A primeira atividade na escola foi um sorteio entre os alunos, que dava a cada um uma nobre missão. Ao tirar o papel, eles assumiam o compromisso de ser o “anjo” do colega ali indicado e, assim, a obrigação de prestar atenção em cada passo e atitude dele.
“É preciso que eles entendam que a minha ação gera no outro uma sensação que pode ser boa ou ruim. Brincadeira é quando todos se divertem e são felizes. Se uma pessoa não gosta, não é mais brincadeira”, afirma a coordenadora de formação do 4º e do 5º ano do ensino fundamental do Colégio Magnum Nova Floresta, Carolina Fontana, idealizadora da iniciativa. Segundo ela, não há registros de casos de bullying na escola. “Trabalhamos na mediação de conflito entre os alunos para ele não se tornar algo mais sério”, diz.
Uma das atividades no Magnum, na Região Nordeste de BH, foi a palestra do policial federal Johnny Wilson Batista Guimarães, mestrando em processo penal. Com material da Safernet Brasil e sua experiência em campo, ele falou sobre o ciberbullying e o sexting (envio e compartilhamento de conteúdo erótico na rede mundial de computadores). Ele explica que, no primeiro caso, não necessariamente uma característica especial do adolescente, serve como ponto de partida para o achaque. Basta que a pessoa “caia nas graças dos outros” para o problema começar.
“Antes, isso ocorria em grupo reduzido.
O levantamento da Safernet mostra que o maior número de casos recebidos pelo serviço é relacionado a imagens de nudez e sexo compartilhadas sem consentimento (Nudes). Ano passado, foram 322 casos, um aumento de 43,75% em relação a 2014.
JUSTIÇA Na Polícia Civil, o titular da Delegacia de Combate aos Crimes Cibernéticos, Júlio Wilker, lembra que bullying é um termo genérico e ganha no código penal as devidas tipificações, como injúria, difamação, calúnia. Mas, mesmo atos não considerados crimes, como uma ofensa, podem ter a reparação buscada por meios judiciais na esfera cível. “Os crimes cometidos na internet e nas redes sociais têm aumentado muito, porque houve a popularização desses instrumentos. O mundo digital acaba sendo de fácil e livre acesso.
Anjos que ensinam
A menina Maria Antônia Nunes Resende Cota, de 10 anos, aluna do 4º ano do Colégio Magnum, não tinha proximidade com o colega Lucas Soares de Miranda Chaves, de 9. Mas foi o anjo dele durante alguns dias. E, ao revelar seu protegido, os colegas logo o identificaram quando ela mencionou algumas características, como “uma pessoa divertida e que faz piada toda hora na sala”. “Nunca falei muito com ele nem brincávamos juntos. Descobri alguém muito legal”, disse. Ele logo suspeitou que seu anjo era uma menina, por causa da grafia dos bilhetinhos gentis deixados em sua mesa: “Não a conhecia, mas acho que poderemos ser amigos agora”.
Estudante do 5º ano, Mariana Beatriz Lara e Souza, também de 10, já tinha lido sobre bullying no livro de português, porém confessa que aprendeu muito mais. Ela, que já foi chamada em outra escola de “rainha dos macacos”, por adorar comer banana todos os dias, conseguiu, enfim, ver a diferença: “Isso nunca me incomodou, mas agora tenho certeza que era uma brincadeira e não algo mais sério”. Para a novata do Magnum, ser anjo foi uma experiência e tanto: “Tirei um menino que eu não conhecia bem. Sou mais amiga dele depois disso”.
PRESAS FÁCEIS Gabriel Souza, da mesma idade, aluno do 4º ano, diz que o pai fica no pé para saber o que ele vê na internet e com quem conversa. “Na internet, as pessoas colocam coisas falsas, que podem ser bullying. Fazem isso por acharem que não há ninguém olhando as crianças, que podem ser presas fáceis”. O anjo de Gabriel foi um de seus melhores amigos. Ele, por sua vez, protegeu e prestou atenção num novato. “Comecei a conversar mais com ele. Isso foi muito profundo e uma grande descoberta.” (JO)
Enquanto isso...
… Lei não estabelece sanção
Sancionada no fim de 2015 e em vigor desde o início de fevereiro, a Lei Federal 13.185 estabelece o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o país. A nova norma caracteriza claramente as situações de agressão física, psicológica e moral que podem ser consideradas bullying e estabelece regras para definir casos de intimidação promovidos por meio da internet. Escolas terão que notificar as autoridades os casos de intimidações sistemáticas ocorridos no ambiente educacional, cabendo aos estados e municípios produzir relatórios bimestrais sobre essas ocorrências. A legislação abrange também clubes recreativos. Mas não estabelece punição aos agressores nem a quem deixar de cumprir a notificação. Já em Minas, está em andamento na Secretaria de Estado de Educação proposta de criação de um módulo dentro do Sistema Mineiro de Administração Educacional (Simade) para o registro dos casos de violência pelas escolas, inclusive do bullying, por meio do qual poderá ser feito o monitoramento e acompanhamento das instituições de ensino. .