MÃES GUERREIRAS

Veja história de mães que enfrentam e superam dificuldades para salvar a vida de seus filhos

Diante do sofrimento do filho, mães viram guerreiras e enfrentam tudo. Assim, sem desanimar, Simone do Espírito Santo corre contra o tempo para arrecadar US$ 225 mil e tratar nos EUA a leucemia de Romerinho, em novo capítulo da luta que vem sendo travada há nove anos.

Sandra Kiefer
Simone se dedica inteiramente à luta pelo filho Romerinho, que tem leucemia e precisa se tratar nos EUA - Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press
Para uma categoria singular de mulheres, deixa de ser verdade a afirmativa, tão dita e rebatida, de que “mãe só tem uma”.
Mentira. Elas somam mais que uma, desafiando a matemática e a razão. Puro instinto, podem se desdobrar em cuidadoras, formar-se enfermeiras, esticar sessões de fisioterapia por conta própria ou desacreditar do diagnóstico dos médicos e da certeza dos advogados. Diante da necessidade especial de um filho doente, descobrem dentro de si uma força que nem elas desconfiavam ter, dispostas a cumprir plantões infinitos. Guerreiras, passam na frente dos próprios limites, caso de Simone Silva do Espírito Santo, de 48 anos, mãe do estudante Romero do Espírito Santo, de 16, conhecido entre amigos como Romerinho.

Mãe e filho estão correndo contra o tempo na tentativa de arrecadar 225 mil dólares até sexta-feira, única maneira de embarcar o adolescente (foi negada a liminar para custear a cirurgia na Justiça Federal) para participar de pesquisa clínica contra a leucemia na cidade de Duarte, na Califórnia, nos EUA. A batalha contra o câncer começou há nove anos. “Na primeira recidiva depois do transplante de medula, Romerinho sentiu uma forte dor de cabeça.
Neste ano, bastou ele reclamar de uma pontada e já fiquei louca”, diz a mãe, que adivinhou a volta da doença do filho antes de sair o resultado dos exames.

“Que foi, meu filho? Cadê o sorrisão?”, cobra Simone, grande responsável por manter estável o astral da família, mobilizada na campanha #somostodosromerinho, que até ontem havia arrecadado perto de 60% do total. “Só quem é mãe sabe a dor de ver um filho sofrendo. Neste Dia das Mães, venho pedir a ajuda de todas as mães deste imenso Brasil para salvar a vida do Romerinho”, diz Simone. Com calma, ela grava o vídeo caseiro para o Facebook, ao mesmo tempo em que decide trancar as matrículas das crianças na escola e investiga o valor do aluguel no exterior (R$ 6 mil mensais o apartamento mobiliado). Já está tudo pronto para a partida. “Minha mãe é tudo para mim, ela é a minha rainha”, declara o filho, emocionado.


CORAGEM
“Não existem mães mais guerreiras”, define a psicopedagoga Cristina Silveira, especialista em inclusão social, lembrando que essas mulheres nem sempre nascem prontas para cuidar de seus filhos doentes ou portadores de necessidades especiais. “Durante a gestação, elas esperam o filho idealizado. Depois do parto, vem a fase da negação, em seguida o luto, até acontecer a aceitação da criança especial”, conta a terapeuta, que percebe a transformação ocorrendo dentro do consultório. “A mãe guerreira nasce da necessidade. Ela descobre que depende dela exclusivamente assumir o filho. Na maioria dos casos, quando o fardo é pesado demais, ocorre o abandono afetivo do pai e mesmo do restante da família.”

Vitória da persistência

Matheus e sua mãe estabeleceram uma relação de cumplicidade e alegria que proporciona ao menino enfrentar as limitações que a doença lhe impõe - Foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press
“Vamos para o shopping, mãe?”, convida Matheus de Oliveira, de 7 anos, com naturalidade, quando começa a anoitecer em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde mora com a mãe. Graças ao jogo de cintura de Gecilene de Oliveira, de 37 anos, auxiliar de enfermagem, o garotinho não parece se dar conta de que está ligado por fios a uma UTI domiciliar e que já perdeu boa parte da visão, possíveis consequências de uma displasia neuronal intestinal que o impede de se alimentar pela boca. “Levo o Matheus a todos os lugares, o máximo que posso.
Vamos ao shopping e peço batata frita e hambúrguer para ele, que não vai se sentir discriminado por não poder comer. Não vai mesmo”, desabafa a mãe, com os olhos cheios de água.

