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Estado de Minas

Praça da Liberdade se transforma em 'embaixada da diversidade' para casais LGBT

Reforçando sua tendência cosmopolita, Praça da Liberdade, em BH, se consolida como território em que casais gays se sentem mais à vontade para se expressar publicamente


postado em 12/06/2016 06:00 / atualizado em 12/06/2016 08:09

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Cada vez mais a Praça da Liberdade faz jus ao nome, principalmente desde que os mais belos casarões históricos de Belo Horizonte abandonaram a maior parte das funções administrativas, abrindo as portas a museus interativos, cafés e livrarias de tendência cosmopolita. Sentado nos degraus da escadaria do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde já trabalhou como recepcionista, o publicitário Walter Costa, de 24 anos, de traços árabes e bigodes cofiados a la Salvador Dalí, marcou um encontro. Minutos depois, chega o universitário Felipe da Cunha, também de 24, que recentemente assumiu o cabelo blackpower, contra a vontade da família dele, natural de Teresópolis (RJ). Com a maior naturalidade, os dois se entreolham, trocam um beijo e saem abraçados pelos arredores da praça, que lembra um cenário cinematográfico.

Não é inédito o filme do amor (quase) livre entre gays na capital mineira, que tem na Praça da Liberdade um dos pontos de referência ou, como se costuma dizer, tornou-se um espaço amigável aos casais de mesmo sexo (gay friendly). Para quem quiser assistir às demonstrações de afeto em público, Walter e Felipe transbordam felicidade, às vésperas do primeiro Dia dos Namorados que vão passar juntos, após seis meses de relacionamento.“Por que não? Quem não gosta de ver um casal de mãos dadas? Para mim, ver essas cenas românticas até aquece o coração”, defende Walter, radiante com o atual companheiro. “Se não estamos fazendo nada de errado, nem nos agarrando em público, qual é o problema?”, questiona Felipe, cujos parentes começaram, agora, a implicar com o visual afro, depois de aprender a respeitar a questão da identidade.

Nem sempre foi simples se assumir abertamente para ambos. Por quatro anos e meio, Walter foi casado com um homem nove anos mais velho, que sempre o apresentou como “amigo” nas festas da família e do serviço. “Com o Felipe, a gente pegou na mão um do outro e entendeu que estava cansado de mentir para as pessoas. Foi libertador, pois eu não saberia ser algo que não sou, a vida inteira, só para agradar ao companheiro”, diz Walter. “É claro que, para ter esta postura, você tem de conseguir bancar e suportar as consequências. Nunca sofri ameaça verbal muito forte e, quando começam a olhar demais, encaro de volta”, completa Felipe, que já foi convidado a “maneirar” em um restaurante da região central. Meses depois, com seguidos episódios de homofobia registrados nas redes sociais, a casa passaria a sofrer boicote do público gay.

Liberação


“Aqui em Nova York, vejo pessoas de mãos dadas, abraçadas. A cidade é superliberada. Não existem aqueles olhares de repúdio, como temos às vezes no Brasil”, afirma, olhando ao redor, o mineiro Diego Callisto, de 27 anos, respondendo às perguntas por intermédio do celular. Na última semana, o jovem estava na capital do mundo como um dos 16 líderes globais selecionados para falar sobre o enfrentamento da epidemia de Aids na reunião da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). “Acredito que algumas capitais melhoraram, sobretudo os maiores centros urbanos. Agora, essa realidade não é perceptível quando se interioriza a questão”, compara ele, nascido em Juiz de Fora, com 5.722 seguidores no Facebook.

À vontade, mas com discrição


(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Com o céu muito azul, a Praça da Liberdade estava convidativa à contemplação dos visitantes na tarde da última sexta-feira, aliás como sempre. O público era diversificado. No coreto, um jovem andava de skate de um lado para o outro, com a aba do boné virada ao contrário. À sombra das palmeiras imperiais, hippies fabricavam o ganha-pão. Levado pelas mãos da mãe, transita uma miniatura de Homem de Ferro, enquanto uma fileira de trabalhadores sem-terra prepara uma manifestação em tons rubros. Em meio ao palco da vida cotidiana, aqui e ali alguns casais celebram o amor, ocupando um a um, os bancos de jardim pintados de branco, distribuídos no território livre.

