“Defender quem faz isso com uma adolescente desacordada é ser estuprador também. As pessoas não têm o direito de culpar alguém que não deu consentimento”, revolta-se a jovem J.A., de 21 anos, referindo-se à menina do Rio, de 16, que apareceu desmaiada, seminua, em vídeos divulgados na internet por alguns de seus 33 estupradores, que se vangloriavam do ato nos filmes. Ela sabe bem o que está dizendo. Durante a vida inteira, a estudante escondeu de si mesma e da família de que foi seguidamente violentada por um tio, desde os 4 anos até por volta de 14. “Vivi no silêncio, carregando uma culpa que não era minha”, conta a moça, até que, ano passado, entrou em depressão grave, com tendência suicida.
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“Ser mulher não é fácil. Minha impressão é de que a gente não é dona do próprio corpo, de que nossa cultura foi constituída da maneira em que a mulher foi criada para servir”, compara a integrante do coletivo feminino, que já reúne mais de 50 mulheres presencialmente e mais de 1,5 mil em um clube aberto no Facebook. “Somos chamadas de radicais, mas aos poucos vamos conseguindo uma abertura maior, até entre professores. A própria existência do coletivo inibe muita coisa no câmpus”, diz J.A., lembrando o estupro coletivo registrado na UFMG.
A doutoranda em ciência política Clarisse Goulard Paradis defende que a cultura do estupro é disseminada na sociedade. “É a estratégia patriarcal de controle do corpo da mulher. Existe uma classificação da mulher santa e da puta. A mulher é vista como coisa, objeto e não como sujeito”, diz. Para a doutoranda, que empreende pesquisa sobre o feminismo, há uma ideia de que o corpo da mulher é de propriedade pública. Muitas vezes, os homens que cometem violência sexual são vistos como loucos, mas Clarisse alerta que o estupro é uma prática recorrente, é algo estrutural.