É a única vez em que essa fortaleza chamada Gecilene, de longos cabelos louros e rosto de boneca, irá desabar durante a entrevista ao Estado de Minas. Ela chama a equipe a um canto do modesto apartamento, longe de Matheusinho. Então mostra, como se fosse um tesouro, o conjunto formado pelas frutas de plástico, batatas fritas fakes e outros alimentos de brinquedo que o garoto costuma mastigar escondido. É a forma que os dois encontraram para enganar psicologicamente a fome, já que o menino recebe a nutrição parenteral por sonda. “Veja as pontinhas todas mordidas, até a maçã”, explica a mãe, com o coração sufocado.

Alheio à conversa, Matheus está neste momento entretido com o berimbau. Fanático pelo Cruzeiro, tenta apoiar a ponta do instrumento no chinelinho azul e branco, com o escudo do time. A mãe oferece ajuda, mas ele insiste em se virar sozinho: “Deixa, mãe! Quero ser profissional”. “Matheus é atrevido! Ele vive dizendo que papai do céu escolheu a mãe certinha para ele, porque ele é um filho doidão e eu sou uma mãe doidona. Ele sabe que, apesar de todas as restrições dele, a gente vai conseguindo levar a vida.
Vai aos lugares, brinca e fala palhaçada”, conta Gecilene, que segue licenciada como funcionária do Hospital das Clínicas.

Desde o nascimento do filho, Gecilene perdeu a conta do número de vezes em que Matheus foi internado e operado para tratar das infecções no intestino e rins, além de operar a catarata congênita e o descolamento de retina nos dois olhos. “Guardo só as datas das cirurgias mais importantes”, explica a mãe, que, inicialmente, havia sido prevenida de que Matheus usaria a bolsa de colostomia até os 2 anos. Nesta idade, o menino chegou a prescindir da bolsa, mas era submetido a lavagem intestinal duas vezes ao dia, sob a supervisão direta de Gecilene, experiente como auxiliar de enfermagem.

MANOBRAS DIVERTIDAS
Na época, a mãe encantou os médicos ao inventar manobras divertidas para estimular Matheus, o que incluía abaixar e pegar bichinhos no chão, contar histórias sem fim e levar livros coloridos para o banheiro. “Todos os dias, é a mesma rotina de levar Matheus ao banheiro de três em três horas. Ele não tem as terminações nervosas para orientar essas funções, mas hoje divide parte da responsabilidade e conta com a ajuda da cachorrinha Nina. Ela já sabe a hora certa e fica lá sentadinha no colo do Matheus, até acabar”, conta a mãe.

Com o mesmo tom de voz com que pede para ir ao centro de compras, a um quarteirão de casa, Matheus implora para ir a Miami, nos Estados Unidos, onde fará o transplante de intestino no Jackson Memorial Medical Center, com o médico brasileiro Rodrigo Vianna, que obteve 85% de sucesso nas últimas cirurgias feitas em seus compatriotas. Em 30 de abril, a União acatou a decisão do juiz federal Daniel Carneiro Machado, que mandou tomar todas as providências para fazer a viagem, incluindo os custos com a passagem e o pagamento do hospital. No dia 12 já está marcada a viagem a Brasília para tirar o visto na embaixada norte-americana.

O caso de Matheus ganhou notoriedade em outubro, quando ele entrou em campo com os jogadores do Cruzeiro na partida contra o Fluminense pelo Campeonato Brasileiro. Com o Mineirão lotado, ele teve o nome gritado pelos torcedores celestes. Vários jogadores, dirigentes, personalidades de diversas áreas e pessoas comuns abraçaram a causa e fizeram doações para a campanha “Juntos pelo Matheus”. Essa ação chegou a arrecadar cerca de R$ 700 mil, que serão utilizados exclusivamente para a melhoria da qualidade de vida do menino. A família precisa prestar contas de todos os saques à Justiça.

