Justiça orienta pais a não expor fotos de filhos na internet

Uso de imagens de crianças e adolescentes com conotação sexual na internet alerta para a necessidade de a família monitorar atividades e rever suas próprias práticas

Sandra Kiefer - Especial para o EM

- Foto: Quinho/Arte/EM

 Um alerta para parentes que, no intuito de compartilhar via internet momentos especiais de crianças e adolescentes, podem contribuir involuntariamente para expor filhos e familiares a ambientes nada saudáveis: entre as imagens encontradas em acervos aprendidos com pedófilos estão fotos de aparência inocente, que poderiam ter sido tiradas de álbuns das melhores famílias mineiras, como de crianças dormindo, usando roupas íntimas ou chupando pirulitos. Há ainda poses de adolescentes maquiadas em excesso, em roupas de aparência adulta. Várias delas foram postadas originalmente sem qualquer intenção maliciosa, muitas vezes por pais ou responsáveis, mas acabaram sendo copiadas e manipuladas para rechear arquivos do mercado bilionário de pornografia virtual envolvendo crianças, adolescentes e até bebês.

O alerta parte do promotor da Infância e da Juventude Casé Fortes, de Divinópolis, autor do livro Todos contra a pedofilia (Editora Arraes). “Há pessoas que costumam se expor mais do que deveriam e acham até natural publicar fotos dos filhos pequenos em poses duvidosas, que podem ganhar outra conotação na internet, quando vistas e copiadas por pedófilos”, alerta Casé, que incentiva os pais a instalar filtros de bloqueio em computadores e celulares, para não permitir que crianças visitem chats adultos nem sites de pornografia. “Papel de pai e mãe é o de limitar, mesmo”, resume.

“Ao proporcionar a falsa sensação de anonimato, a internet potencializa o grooming, como também é conhecido assédio sexual infantojuvenil pela internet”, revela. O especialista – que vai se apresentar em 6 e 7 de maio no Seminário de Formação para Pais e Educadores, organizado pela Paróquia Nossa Senhora Rainha, no Bairro Belvedere, Região Centro-Sul de Belo Horizonte – lembra que pedófilos não só trocam fotos e vídeos, como também passam a compartilhar experiências sobre como se relacionar com crianças e entrar em contato com elas.

E esse tipo de rede pode ser alimentado também de outras formas, menos inocentes. Em um episódio recente, um jovem de 19 anos, bem-apessoado, disparou dezenas de mensagens endereçadas a meninas de um colégio, desafiando as mais “gatas” a mandar fotos nuas. Retornaram ao pedido uma garota de 12 anos e outra de apenas 11.
Entusiasmado com o “troféu”, o rapaz diz ter compartilhado a última foto uma única vez. Foi o bastante. “Nunca mais as fotos dessa criança de 11 anos vão sumir da internet. Já foram parar na Rússia, no Japão e, no Brasil, no Rio Grande do Sul. A família teve notícias recentes, por que quem curtia a imagem levava de ‘brinde’ o telefone da casa da vítima”, alerta o promotor. E completa: “Pai e mãe têm de estar sempre junto do filho, checando com quem ele está andando ou falando ao celular”.

Casé Fortes foi técnico da comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Pedofilia, a mais longa da história do país (de 2008 a 2010) e também a única a aprovar um projeto de lei durante sua vigência, tornando crime a exploração sexual eletrônica, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na época, o senador Magno Malta chegou a mostrar aos parlamentares, no próprio notebook, farto material com cenas de crianças sendo expostas em poses pornográficas ou em práticas sexuais explícitas, amarradas e até imagens de estupro de bebês. “As pessoas que conhecem o trabalho contra a pedofilia costumam enviar fotos e relatos sobre esse assunto. Dou o encaminhamento do material e deleto o resto”, conta o promotor, esclarecendo que jamais se deve publicar este tipo de material, sob o risco incorrer em crime de pornografia infantil. O ideal é encaminhar diretamente à Polícia Federal (www.pf.gov.br).

CARTILHA DO ABUSO 
O que é grooming?
É o assédio sexual de crianças e adolescentes por meio da internet.

Quem são os abusadores?
Na maioria das vezes, são pessoas aparentemente normais e do círculo das vítimas, mas podem também ser desconhecidos, que abordam o alvo pessoal ou virtualmente, em redes sociais ou salas de bate-papo (chats).

Como agem?
Fazem-se passar por crianças e adolescentes, criam com a vítima um laço de amizade por meio do qual tentam marcar um encontro. Também há abusadores que pedem à vítima que  exponha o seu corpo diante de uma webcam e depois distribuem essas imagens pela rede, fazendo ameaças e chantagens.


É recomendável proibir o acesso das crianças à internet?
Não. A rede é indispensável hoje em dia e saber lidar com ela é importantíssimo para a educação. Entretanto, cabe aos pais e responsáveis verificar sites acessados por seus filhos, para que não sejam vítimas de crimes cibernéticos, assim como vigiar por onde os filhos andam, com quem e fazendo o quê.

Como perceber que crianças sofreram abuso sexual?
Elas se tornam retraídas, perdem a confiança no adulto, ficam aterrorizadas, deprimidas e confusas, sentem medo de ser castigadas e às vezes, até vontade de morrer.

Têm queda no rendimento escolar, perdem o amor-próprio e apresentam sexualidade não correspondente à idade.

Quais são os sinais físicos que indicam abuso sexual?
Os mais comuns são hematomas, lesões genitais, ganho ou perda de peso, indícios de incontinência urinário ou fecal, contágio por doenças sexualmente transmissíveis e sono perturbado (pesadelos e/ou agitação).

