Incêndio expõe necessidade de reforma nos prédios centenários da Santa Casa

Maior hospital do país em atendimento ao SUS luta contra um déficit crônico de R$ 3 milhões mensais

Sandra Kiefer
O médico Porfírio Andrade observa o que restou da área atingida pelas chamas de um dos anexos da Santa Casa - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS
Onze dias depois do incêndio que queimou R$ 4 milhões em equipamentos cirúrgicos de ponta e destruiu um dos 13 anexos do maior hospital do país em atendimento ao Sistema Único de Saúde (SUS), com 1.043 leitos ativos, sendo 170 da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a Santa Casa de Belo Horizonte pede misericórdia. A palavra feminina, que compõe o nome do grupo desde a sua fundação há 117 anos (apenas dois após o marco da implantação da própria capital), alerta para a necessidade de se reformar os outros prédios centenários que compõem o complexo hospitalar, com instalações elétricas antigas e crônicos problemas financeiros, com déficit calculado em R$ 3 milhões mensais.

Calcula-se que, só para se lançar, na cara e na coragem, a um projeto elaborado pela Cemig de troca das fiações elétricas em todo o complexo hospitalar seria preciso uma nova injeção de recursos entre R$ 6 milhões a R$ 8 milhões. Os números serão apresentados oficialmente em rodada de negociação marcada para esta semana com a diretoria da entidade. Para Minas Gerais, a Santa Casa de Misericórdia é vital. Socorre nada menos de um em cada cinco pacientes de BH e perto de 40% dos doentes encaminhados de 570 municípios mineiros, em geral casos raros e de alta complexidade.

“As pessoas precisam conhecer o trabalho da Santa Casa, que na verdade é como uma casa de mãe, que acolhe a todos os miseráveis, sem discriminar seus filhos. Aqui são atendidos os pacientes que ninguém quer”, afirma a pediatra Filomena Camilo do Vale, que há 25 anos corre os leitos da UTI pediátrica da Santa Casa com a mesma dedicação do seu consultório particular. Filó, como é conhecida, levou as imagens do incêndio para pedir doações na igreja do Belvedere, na Zona Sul, onde coordena um grupo de orações.

As reformas de emergência poderiam evitar o curto-circuito de um ventilador, fato que provavelmente ocorreu, segundo antecipou-se ao laudo dos bombeiros o superintendente-geral da instituição, Porfírio Andrade, que garantiu à reportagem do Estado de Minas acesso exclusivo ao anexo do prédio da engenharia médica e depósito de materiais, inteiramente arrasado pelo incêndio, que, felizmente, não deixou vítimas. “A Santa Casa não pode pegar fogo.
Mesmo que se esvaziassem duas ou três UTIs de hospitais particulares de BH, não caberiam todos os nossos 170 pacientes graves do SUS”, compara o médico. Ele chega a se ajoelhar diante de uma mesa de cirurgia inutilizada pelas chamas, ao custo médio de R$ 100 mil. “Estava novinha. Faltava só uma peça que estava para consertar no torno e ironicamente chegou hoje (na última quinta-feira)”, lamenta.


Dor e solidariedade foram os sentimentos que se elevaram para além das chamas que atingiram até 2,5 metros na noite daquela quarta-feira, por volta das 19h, horário da troca do plantão de parte dos 4,5 mil funcionários. As labaredas foram controladas em duas horas. “Até os pacientes que podiam andar saíram das camas para ver o fogo. Depois que a gente percebeu que a situação estava relativamente tranquila e que os bombeiros agiam com rapidez, voltamos ao trabalho”, informou a médica gastroenterologista Juliana Fantini, que acabava de chegar para o plantão da noite.

Na era da internet, as imagens do fogaréu na Santa Casa repercutiram entre as mais de 15 mil pessoas que circulam diariamente nos prédios, que pareciam não acreditar no que viam nos parapeitos das janelas do alto do prédio principal de 13 andares, onde ficam alojados 100% dos pacientes e que se encontrava a uma distância de 30 metros do fogo, fora de perigo de ser atingido pelas chamas. “Meu filho continuou sossegado, quietinho na cama. Só fechei a janela para não entrar fumaça”, explicou a moradora de Itamarandiba, da Região Norte de Minas, Gleiciane Aparecida, de 28 anos, que está há cinco meses acompanhando o filho de 6, internado para tratamento de quimioterapia. Segundo a mãe, mais difícil do que explicar a situação no local para o filho doente foi tranquilizar a família no interior, apavorada ao ficar sabendo do incêndio pelos portais da internet. “Mandei mensagens quase a noite inteira no celular para mostrar que não havia risco, até eles se acalmarem. Enviei até a foto de quando o fogo se apagou”, contou a atendente de loja, achando graça na situação.

Campanha


Desde a segunda-feira seguinte ao incêndio, a Santa Casa de Misericórdia lançou a campanha maciça “Momento de dificuldade, momento de superação”, com a divulgação do telefone da Central de Doações (31) 3274-7377. Este tipo de apelo é comum nas entidades filantrópicas, como o Hospital da Baleia e o Hospital Mário Penna, que sobrevivem com a ajuda de doações.

Cidade hospitalar
Raio-X da Santa Casa de BH

15 mil pessoas
circulam diariamente pelas unidades do Grupo Santa Casa BH.

O grupo
1 - Funerária
2 - Instituto de Ensino e Pesquisa
3 - Instituto Geriátrico Afonso Pena
4 - Centro de Especialidades Médicas
5 - Santa Casa BH
6 - Hospital São Lucas


5 mil
funcionários

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Localizada no quarteirão circundado pela Avenida Francisco Sales, ruas Ceará, Álvares Maciel e Piauí, na Região Hospitalar da Capital, o maior complexo hospitalar de Minas Gerais ocupa um terreno de 20.784 metros quadrados com cerca de 52.526 metros quadrados de construção.

. Além do prédio principal, construído na década de 1940, há outros 12 anexos que abrigam setores administrativos e de apoio ao hospital, além de equipamentos como o Hospital São Lucas e a Central de Especialidades Médicas (CEM).

. Mais de 1,9 milhão de atendimentos ambulatoriais realizados por ano (consultas, exames, procedimentos ambulatoriais, sessões de quimioterapia, radioterapia e hemodiálise).

. O número de partos de alto risco realizados pela Santa Casa BH corresponde a 38% dos partos realizados pela maternidade.

. Especialidades: 35
. Número de leitos: 1.043
. Salas cirúrgicas: 19
. Leitos de UTI: 170
. Internações por dia: 95
. Admissões na UTI por dia: 23
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Munícipios atendidos: 570
. Cirurgias: 2.313 média/mês
. Procedimentos: 12.207 média/mês
. Partos: 326 média/mês
. O déficit da instituição é de R$ 3 milhões mensais
. A conta de luz mensal gira em torno de R$ 194 mil.