A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) vai nortear a educação brasileira. Indutora dos currículos das redes estadual, municipal e particular, ela propõe mudanças de conteúdo e de estrutura. Sem tirar a autonomia de estados e municípios na elaboração de suas grades de ensino, determina o mínimo que todos os estudantes deverão aprender. Chega para detalhar os objetivos de aprendizagem, por área de conhecimento e por disciplinas mais interessantes de indução curricular. “Esse é o grande ganho. O segundo é a equalização, a garantia de direito de educação de qualidade para todo jovem do sistema de ensino. A Base é um dos caminhos para reduzir a desigualdade, o que o Brasil nunca conseguiu fazer”, afirma o gerente de Conteúdo do movimento Todos pela Educação, Ricardo Falzetta.
Na comparação com a primeira versão, as mudanças mais significativas feitas pela equipe de 116 redatores do MEC foram nas áreas de educação infantil, ensino médio, língua portuguesa e história. A relação entre o ensino para os pequenos e a alfabetização ficou mais bem explicitada, assim como as faixas etárias relativas a essa modalidade, que na primeira versão não apareciam. Foram criadas três faixas etárias para dividir os objetivos de aprendizagem: até 1 ano e 6 meses; de 1 ano e 6 meses a 4 anos; e de 4 a 6 anos.
O ensino médio, por sua vez, ganha, de acordo com o texto, mais flexibilidade para a construção dos currículos. Há também mais articulação com o ensino técnico-profissionalizante, a partir das quatro áreas temáticas incluídas nessa fase da educação básica. Em língua portuguesa, a influência dos clássicos lusitanos foi reforçada, mas o destaque para os autores brasileiros continua. História traz uma reorganização dos temas e corrige um problema bastante criticado no ano passado: prioridade a matérias relacionadas à Ameríndia, com foco nos povos africanos e indígenas, em detrimento da história ocidental. Foi dado mais destaque a esse último tópico.
LONGA JORNADA O processo foi longo. Foram meses de debate e mais de 12 milhões de contribuições no portal da Base. O texto contou ainda com mais de 700 reuniões de discussão e com a participação de 200 mil professores e 45 mil escolas. Como saldo, as opiniões corroboraram a melhora do documento em relação à primeira versão, alvo de muitas críticas. “Está próximo do ideal. Nunca se chegará a um currículo perfeito, sempre precisará ser revisto, mas mostrou uma intenção de melhoria, com muitas perguntas e críticas contornadas e resolvidas”, afirma Ricardo Falzetta, do Todos pela Educação.
Sobre as consequências em relação à instabilidade política que o país enfrenta, ele não vê riscos de que a discussões sejam paralisadas: “Tudo está sendo construído de forma democrática, pela sociedade e pelas associações que a representam”.
Mas Falzetta cobra um parecer que indique o tempo e o melhor caminho para as mudanças nos livros didáticos e para a adaptação das escolas. Segundo ele, é preciso considerar a Base dentro de um sistema nacional de educação, já que as redes a terão como referência para formular seus currículos. O gerente acredita que o impacto maior será sobre os professores que estão na ativa, sem contar questões da própria organização das escolas, considerando que se está dando margem para uma flexibilização maior do ensino médio. “A base não é currículo, mas indutora dele. Há um tempo de adequação, mas, por outro lado, não temos tempo a perder, pois já estamos devendo há muitos anos.”
Repercussões vão até o Enem
Qualquer estudante, em qualquer série, em qualquer escola do Brasil precisa de um objetivo e um direito-base de aprendizagem. As palavras do ministro da Educação, Aloízio Mercadante, mostram o que a Base Nacional Comum Curricular precisa assegurar. Ele ressaltou que, a médio e longo prazos, a iniciativa vai deflagrar na educação brasileira “um processo muito rico de aprimoramento na formação dos professores, de aprimoramento na produção do livro didático e nas avaliações do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), desde a Avaliação Nacional da Alfabetização, a Prova Brasil, o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) até o próprio Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)”. “Tudo isso será revisitado a partir da BNCC.”
Diretora da Escola Estadual Pedro II, na Região Hospitalar de Belo Horizonte, Cristiane Michelle Justi acredita que o impacto das adaptações nas instituições ligadas ao governo do estado será menor. Isso porque a rede trabalha desde o início dos anos 2000 com o Currículo de Base Comum (CBC), que propõe eixos temáticos com suas respectivas competências e habilidades, bem próximo ao que é proposto na matriz de referência do Enem. “O que me preocupa é se as editoras estarão afinadas com essas mudanças, pois elas alteram a sequência didática dos conteúdos. Matéria que é trabalhada no 3º ano do ensino médio, por exemplo, passaria a ser no 1º”, diz. Ela explica que outra novidade é o casamento das áreas do conhecimento, com uma abordagem mais interdisciplinar.
A educadora considera que atualmente há um excesso de conteúdo, que nem sempre é aplicado ao cotidiano do aluno, servindo apenas para cumprir currículo. Cristiane espera que a Base permita aulas e formação de melhor qualidade aos estudantes. “A história que estudei, por exemplo, não é a mesma dos meninos de hoje. Antes, começávamos com Mesopotâmia, para depois iniciarmos a história das colonizações. A ideia agora é começar com a África. É uma nova perspectiva, pois, antes, nossa história era estudada a partir da Europa. Assim, há uma mudança crucial até da nossa filosofia como povo.”
Boletim
O QUE É
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) deve deixar claros os conhecimentos essenciais aos quais todos os estudantes brasileiros têm direito durante a trajetória, ano a ano, do ensino infantil até o fim do nível médio. Com ela, escolas e professores terão um instrumento de gestão pedagógica e as famílias poderão participar e acompanhar mais de perto a vida escolar de seus filhos.
QUEM AFETA
A Base será mais uma ferramenta que vai ajudar a orientar a construção do currículo das mais de 190 mil escolas de educação básica do país, de Norte a Sul, públicas ou particulares.
PRINCIPAIS MUDANÇAS
Inclusão de quatro áreas do conhecimento: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza
Ensino infantil
Foram criadas três faixas etárias para dividir os objetivos de aprendizagem: até um 1 ano e 6 meses; de 1 ano e 6 meses a 4 anos; de 4 a 6 anos.
Ensino médio
Mais flexibilidade para a construção dos currículos.
Inclusão de uma quinta área, a técnico-profissionalizante, que poderá ser seguida desde o início do nível médio
Língua portuguesa
Reforçada a influência dos clássicos lusitanos
História
Estudos dos povos africanos e indígenas, sem deixar de lado a história ocidental