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Estado de Minas

Moradores de Camargos são esquecidos depois de tragédia ambiental

Moradores do povoado denunciam não ter recebido compensações da Samarco, que nega. Comunidade perdeu ponte na Estrada Real e viu os negócios minguarem


postado em 02/05/2016 06:00 / atualizado em 02/05/2016 09:37

Estrutura que ligava comunidade a Bento Rodrigues pelo antigo caminho do ouro ainda não foi reconstruída, passado um semestre da catástrofe(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press )
Estrutura que ligava comunidade a Bento Rodrigues pelo antigo caminho do ouro ainda não foi reconstruída, passado um semestre da catástrofe (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press )

Barra Longa e Mariana –
Dos 5.660 cartões de auxílio ou indenizações pagas pela mineradora Samarco pela perda da atividade econômica devido ao impacto da avalanche de rejeitos que desceu da Barragem do Fundão, em Mariana, nada ainda chegou para ajudar os trabalhadores do povoado de Camargos. A tragédia, que neste dia 5 completa seis meses, arrastou uma ponte sobre o Rio Gualaxo do Norte, que fazia a ligação da comunidade com Bento Rodrigues. Foi o que bastou para quebrar a única pousada do local e o único restaurante que funcionava por lá. A ponte não estava em um local qualquer: era parte da Estrada Real e percurso tradicional de ciclistas, motociclistas, jipeiros e turistas, que tiveram de mudar de rota. Com isso, a pousada fechou e o restaurante montado pela comerciante Silvânia Aparecida de Souza Coelho, de 41 anos, não serve mais refeições. Um semestre depois da catástrofe, se os transtornos ainda são grandes para quem entrou nos programas de ajuda da empresa, são ainda piores para quem não os conseguiu.

O sustento da comerciante de Camargos e dos nove filhos que cria no local sossegado, a quase 18 quilômetros de Mariana, vinha do restaurante que ela montou na frente de sua casa. Além dos turistas, servia almoço e jantar para funcionários de uma empresa de reflorestamento, outra de levantamento de fauna e flora e estava negociando a prestação de serviço para uma terceira. O baque foi grande, justo quando o negócio prosperava. “No dia 6 (dia seguinte ao rompimento da barragem), as empresas já ligaram cancelando. Os ciclistas e motoqueiros que passavam pela Estrada Real também mudaram a rota e não comem mais aqui. Não justifica virem aqui, já que não tem mais ponte ligando a estrada”, disse Silvânia, que encontrou como única solução para sobreviver a atividade de faxina em residências na cidade de Mariana. “As empresas eram todas ligadas à Samarco e, com essa tragédia, acabaram ficando sem o serviço. Um grupo deles podia até ter perdido a vida, já que estavam fazendo pesquisas no meio do rio. A sorte é que tinham viajado no dia do desastre. Mesmo assim, se foram todas as pesquisas e equipamentos que estavam usando”, conta.

Para os desalojados de Bento Rodrigues, a indecisão sobre o local de reconstrução do povoado e a necessidade de morar na área urbana de Mariana por motivos de trabalho têm sido um tormento. “As pessoas de Mariana acham que a gente está se aproveitando da Samarco. Falam que se fosse uma enchente que tivesse destruído nossas casas, ia ser pior. Mas, se fosse uma enchente, a gente voltava e reconstruía, um ajudando o outro. Agora a Samarco tomou conta da nossa área. Se tivesse entregue o local sem lama, a solidariedade da nossa gente já tinha servido para levantar ao menos dois cômodos e banheiro para todo mundo”, disse a comerciante Sandra Dometirdes Quintão, de 43, que era dona de um bar ao lado da Capela de São Bento, em Bento Rodrigues.

Para ela e para a filha Ana Amélia Quintão Messias, de 3, as recordações da tragédia ainda estão vivas. “Estava na porta do meu bar recebendo uma encomenda e passou uma mulher de moto dizendo que a barragem tinha estourado. Tive tempo de tirar meu carro e de avisar minha irmã, que não acreditou. Achou que era poeira da mineradora. Foi muito rápido. Não tive tempo nem de recolher meus documentos. Quando estava no alto, pude ver minha casa, que tinha dois andares, rodopiando no meio da lama até sumir”, lembra. O pesadelo, para ela, agora é outro: “Acordo de manhã esperando estar em minha casa de Bento e vejo que estou em uma casa alugada no Centro de Mariana. Nunca tive em mente vir para cá. Tudo que conseguia usava para reformar e ampliar minha casa”, lamenta. Até que o novo Bento Rodrigues seja reconstruído em local que ainda será decidido pela maioria em votação, Sandra tenta conseguir da Samarco um ponto de comércio para abrir uma lanchonete. “Enquanto isso, vendo meus congelados numa barraca na feira”, disse.