O que é a “lei do silêncio”?
A criança sempre tem muita dificuldade em falar sobre esse tipo de situação. Seu depoimento deve ser tomado com cautela e paciência, especialmente para que não represente mais um trauma. Também é importante ressaltar que a criança muitas vezes se exprime por meio de brinquedos ou desenhos.

O que fazer quando a criança ou adolescente disser que foi vítima de abuso sexual?
A primeira providência é apoiar a vítima, assim como levá-la a atendimento médico e psicológico o mais cedo possível. É importante estar disponível para ouvir a vítima, sem censurá-la, e incentivá-la a contar devagar o que se passou, mas sem muitas perguntas e sem culpá-la pelos acontecimentos. É importante oferecer proteção.

 

É CRIME!

Saiba que condutas relacionadas à pedofilia na internet passam a ser enquadradas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Artigo 240

Fotografar, dirigir, filmar, produzir ou reproduzir em redes sociais ou grupos de WhatsApp ou por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente, ainda que tenha o intuito inicial de alertar as outras pessoas. PENA: reclusão de quatro a oito anos e multa.


Artigo 241
Vender ou expor à venda por qualquer meio (inclusive internet e celular), vídeo ou foto de pornografia ou sexo explícito envolvendo criança ou adolescente. PENA: reclusão de quatro a oito anos e multa.

Artigo 241-A
Publicar, trocar ou divulgar, por qualquer meio (como internet e celular) vídeo ou foto de pornografia ou sexo explícito envolvendo criança ou adolescente, incluindo “nudes” feitos entre colegas de escola ou namorados.PENA: reclusão de três anos a seis anos, e multa.

Artigo 241-B
Ter em seu poder (no computador, pen-drive, grupos de WhatsApp, redes sociais ou em casa) foto, vídeo ou qualquer meio de registro contendo pornografia ou sexo explícito envolvendo criança ou adolescente. É característica do pedófilo guardar para si “troféus” ou imagens que estimulem sua preferência sexual.PENA: reclusão de um a quatro anos e multa.

Artigo 241-C
Produzir pornografia simulando a participação de criança ou adolescente, por meio de montagem, adulteração ou modificação de foto, vídeo ou outra forma de representação visual. Este tipo de pornografia é muito usada por pedófilos para seduzir uma criança durante a prática do chamado “grooming”, ou assédio sexual de crianças através da internet. PENA: reclusão de um a três anos e multa

Artigo 241-D
Aliciar, assediar, instigar ou constranger por qualquer meio de comunicação (como salas de chat ou e-mails), com o fim de com ela praticar ato libidinoso. PENA: reclusão de um a três anos e multa.

Fontes: Livro “Todos Contra a Pedofilia” e site www.todoscontraapedofilia.ning.com, de Casé Fortes



CNIL também faz recomendação aos pais


Em fevereiro deste ano, segundo a emissora britânica BBC, a polícia francesa lançou um alerta de prevenção, pedindo para os pais “preservarem seus filhos”. O motivo do comunicado foi a campanha “Orgulhosa de ser mamãe”, lançada na rede social Facebook e que viralizou na internet, encorajando que fossem divulgadas três fotos com a criança e que fossem indicados 10 amigos para fazer o mesmo.

Em vários casos, as pessoas publicam situações do dia a dia dos filhos, em casa, praticando atividades ou vestindo fantasias, além de vídeos. A Comissão Nacional de Informática e de Liberdades da França (CNIL) recomendou aos pais que limitassem ao máximo, nos parâmetros de confidencialidade das contas nas redes, o acesso do público em geral às fotos. O temor era de que o uso das imagens fosse desvirtuado.


Para Gislene Valadares, presidente da Associação Brasileira de Prevenção e Tratamento de Ofensas Sexuais, a melhor defesa é a educação sexual das crianças e jovens, seja pela mídia, por escolas ou pela relação de confiança desenvolvida dentro da família. “Não adianta proibir o uso do telefone celular, do tablet ou do computador, pois os jovens são peritos em driblar programas de proteção instalados nas máquinas”, explica a psiquiatra, que também coordena o Ambulatório de Famílias Incestuosas do Hospital das Clínicas da UFMG. “É bom lembrar que a grande maioria dos abusadores são pessoas da família e do círculo de confiança das crianças e adolescentes, dentro do ambiente doméstico. Não se deve instalar um clima de pânico na internet, assim como ninguém vai deixar de levar os filhos à pracinha ou ao parque por que podem ser alvos de pedófilos”, compara a psiquiatra, que, no entanto, avalia com cautela a publicação de fotos como a da troca de fraldas de bebês que exponham em excesso o corpo, por exemplo.

A recomendação da especialista é que, em vez de brigar contra as ferramentas eletrônicas, os familiares de crianças e adolescentes se aliem a elas com a ajuda da nova geração, que muitas vezes vai necessitar de um celular equipado para informar a localização da balada aos pais, para chamar o táxi ou para pedir ajuda. “A última palavra é sempre dos responsáveis, mas há aplicativos como o SaiPraLá, que mapeiam lugares onde existe mais assédio na cidade naquele momento ou onde estão obrigando meninas a beijar sem querer”, explica a médica. Criado por uma jovem paulistana de 17 anos no ano passado, o aplicativo pode ser baixado sem custo nos aparelhos celulares, permitindo que mulheres denunciem onde foram assediadas sexualmente e de que maneira (assédio verbal, mental, físico e outros). Apenas no primeiro dia, foram 4 mil acessos.

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