Governador Valadares – A cor ainda ferruginosa da água ao longo do Rio Doce, com 853 quilômetros, fere o coração de moradores de Governador Valadares como se fosse aço de navalha. Mas, ainda maior que a dor é o receio de famílias em usar a água tratada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), o que reduziu em 15% o consumo do líquido fornecido pela autarquia municipal.
O percentual foi apurado pela prefeitura, que comparou período anterior ao estouro da Barragem do Fundão com outro logo após o rompimento da represa da Samarco. De dezembro de 2015 a março de 2016, a população da maior cidade do Vale do Rio Doce usou 1.003.748 metros cúbicos de água tratada. De dezembro de 2014 a março de 2015, a quantidade havia sido de 1.153.206 metros cúbicos.
O ajudante de pedreiro Mateus da Silva, de 38 anos, foi um dos que ajudaram na queda do indicador. “Depois da tragédia, só bebo água de poço artesiano. Venho toda vez que os galões lá de casa ficam vazios. Só uso a água da torneira para lavar a roupa e limpar a casa”, conta. Ele se abstece em um poço aberto por uma igreja evangélica.
Mateus se lembra, com peso no coração, do dia em que o fornecimento de água pela autarquia municipal foi suspenso, logo após a chegada da lama ao trecho do Rio Doce que corta a cidade.
Naquele mês, um episódio repercutiu internacionalmente. A Vale, uma das controladoras da Samarco (ao lado da anglo-australiana BHP Billiton), enviou 340 mil litros de água em vagões-tanque, de Ipatinga a Governador Valadares, pela ferrovia Vitória-Minas. Segundo a população, contudo, os vagões tinham resquícios de querosene, o que contaminou a água.
O episódio deixou a população indignada. Muita gente foi obrigada a comprar galões de 20 litros de água mineral, o que fez, na época, os preços dispararem. Atualmente, uma dessas embalagens custa de R$ 5,99 a R$ 8. Na mercearia de Écio Silva, os galões acabam poucos dias depois de entregues pelo fornecedor. “Água, em Governador Valadares, é como se fosse mina de ouro”, comparou ele, que só bebe água mineral.
No comércio de Creuza Lourenço, de 47, os galões também se esgotam rapidamente. “Negocio mais ou menos 80 unidades por semana. É mais que o dobro do que eu vendia antes do desastre em Mariana”, comparou ela, outra moradora que só consome água mineral engarrafada.
REAJUSTE O pecuarista Carlos Luz Marques, de 36, percorre cinco quilômetros para buscar água em um posto artesiano. Ele reclama do preço do serviço de água e esgoto no município, que foi reajustado em 10,71% em janeiro, dois meses depois do desastre. “Lá em casa são quatro pessoas. Usamos oito galões (de 20 litros cada), que duram quatro dias.
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