúde estão tendo, progressivamente, que dar conta de outro tipo de atendimento: por causa do fechamento de unidades de emergência e da falta de médicos, serviços e infraestrutura em cidades da região metropolitana e do interior de Minas, cada vez mais a população de fora de BH tem buscado assistência na capital. A participação desse público, que em 2009 girava em torno de 30% da demanda das UPAs de BH, dobrou ao longo de sete anos e bateu em 60% em 2015. Nos dois primeiros meses deste ano, o índice foi ainda maior: atingiu a marca de 65%, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde.


A lista de cidades que recorrem às UPAs de BH é extensa, segundo a pasta, e inclui principalmente os vizinhos da região metropolitana, a exemplo de Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Betim e Vespasiano. E, segundo pacientes que vêm dessas cidades, a viagem até a capital é desgastante e cara. O tempo para consulta também demora. Ainda assim, há um atrativo importante.

“Pelo menos a gente é atendida”, conta a dona de casa Manuela Rosa de Abreu, de 61 anos, de Santa Luzia. Ela, que é diabética, hipertensa e sofre com desmaios frequentes, aguardava na recepção da UPA Norte, no Bairro Primeiro de Maio, Região Norte de BH, na esperança de diagnóstico para uma forte dor nas costas, inchaço abdominal e queimação no estômago. A paciente lamenta a situação da saúde em sua cidade e diz que já não procura mais atendimento perto de casa. “Já vim umas quatro vezes para BH. Nem vou mais ao posto de saúde perto da minha casa. E na UPA de lá eles não atendem, nunca tem médico”, conta Manuela, lembrando que até hoje não recebeu o resultado de um exame papanicolau feito em fevereiro. “Na época, a médica pediu uma mamografia, mas a vaga nunca saiu”, disse.

Uma das baixas na saúde de Santa Luzia ocorreu no início do ano passado, quando o pronto atendimento do Hospital São João de Deus fechou as portas. Moradora da cidade, a dona de casa Maria do Socorro, de 52, também recorre à UPA Norte sempre que está doente. Na última quarta-feira, ela estava na unidade aguardando diagnóstico para uma forte dor no peito e nas costas. “Tenho angina (dor ou desconforto torácico) e preciso de acompanhamento médico. Mas sempre tenho que recorrer à emergência em BH, porque em Santa Luzia a saúde está um caos. Só venho aqui ou vou à UPA Centro-Sul (no Bairro Santa Efigênia)”, relatou.

Em Ribeirão das Neves o problema é semelhante. A auxiliar de serviços gerais Viviane Alves Marcelino, de 36, conta que já desistiu de buscar atendimento na cidade.
“Nem perco meu tempo. A última vez em que estive na UPA Justinópolis cheguei às 13h e fui embora sete horas depois, sem ser atendida”, contou a paciente, que aguardava na manhã de quarta-feira uma consulta para o filho que estava com dor de garganta e febre. A estudante Pâmela Crislaine da Silva de Oliveira, de 17, confirma o suplício. “Eu fui à UPA Justinópolis na terça-feira, mas chegaram três pacientes graves e informaram que ia demorar seis horas para eu ser atendida. Fui pra casa e vim aqui (à UPA Venda Nova) hoje (quarta-feira). Aqui é mais rápido e atende”, disse ela, que buscava tratamento para os sintomas de uma gastrite.

Os bancos da recepção da UPA Venda Nova também recebem moradores de Vespasiano, que se queixam de demora e falta de atendimento na cidade. De acordo com a cabeleireira Cláudia Roberto Arcanjo, de 23, faltam investimentos na rede, precária e pequena para o município. “Em todas as vezes em que fui à UPA, nunca consegui ser atendida, de tão cheia que estava. Hoje mesmo eu voltei lá e nem fiz a ficha, porque estava lotada”, contou.

 

 

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