Três meses após uma liminar da Justiça que proibiu as autoridades em Belo Horizonte de fiscalizarem o aplicativo Uber, o recurso impetrado pela Prefeitura de BH contra a decisão segue sem análise do Judiciário. Com o cenário ainda indefinido na capital mineira, conflitos têm acontecido entre taxistas inconformados com a falta de fiscalização do concorrente e motoristas do aplicativo, que pedem a regulamentação e a permissão definitiva para trabalhar. E com os ânimos acirrados, uma situação tem chamado a atenção em BH. A Polícia Militar levantou, a pedido do Estado de Minas, 23 ocorrências de confusão entre as duas partes, apenas na capital, de janeiro até a última quarta-feira. Em 15 delas não houve nenhum encaminhamento que pudesse ajudar a identificar ou punir os responsáveis, o que significa que em 65% das ocorrências os agressores ainda estão impunes. A Polícia Civil explica que, como são casos de menor potencial ofensivo, envolvendo danos, ameaça, atrito verbal ou lesões corporais leves, a corporação só tem autorização para investigar se houver representação das vítimas, o que não aconteceu nesses 15 registros.
Em outras seis ocorrências foi aberto inquérito, mas os suspeitos de violência ainda não foram identificados ou punidos. Quatro desses casos se referem a confusões nas proximidades da boate Alambique, no Bairro Estoril, Oeste de BH, e geraram quatro investigações. A polícia está levantando o nome dos taxistas que atendem aquela região e mostrando as fotos para as vítimas, mas, até o momento, ninguém foi reconhecido.
Outro caso foi encaminhado para audiência no Juizado Especial Criminal, já que a Polícia Militar conseguiu levar o motorista de um táxi e um condutor do aplicativo para a delegacia por atrito verbal. Nesse caso, ambos assinaram um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e foram liberados, aguardando a tramitação do procedimento na Justiça. Mas, mesmo com os casos, normalmente, de menor potencial ofensivo, o delegado Frederico Abelha, titular da Delegacia Regional Sul da Polícia Civil em Belo Horizonte, diz que todos que forem vítimas de agressões, danos ou ameaças devem procurar a polícia para que medidas sejam tomadas. Sem essa providência e sem uma definição final do ponto de vista da legislação e fiscalização, ele teme até que um fato mais grave possa acontecer.
“Qualquer tipo de agressão que começa a se tornar recorrente pode se agravar. Uma briga, por exemplo, pode terminar em fatalidade. Muitas pessoas andam com instrumentos nos carros como facas, tacos de beisebol, ou a própria trava de volante. Numa briga, uma pessoa pode acabar lançando mão de um desses objetos”, afirma o delegado. O policial ressalta que, neste momento, é urgente a manifestação dos órgãos competentes para definir a legislação que será vigente. Em BH, por exemplo, existe a Lei Municipal 10.900, de autoria do Executivo e aprovada na Câmara Municipal. Ela proíbe que o Uber funcione da maneira atual, sendo permitido apenas para intermediar corridas com taxistas credenciados na BHTrans, sob pena de multa de R$ 30 mil. Porém, a Justiça emitiu uma liminar em março proibindo a fiscalização e ainda não há nova decisão.
Tumulto
Ontem, motoristas do aplicativo Uber fizeram uma carreata em Belo Horizonte protestando contra a violência, que, segundo eles, é incentivada por muitos taxistas (leia texto nesta página). Parceiro da empresa Uber desde novembro de 2014, Luiz Antônio Vieira, de 31 anos, passou por uma situação muito difícil no ano passado. Enquanto esperava por passageiros na Praça Mílton Campos, com outros quatro colegas do aplicativo, foi surpreendido por vários taxistas, que depredaram seu carro, um Corolla, incluído na categoria Uber Black. “Eles amassaram meu carro inteiro e ainda quebraram outros dois. Acionei o advogado da Uber e nós procuramos a Polícia Civil, que abriu inquérito e ainda está investigando. É muito importante fazer isso para que haja uma possibilidade de punição”, afirma. Segundo Luiz, os R$ 9,6 mil do conserto do carro foram ressarcidos pela empresa.
