Barra Longa, Mariana, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado – Esvaziada para que suas turbinas não fossem danificadas pela passagem de rejeitos de mineração, a represa de Candonga, pertencente à Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, está assoreada por uma massa compacta de rejeitos de minério. Parecem praias de coloração escura, por onde um filete do Rio Doce escoa, escavando seu caminho entre o material arenoso. Três dragas, com tubulações tão grandes que permitiriam uma pessoa agachada passar facilmente, tentam sugar pelo menos o grosso desse material, para que a água possa voltar a se acumular no lago, que fica em Santa Cruz do Escalvado, no Vale do Rio Doce. Mas nem esses esforços devolverão o reservatório ao seu estado normal, já que dos 7 milhões de metros cúbicos de rejeitos acumulados, apenas 550 mil serão retirados em um primeiro momento.
Passados quase seis meses do rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco, em Mariana, a reportagem do Estado de Minas fez de Candonga uma das paradas em uma jornada pelas áreas mais afetadas pela tragédia socioambiental que devastou a Bacia do Rio Doce entre Minas Gerais e o Espírito Santo, se estendendo até a costa capixaba. Segundo o Ibama, a área fisicamente mais atingida fica entre Mariana e a Usina Risoleta Neves. De acordo com levantamentos de técnicos do instituto, nesses 36 quilômetros pelo menos 20 milhões de metros cúbicos de detritos ainda estão depositados nos cursos d’água e margens.
Os estragos em Candonga ainda estão entre os mais impressionantes, mas foi graças ao reservatório que foi contido o avanço da onda destruidora. “O reservatório (da hidrelétrica) amorteceu a onda de lama. A partir da usina, os impactos diretos foram sentidos, mas ficaram limitados à calha do Rio Doce, sem afetar muito as margens e matas ciliares”, avalia o superintendente do Ibama em Minas Gerais, Marcelo Belisário Campos.
De acordo com a Samarco, o volume a ser retirado de Candonga pelas dragas se estenderá a até 400 metros antes do barramento, correspondendo à quantidade necessária para tornar a área da represa e das turbinas livre do material acumulado, possibilitando que volte a gerar energia.
Segundo o último laudo do Ibama, contudo, “o planejamento precisa ser revisado, assim como seu respectivo cronograma, e mobilizar os melhores esforços para realização efetiva da dragagem emergencial do reservatório da usina”. O documento aconselha atenção especial com os rejeitos depositados junto à estrutura da barragem, que representam risco à sua integridade. “Temos de reconhecer o esforço da empresa, que vem adotando ações efetivas, mas também existem pontos para melhoria. É preciso intensificar essas intervenções na barragem de Candonga”, afirma o superintendente do Ibama.
Purificar a água ainda é desafio
Desde o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos desceram do reservatório, 32 milhões apenas no primeiro dia. Outros 8 milhões escoaram especialmente nos três meses seguintes, segundo o Ibama. Com a construção de três diques próximos a Bento Rodrigues, a partir de meados do último mês a qualidade da água que vem da área da mineradora chegou a níveis aceitáveis pela legislação ambiental, mas pouco abaixo os órgãos ambientais já constatam piora da qualidade.
De acordo com a Samarco, imediatamente após o rompimento, as chuvas na região de Mariana superaram em muito a média histórica, prejudicando os trabalhos de engenharia necessários. “Temos em média 1.500 milímetros de chuvas nessa região entre outubro e abril, mas até a última quinta-feira já foram 1.631 milímetros. Só em janeiro, a média histórica de 350 milímetros foi batida em 647 milímetros. Foi muita chuva, então não tem como começar o trabalho de recuperação e remoção do rejeito”, justifica o diretor de Projetos e Ecoeficiência da mineradora, Maury de Souza Júnior. “Houve melhoria em função dos diques de pedras na saída das barragens até Bento, mas com a chuva não se consegue fazer uma estrutura definitiva. Cortamos toda a água de drenagem que vinha das nossas indústrias, mas ainda há quatro córregos – Germano, Fundão, Mirandinha e Santarém – e o material que estava solto era arrastado por esses cursos d’água. Por isso criamos os três diques e hoje a água que desce da área da Samarco está dentro do padrão de qualidade”, afirma.
Mas, cerca de 1,5 quilômetro abaixo, o Ibama já detecta índices elevados de turbidez (água turva por contaminação de sedimentos), principalmente devido ao material depositado nas margens, que continua a escorrer pelos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce, segundo levantamento do Ibama.
O último laudo do instituto federal também destaca que os diques de Sela e Tulipa, que fazem parte do complexo da Mina de Germano e tinham sido atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, “ainda apresentam coeficiente de segurança abaixo da norma, demandado cronograma atualizado e efetiva estabilização antes do próximo período chuvoso”.
ALÍVIO A partir de Governador Valadares, o Rio Doce tem apresentado melhoria da qualidade da água atestada pelo Serviço Geológico do Brasil, desde o mês passado se enquadrando nos limites estabelecidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).