Alegria igual talvez esteja para acontecer quando Matheus seguir para uma vida nova pós-transplante. “Em 2014, ficamos internados por um ano no hospital. Eu via as mães passeando com os filhos na pracinha, na piscina e sonhava com o dia em que meu filho também teria uma vida normal, sem fios”, suspira Gecilene, sem nunca perder a esperança.

"Minha filha me escolheu"

“Sou fisioterapeuta e enfermeira e sinto que fui escolhida pela Clarinha. Premiada mesmo”, confessa Ana Cláudia de Araújo Ferreira, de 43 anos, moradora do terceiro andar do Bloco A de um condomínio no Bairro Silveira, Região Nordeste de Belo Horizonte. Depois de subir 48 degraus com Clarinha no colo, Ana Cláudia nem se lembra de reclamar cansaço ou dor nas costas. Está disposta a mostrar o raio-X das pernas da filha, que exibe um ângulo de 90 graus nos ossos, efeito de uma pseudoartrose congênita das tíbias.

Ana Cláudia e Clarinha, que precisa de cirurgia para corrigir doença congênita - Foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press

Agora, aos 6 anos, a menina precisa de uma cirurgia corretiva ao custo de 121,1 mil dólares no Institute Paley, em West Palm Beach, na Flórida, EUA. “Quero operar minha filha como o doutor Dror Paley, autor da técnica pioneira de correção da pseudoartrose congênita das tíbias no mundo, que de 2007 para cá operou todos os casos, com 100% de sucesso”, diz.

“Sei que todas as mães abrem mão de comprar um sapato por um brinquedo, de ver uma novela para assistir ao desenho preferido do filho ou deixam de sair com o marido à noite para ir a um restaurante que já tenha espaço kids. Nossa missão é um pouco maior, porque a gente abre mão de trabalhar fora e cria outra rotina em função dos filhos, que precisam de um cuidado maior, de proteção”, explica Ana Cláudia. No primeiro ano de vida de Clara, a mãe se viu fazendo “toda hora” exercícios de fisioterapia no rostinho da menina, estendendo as consultas da pessoa que assinou como responsável pelo tratamento da paralisia facial. “Optei por não assumir a responsabilidade porque iria me cobrar demais se não tivesse sucesso. Não dei conta”, diz ela, que nem se incomoda com o sorriso meio de lado da filha. Desde que Clarinha consiga os recursos para sua cirurgia corretiva e tenha motivos para continuar alegre e feliz.

Gabrielle tem a mesma doença de Matheus e só pode ser operada fora do país - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 18/3/16ISOLAMENTO Desde o segundo dia de nascida, a menina Gabrielle Vitória vive em regime de isolamento no Hospital São Camilo, em Belo Horizonte. Portadora da síndrome do intestino curto, espera o cumprimento de decisão judicial para fazer cirurgia idêntica à de Matheus, com valor milionário e tecnologia desenvolvida nos EUA. Com o vestido cor-de- rosa e a cintura marcada por um cinto, que custa a disfarçar as dobrinhas, Gabi mostra que está pronta para a operação. Já atingiu 8,175 quilos, ultrapassando o peso mínimo necessário para a cirurgia, apesar de só se alimentar pela sonda.

Depois de oito meses de internação, na semana passada Gabi ganhou autorização para tomar banhos de sol no parquinho do São Camilo. “Ela está odiando a claridade”, brinca a mãe, Nayara Alves Silva Rodrigues, de 28, que não arreda pé do leito da filha. Passa o dia inteiro ao lado da criança, que estranha quando a mãe deixa de ir ao hospital durante o dia (à noite, os familiares se revezam para dormir). “Deixei a Gabi com minha mãe e ela só se acalmou quando ouviu minha voz no celular”, conta Nayara, que ganhou de presente no Dia das Mães uma tarde de “folga”, além de um telefone novo para registrar os melhores momentos, publicados na campanha #movidospelagabi. O pai, Bruno, foi demitido do emprego.



Como ajudar


#juntospelomatheus


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Movidos pela Gabi

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Os passos de Clarinha

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• Beneficiária: Ana Clara de Araújo Simões
• CPF: 137.658.676-24.