Para o presidente do Sindicato dos Taxistas de BH (Sincavir), Ricardo Faedda, qualquer ato de violência é repudiado pela entidade. “Essa situação de violência não é o caminho e não vai resolver nada”, diz o dirigente do sindicato. Faedda acredita que, em uma democracia, as coisas têm que se resolver usando a mediação do poder público, como foi feito com a Lei 10.900, que teve o seu cumprimento proibido pela Justiça. Ele também destaca o risco de condenar taxistas por casos de violência sem ter certeza da situação, antes que uma investigação policial aponte os culpados.
Carreata cobra segurança
Em resposta aos casos de intimidação que os motoristas do aplicativo Uber relatam que são praticados por taxistas em Belo Horizonte, mais de 100 condutores fizeram ontem uma carreata em BH pedindo mais segurança para trabalhar. Eles saíram da Praça do Papa, no Bairro Mangabeiras, Centro-Sul de BH, e foram até a Praça da Rodoviária, no Hipercentro, passando por ruas e avenidas da região central. Com adesivos colados nos vidros dos carros, fizeram um buzinaço e pediram paz.
Um dos organizadores do protesto, Rodrigo Miranda, de 38 anos, trabalha como parceiro da empresa norte-americana em BH há um ano e oito meses. “A gente quer a regularização do nosso serviço e punição para quem nos agride. Também queremos mais policiamento principalmente de madrugada, já que sofremos muita intimidação em portas de boates”, afirma. Rodrigo afirma que existe um serviço telefônico criado pela empresa para atender os condutores em situação de risco, inclusive com a disponibilização de advogados para acompanhamento e tramitação das ocorrências. “Muita gente procurou a polícia ano passado para a tomada de providências, mas como não houve grandes resultados, as pessoas desanimaram”, diz Rodrigo.
O delegado Frederico Abelha, titular da Delegacia Regional Sul de Belo Horizonte, diz que a Polícia Civil existe para fazer o seu papel, está pronta para atender as demandas da população e dar as devidas respostas. “Qualquer cidadão que for lesado deve, sim, procurar a polícia e representar para que o fato seja investigado. Vivemos em uma sociedade organizada em que não cabe agredir ou quebrar o carro de uma pessoa”, afirma.
Para o capitão Flávio Santiago, assessor de imprensa da Polícia Militar, é fundamental que as vítimas deem prosseguimento às ocorrências. “Quando há possibilidade de a pessoa ser punida, ela tende a evitar que o problema aconteça de novo e isso ganha um caráter de propagação”, afirma o capitão. Santiago diz ainda que a PM está atenta à situação e tem disponibilizado os canais telefônicos 190 e 181 até para receber denúncias de perseguições praticadas por taxistas contra parceiros da Uber e também de condutores do aplicativo contra taxistas.
Intolerância
Porém, o militar não observa um quadro de tendência de aumento de agressões que contribua para uma situação insustentável na capital mineira. “Não consigo observar uma crescente da intolerância existente que signifique um caso todos os dias. De qualquer forma, o recado que a Polícia Militar passa é que não é um bom negócio essa prática de intolerância. A PM está pronta para agir no estado de flagrância e fazer as abordagens no momento em que for necessário”, completa.
Em nota, a Uber diz que considera inaceitáveis os casos de violência contra seus parceiros. “Todo cidadão tem o direito de se mover pela cidade, assim como de trabalhar honestamente”, diz o texto. “Esperamos que motoristas parceiros não se envolvam em brigas e discussões e que contatem imediatamente as autoridades policiais, sempre que se sentirem ameaçados. Quando acionada pelos motoristas parceiros sobre o que fazer nos casos de agressões, a Uber indica que, além do registro de ocorrência na delegacia competente, é cabível a representação criminal e queixas-crime, dependendo da natureza da ação penal (privada ou condicionada à representação)”, completa