A comunidade do vogue acolhe quem chega, sem restrição de idade, tipo físico e classe social. Na pista, todos podem, literalmente, se jogar no dip, movimento em que o corpo gira no próprio eixo, levando as costas ao chão, enquanto uma das pernas se ergue no ar.
A dança ganha seguidores, contribui para a afirmação de grupos sociais excluídos e conquista jovens de classe média da cidade. Foram abertas classes para aulas, com a adesão de mulheres de todas as idades, como é o caso da decoradora Cássia Rodrigues Sigaud, de 53. “A dança exige muita coordenação e tem que ter muita agilidade e me faz mexer com os neurônios”, brinca. Os movimentos também dominam festas em espaços de ocupação da juventude, como o Viaduto Santa Tereza, e alternativos, como a Gruta, no Horto, e Benfeitoria, na Rua Sapucaí, na Floresta. Seguem dois formatos: as jams, termo emprestado do jazz para designar as apresentações livres e improvisadas, quando todos podem se arriscar, e os duelos, quando ocorrem as disputas.
Diante da expansão da cultura, a jornalista Danielle Pinto criou o site BH is voguing para falar da história da dança. “O primeiro marco para o surgimento são as cadeias americanas nos anos 1940, entre os gays. A revista que permitida era a Vogue. Gays e trans usavam aquelas poses das modelos, imitavam aquele jeito, aquela sensação que elas passavam. Mais tarde, entre 1970 e 1980, esse repertório foi para rua, as periferias de Nova York, o Harlem, principalmente”, lembra.
Enquanto as jams são informais, os duelos são o momento de investir no vestuário e maquiagem. Um dos mais importantes da cidade é a Dengue, festa da diversidade em que os amantes da cultura vogue se apresentam. Se os movimentos são poses, a moldura é formada pelo público que acompanhar os duelos onde os dançarinos performam.
É vestido com meia-calça e blusa do tipo arrastão, cinto largo, capacete, salto agulha de 15 centímetros e barba cerrada que o ator Guilherme Augusto disputa. “Essa é a minha caracterização para duelar. Nunca me imaginei vestir desse jeito. Gosto de mistura. A barba remete ao masculino, enquanto o salto e a meia-calça arrastão, ao feminino. As pessoas ficam em dúvida e perguntam o que eu sou. Sou a Bala Perdida”, diz.
Lázaro diz que, na Dengue, não enfrenta os olhares de reprovação que recebe quando anda pelas ruas da capital. “Sei quando me olham com aprovação e quando com repúdio. Não estou nem aí para quem está me olhando e me julgando. Tenho o direito de vestir a minha saia, passar meu batom e usar meu rímel. Sou um transgressor da imagem.”
Danielle e Paula Zaidan, de 23, bailarina e integrante do Lipstick, explicam que o vogue é mais do que uma dança, se transformou num estilo de vida. Paula lembra que tem alunos com idades que vão de 15 a 60 anos. “Muito legal ver pessoas com mais de 50 anos que sabem das limitações, mas não deixam de sentir que dançam vogue.” Nas jams, tanto a estudante Mariana Serrano, de 16, quanto a advogada Rafaela Viana, de 30, e o cenógrafo Ricardo Bizafra, de 31, não têm medo de se arriscarem. “Vim para cá para escapar do mundo corporativo engessado e quadrado”, diz Rafaela, que no trabalho tem responsabilidades contábeis e jurídicas. Para Bizafra, o vogue o possibilitou dançar, o que era uma vontade antiga. Ele ainda garante que não se sente desconfortável com o gestual que remete, ao observador mais conservador, ao universo feminino..