Famílias de crianças especiais ganham ensaio fotográfico em BH

Fotos registraram momentos de afeto e carinho entre mães e filhos, e também a realidade das próteses, muletas e cadeiras de roda

Sandra Kiefer
Samuel Martins, de 6 anos, nasceu com paralisia cerebral e depende de uma cadeira de rodas e dos cuidados do pai, Naldo, da mãe Gleiciene e o irmão, Alexandre Ferreira - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press
O domingo no Parque das Mangabeiras, na região Sul de Belo Horizonte, foi mais especial. Quem foi passear lá, pela manhã, estranhou o ambiente. No lugar das sessões fotográficas de costume – que incluem noivas fantasiadas de branco e grávidas exibindo o ventre, orgulhosas – entraram 25 modelos deficientes, levando consigo inseparáveis próteses, muletas e cadeiras de roda. Eles, que quase nunca são fotografados espontaneamente, apesar de atrair olhares aonde passam (por fugir ao padrão estabelecido de beleza), tornaram-se espécie de celebridades com o projeto Tesouro Revelado.

Circulando pelo parque, as crianças e adolescentes da Associação Mineira de Reabilitação (AMR), de menor poder aquisitivo, ganharam um book da escola de fotografia Metrópole. Voluntários, os fotógrafos registraram momentos memoráveis de afeto e carinho entre mães e filhos. Em resumo, a ideia era flagrar o amor incondicional, que quase nunca aparece. “Na hora de convidar nossos modelos, enfrentamos resistências das mães, que admitiam fazer fotos apenas dos filhos, lindos e bem cuidados. Já elas resistiam a aparecer”, explica o assessor de marketing da AMR, Samuel Henrique da Costa, um dos idealizadores do trabalho, que dará origem a uma exposição de fotos entre 25 de junho e 10 de julho na Metrópole.

Para incentivar a participação das mães guerreiras, Costa contratou uma maquiadora, encarregada de disfarçar olheiras e pequenas imperfeições na pele.
“Nunca tinha atendido a um público feminino assim, tão desapegado. Essas mulheres só têm tempo para os filhos. Uma delas me emocionou, pois disse que não conseguia nem passar batom, o básico para uma mulher. Sua última maquiagem tinha sido na cerimônia do casamento. Depois que terminei de arrumá-la e mostrei no espelho, ela insistiu para eu passar um corretivo no rosto do filho que, segundo ela, tinha uma manchinha no queixo. Não vi nada, mas fiz assim mesmo”, contou a consultora de beleza Rita Ratis, encantada com o projeto.

SAMUEL (foto acima)
Na entrada do parque, perto das pedras soltas, era difícil deixar de perceber os balões coloridos levados na mão pelo cadeirante Samuel Martins, de 6 anos. Acontece que o garoto chamava ainda mais atenção, devido a sua paixão pelas bolas de gás. Quando a bexiga estourava, Samuel ria, ria e ria, incentivado pelo pai, o pedreiro Mauro Matias Ferreira, que brincava feito criança. “Que risada linda!”, elogiava a estudante de fotografia Gabriela Damasceno, disparando a câmera. “Amo demais meu filho, que me faz ser uma pessoa melhor”, comparou a mãe Gleiciene Martins Reis Ferreira, que insistia para que Samuel e o mais velho Guilherme, de 13 anos, saíssem publicados na imprensa. “Vou guardar de lembrança. Vai ser fenomenal!”,

PEDRINHO
Sentado na grama, com as pernas cruzadas feito artista, Pedro Augusto, o Pedrinho, de 11 anos, tira um som do violão adaptado à limitação, provocada pela agenesia do corpo caloso: “Vou namorar todo mundooo”.
Maior fã do músico é Rosimeire Coelho Rocha Farias, que aperta o filho e o enche de beijos. Basta Pedrinho dizer “Ô” para ela traduzir como “outro”. Mãe entende o filho por inteiro. “Quando você ama de paixão um filho, não tem de lutar por ele. Meu filho é um presente. Tenho o prazer de ensinar tudo o tempo inteiro, a falar, andar, tocar violão. Quando Pedrinho sentou, aos 3 anos, foi a Glória. Agora, falta um tiquinho assim para ele conseguir andar sozinho”, explica.

Pedro Augusto, de 11 anos, com mãe Rosimeire - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

GABRIELY
A dona de casa Márcia Alves Ferreira, de 32 anos, com a filha Gabriely, de 3, que nasceu com malformação no cérebro, assim como a irmã Isabely, que ficou em casa com o pai desempregado. Apenas o irmão Mateus, de 12, acompanhou as duas, na ida de Contagem até o parque dos Mangabeiras. A família posou para a estudante de fotografia Nádia Rossi, que levou uma amiga para ajudar com o rebatedor e outros apetrechos.
“É bonito ver como a mãe é carinhosa todo o tempo. Ela assumiu mesmo o papel de mãe, sem se fazer de vítima. Eu já achava difícil para ela cuidar da filha na cadeira de rodas e agora fico sabendo que são duas nesta situação e que o marido está desempregado. Não é fácil”, comentou a assistente de fotografia Letícia Cautiero, segurando o rebatedor.

Gabriely, nasceu com mal formação no cérebro. Na foto, ela aparece com a mãe Márcia e o irmão Mateus - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

TALINE
Encantada com a maquiagem, a menina Taline Ranieri, de 4 anos, passa os dedos nos olhos da jovem mãe Talita Naiara, de 22 anos. Batalhadoras, as duas saem três vezes por semana de ônibus de Sete Lagoas para fazer cursos na AMR, em BH. Gastam duas horas para ir e outras duas para voltar, necessárias para a garota fazer fisioterapia, esportes e terapia ocupacional. No passeio no parque, Taline pouco ficou assentada na cadeira de rodas, que a ajuda a caminhar com as pernas tortas. Rodava de colo em colo entre os organizadores do evento. Foi ela que deu origem ao projeto: “Vendo minha luta com a Taline, um fotógrafo da cidade me ofereceu um book de fotos com minha filha”. “A partir dos relatos dela, pensei em quantas mães deveriam ter esse mesmo desejo”, explica Samuel Henrique Costa, mentor de Tesouro Revelado.
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