Depois da lama, poeira e multa
Em Barra Longa, onde a lama que veio do Rio Gualaxo do Norte ingressou no Rio do Carmo e encobriu a área ribeirinha da cidade, 55% dos resíduos depositados foram removidos nestes seis meses. Devido ao tráfego intenso de máquinas pesadas e ao vento, boa parte da lama seca virou pó, que está tomando conta da cidade, fato que culminou em uma nova autuação do Ibama, lavrada sexta-feira, a 40ª feita pelo órgão ambiental federal contra a Samarco devido ao rompimento da barragem. Segundo a empresa, 58 casas foram reformadas na cidade e outras 11, que estão condenadas pela Defesa Civil, serão reconstruídas a partir de julho.

O tsunami de rejeitos destruiu a oficina mecânica e a casa da família de Andreza Ferreira Costa, de 27. “A Samarco disse que ia resolver tudo neste mês: pagaram alguns boletos e o prédio vai ser liberado, mas falta nos ajudarem com as ferramentas que foram perdidas. Meu marido teve de mudar o trabalho dele para a porta da casa do pai. Passamos por muitos transtornos”, conta. O comerciante Marco Antônio Ferreira Xavier, de 74, se diz ansioso para voltar ao prédio onde mora e mantém um salão de festas há 41 anos, na praça central de Barra Longa. “Estava sentado na porta do salão, quando começou a vir a lama devagar. Não acreditei que ia entrar no meu prédio. Tinha festas marcadas entre 7 de novembro e 2 de janeiro. Daí veio a enchente e levou tudo de mim. Fiquei sem as bebidas, aparelhagem de som, vasilhames. Mas acho que vão me pagar tudo de volta. É o que espero”, disse.

A ligação que ficou para trás 
A Samarco vinha informando ter reformado todas as pontes que foram destruídas pela onda de rejeitos, que seriam sete. Agora, reconhece que a ligação de Camargos não estava na lista. “A recuperação desta ponte não estava prevista para este momento, por razões de segurança, uma vez que ela não deixava nenhuma comunidade isolada, somente permitia o acesso à região de Bento Rodrigues – fechada a pedido das autoridades municipais – e ao distrito de Camargos, que tem outros acessos. A ponte será recuperada após estudos e entendimentos com o poder público de Mariana”, informou a empresa, por meio de nota.


O diretor de Projetos e Ecoeficência da mineradora, Maury de Souza Júnior, afirma que os auxílios estão sendo dados a todos os que se cadastraram e que há até casos de suspeitas de fraude nas inscrições, como já denunciou o EM, em 30 de dezembro, casos entregues ao Ministério Público. “Nosso primeiro desafio foi auxiliar os atingidos de forma que nenhuma pessoa passasse uma noite sequer em abrigos. Depois, conseguimos hotéis e casas alugadas para que quase 100% das pessoas conseguissem passar o Natal em família. Agora vamos reconstruir Bento Rodrigues em um terreno escolhido pelos atingidos”, disse.

Segundo o diretor, nenhuma decisão da Samarco é tomada sem reuniões com a comunidade afetada e com as autoridades, e de uma votação dos atingidos. “Se quisessem que nós limpássemos Bento Rodrigues para reconstruir lá a nova cidade, isso seria feito. Mas foi a maioria que decidiu a reconstrução em outro local.”

Além de um salário-mínimo acrescido de 20% para cada dependente e de uma cesta básica para cada família, a Samarco informa que concordou em adiantar R$ 20 mil a título de indenização aos atingidos e outros R$ 100 mil para quem perdeu parente no desastre. “Depois, nosso foco foi garantir que a água nas captações, feitas em 12 cidades diretamente no Rio Doce, fosse restabelecida. Posteriormente, ajudamos as várias pessoas que sobrevivem do rio, por seis meses – e esse prazo está sendo estendido, segundo acordo feito com os estados e a União”, disse.

 

 


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