Tragédia em Minas

Seis meses depois da tragédia, lama ainda ameaça e deve ser contida antes de outubro

Prestes a completar um semestre, pior desastre socioambiental do país exibe feridas abertas. Ibama alerta: Lama remanescente do desastre é ameaça a ser contida antes de novas chuvas

Mateus Parreiras - Enviado especial


Mariana, Barra Longa, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado –
As feridas abertas no meio ambiente e nas comunidades dilaceradas pela força da onda de rejeitos de 40 milhões de metros cúbicos e mais de 15 metros de altura, despejada com o rompimento da Barragem do Fundão, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, em 5 de novembro, mantêm estéreis grandes extensões de mata atlântica, do cerrado e das bacias dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce.
Às vésperas de se completarem seis meses da catástrofe que matou 19 pessoas, a situação considerada trágica pelos órgãos ambientais ainda está longe de ser solucionada. A mineradora Samarco, dona das barragens do Fundão e de Santarém – que também foi atingida – corre contra o tempo para impedir que aproximadamente 20 milhões de metros cúbicos de lama e detritos de minério de ferro, ainda contidos nessas estruturas, se desagreguem e desçam com a nova estação chuvosa, provocando ainda mais degradação. Segundo cálculos de técnicos do Ibama, obras de grande envergadura nesses reservatórios precisam ser concluídas dentro de cinco meses, antes de outubro, para que só então possa ser iniciada grande parte das intervenções de recuperação ambiental.


A reportagem do Estado de Minas teve acesso ao último laudo produzido pelo Ibama no mês passado, que deve ser divulgado ainda neste mês. O documento foi produzido por 18 técnicos e traz um claro ultimato à empresa: “Não será admitido que, ao início do próximo período chuvoso (outubro), exista carreamento de rejeitos da fonte (Barragem do Fundão) ao ambiente, causando novamente poluição e degradação ambiental e comprometendo todos os esforços de recuperação da bacia”. Para tanto, o órgão federal afirma ser urgente “a implantação das estruturas projetadas para contenção da totalidade dos rejeitos remanescentes (nas barragens) até o próximo período chuvoso. Assim, a Samarco deverá realizar de maneira concentrada e com status emergencial todas as ações necessárias para que, previamente ao início do período chuvoso vindouro, esteja com estruturas adequadamente dimensionadas e operacionais para a contenção da totalidade dos rejeitos.”
Em Bento Rodrigues, placa entre ruínas é testemunha de um perigo constante - Foto: Leandro Couri/Em/D.A Press
A Samarco afirma que trabalha de forma acelerada para construir até outubro duas estruturas permanentes dentro dos barramentos que ameaçam despejar mais rejeitos no ambiente. Uma das contenções, chamada de “Eixo”, terá capacidade para reter 13 milhões de metros cúbicos de material remanescente da Barragem do Fundão, e a outra, em Santarém, para 9 milhões de metros cúbicos.

“Com essas obras, poderemos ter a segurança de que caso a chuva provoque novas movimentações no material remanescente, esse rejeito ficará retido dentro das estruturas. O prazo é outubro, quando começam as chuvas, e estamos concentrando esforços para que tudo esteja pronto até lá”, disse o diretor de Projetos e Ecoeficência da mineradora, Maury de Souza Júnior.

O superintendente do Ibama em Minas Gerais, Marcelo Belisário Campos, avalia que a tarefa não será facilmente cumprida dentro do prazo, mas assegura que o órgão ambiental está acompanhando de perto o andamento, para que tudo esteja pronto antes da estação chuvosa. “É um desafio terminar as estruturas e fazê-las funcionar dentro do prazo, mas estamos fiscalizando. Atuamos como indutores disso, verificando os turnos de trabalho na empresa, mobilização de equipamentos e operários. Se percebermos que está havendo pouco-caso, isso serve de base para a tomada de providências”, disse.
Único dique ainda não saturado suportaria apenas alguns dias de chuva, adverte o Ibama - Foto: Leandro Couri/Em/D.A Press
A força das chuvas já mostrou ter potencial de trazer mais rejeitos à Bacia Hidrográfica do Rio Doce, da qual fazem parte os rios Gualaxo do Norte e do Carmo, mesmo após o rompimento. Para reter a lama e os detritos minerários enquanto trabalha no reforço de Santarém e do Eixo, a Samarco construiu, em dezembro, um dique chamado S1 para tentar conter sedimentos, que por serem mais pesados que a água afundariam, deixando passar líquido com menos impurezas.

Porém, em poucos dias o reservatório, com capacidade para 19 mil metros cúbicos, foi soterrado. Um segundo reservatório, S2, ficou pronto durante a estiagem, com capacidade para 45 mil metros cúbicos. “Bastou um dia de chuva para que esse dique também fosse saturado, tamanho o volume de sedimentos que os córregos que passam pelas barragens trouxeram com a precipitação”, afirma o superintendente do Ibama. Em fevereiro, o maior dos diques, S3, ficou pronto, e conseguiu, no mês passado, apresentar uma melhora da qualidade da água. “Só que, apesar de ser maior, com 2,1 milhões de metros cúbicos de capacidade, esse dique também suportaria apenas alguns dias no período chuvoso, despejando mais lama e rejeitos nos rios. Isso porque são estruturas provisórias. O que dará segurança para a recuperação ambiental será finalizar as contenções definitivas”, alertou Marcelo Campos.

Como ficou a apuração  policial

Os dois inquéritos da Polícia Civil de Minas com as apurações criminais e ambientais relativas ao rompimento da Barragem
do Fundão estão parados.
O inquérito criminal, que pedia a prisão preventiva de sete acusados, foi suspenso por liminar em 1º de abril. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nefi Cordeiro encaminhou à juíza Marcela Oliveira Decat de Moura, de Mariana, decisão que suspendeu todos os processos e investigações criminais em trâmite na comarca. Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a juíza aguarda decisão de mérito do STJ, definindo se o caso deve ser julgado na esfera estadual ou federal. A competência definida valerá para os dois procedimentos.
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