Ao contrário de outros pontos da capital, existe um acordo tácito de que, na Praça da Liberdade, os casais heterossexuais e os de mesmo sexo, especialmente formados por mulheres, podem andar de mãos dadas e se beijar sem tanto medo, resguardados pelas sombras das árvores, fontes de água e esparsos guardas municipais, contratados para vigiar o patrimônio público. “Não podemos aparecer na reportagem, pois a família dela ainda não sabe”, recusa um casal, no qual uma das meninas chama a atenção pelo cabelo pintado de lilás. “Não falei que ficou bonito? Ela está insegura”, elogia a moça, toda sorrisos.

Meia hora depois, chegam a produtora audiovisual Mariana Silveira, de 30 anos, e sua companheira, a designer gráfica Sheila Scott Rocha, de 29, que faz o tipo mulherão, de olhos claros e cabelos soltos. Em particular, uma das duas revela o pedido da mãe que, embora aceite o relacionamento de ambas, prefere evitar a publicação de fotos de beijos. Por sinal, as duas não se dão as mãos e nem se tratam publicamente como namoradas, embora cogitem formar união estável, em breve (desde 2011, essa possibilidade de formalização no papel entre pessoas do mesmo sexo está aprovada pelo Supremo Tribunal Federal). Já usam anel de compromisso.

Relacionamento


(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press.)
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press.)
Como se fosse o combinado, as duas iniciam espontaneamente uma discussão de relacionamento, a popular “DR”, sobre a conveniência de assumir ou não o namoro em público. Até o momento, tinham evitado se confrontar com a questão, uma das mais delicadas para os casais de mesmo sexo. Segue-se o diálogo: “É um costume nosso não andar de mãos dadas, não é Mariana?”, pergunta Sheila, já sabendo da resposta da outra. “Não é por medo. Dependendo do lugar, é melhor evitar. Você viu que havia crianças passando ali. Elas não foram educadas para isso”, retruca Mariana, que se assumiu aos 21 anos, mas há apenas cinco para a família extensa, que ainda estranha o fato. Nas festas familiares, as duas se apresentam como amigas. E completa: “Podendo, prefiro evitar. Prefiro não estragar o meu dia e o dia da pessoa que está comigo ouvindo desaforos”.

Sheila se opõe ao raciocínio pouco romântico, mas acaba concordando: “Penso que os adultos se incomodam mais do que as crianças, mas entendo a sua necessidade de se autopreservar. Já me aconteceu, aqui nesta praça, de estar com uma garota e uma senhora criticar, em tom alto: “Mas que pouca vergonha!”. Para Sheila, que se diz mais combativa, chega a ser curioso como a maioria das pessoas que faz esse tipo de comentário não tem vergonha ou mesmo pudor de expor o próprio preconceito. No Brasil, a expressão da homofobia em público ainda não é tipificada como crime.

Juntas há 10 anos, mas ainda namoradas, a produtora teatral Talita Vaz, de 28 anos e a atriz Vanessa Moreira, de 30, moradoras de Nova Lima, fazem questão de se apresentar de mãos dadas. No Dia do(a)s Namorado(a)s, as duas vão sair para um jantar de comida japonesa. Depois de muitos anos de convivência, o presente será conjunto: um edredon. “A gente celebra muito o amor, pois estamos juntas não porque somos parentes ou por obrigação, mas sim por que a gente se gosta!”, frisa Talita, que faz uma ponta no filme Mãe, precisamos conversar, de Matheus Torres. Apaixonada, ela conta já ter fabricado muitos presentes pessoais, como colagens, quadros e até um pote de cocada. No ano passado, as duas passaram o fim de semana prolongado em Macacos. “Somos como uma extensão uma da outra. Precisamos nos casar, não é, Talita?”, cobra Vanessa, enquanto Talita avisa que só tomará esse passo depois de se formar. “Ela está me enrolando”, emenda a outra, brincando.


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