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Estado de Minas

Frio desafia aqueles que não têm escolha, como moradores de rua

População que vive ao relento e também taxistas e comerciantes precisam se virar para encarar madrugadas geladas antes mesmo do início do inverno


postado em 15/06/2016 06:00 / atualizado em 15/06/2016 14:21

Na Savassi, morador de rua improvisa abrigo com agasalhos e recebe doação de agasalhos dos vizinhos(foto: Túlio Santos/EM/D.A PRESS)
Na Savassi, morador de rua improvisa abrigo com agasalhos e recebe doação de agasalhos dos vizinhos (foto: Túlio Santos/EM/D.A PRESS)
Para uns, hora de tirar aquele sobretudo mais requintado do armário, procurar um cachecol que combine com o figurino ou correr à vitrine mais próxima para renovar o vestuário da estação. Para outros, época de contar com a solidariedade sob a forma de doação de agasalhos, cobertores e até de alimentos quentes.

Para todos, seja na Grande Belo Horizonte ou em outros pontos de Minas, a estação ainda é outono, mas o tempo já é de se esconder do frio, como a necessidade mandar ou a criatividade permitir. Principalmente entre aqueles que não têm escolha e precisam enfrentar nas ruas as noites e madrugadas deste pré-inverno gelado, que ontem voltou a bater o recorde de mais baixa temperatura do ano na capital, com mínima de 8,9 graus e sensação térmica de incríveis 5 graus negativos.


E tome caldo quente, incrementado na pimenta e aquela dose de aguardente, para dar conta de tanta friagem. Para quem leva a vida literalmente na praça, como os taxistas, o jeito é moldar o cardápio e o kit de sobrevivência à moda da estação. Que o diga Jonas Araújo, de 36 anos, há três anos na profissão. “Todo taxista tem de ter seu kit. Nele, não podem faltar os remédios, o guarda-chuva e, claro, a blusa de frio”, revelou.

Muitos de seus colegas aproveitam o vaivém pela cidade para estacionar nos balcões de bares que oferecem caldos e se abastecer da iguaria típica desta época do ano. “Ajuda a esquentar”, explicou, entre uma e outra colherada, Adeir Vicente Francisco, de 59, enquanto degustava um de mocotó, em estabelecimento na Rua Tupis.

Perto dali, na Praça Sete, outra forma de esquentar o peito e mais um comerciante lucrando com os termômetros. José Fernando Santana, um baiano de 42 anos, era só sorrisos. Estudante de filosofia, ele ganha a vida vendendo guloseimas e aguardente em uma barraca de madeira no ponto mais movimentado do Centro.

Vendedor José Fernando Santana aproveita o frio para vender doses de cachaça em banca de madeira na Praça Sete(foto: Túlio Santos/EM/D.A PRESS)
Vendedor José Fernando Santana aproveita o frio para vender doses de cachaça em banca de madeira na Praça Sete (foto: Túlio Santos/EM/D.A PRESS)


Na noite gelada, a dose da caninha, que custa R$ 2, teve saída melhor do que o normal. Por volta da meia-noite e meia, ele já havia negociado pelo menos 20 copinhos. “Não tenho do que reclamar com a friagem. Estou vendendo que é uma beleza”, comemorava, aproveitando para mandar uma dose “goela abaixo” para aquecer.

Sem a mesma oportunidade, o frentista Carlos Augusto Sabino, de 51, se agasalha como pode depois de acordar às 4h da madrugada para pegar ônibus em Vespasiano, na Grande BH, e seguir para o trabalho na capital. “Estou sofrendo muito nos últimos dias: é frio indo trabalhar, é frio na hora de voltar...”, conta ele, que deixa o serviço às 22h. “Já saio de casa todo empacotado. Visto o macacão de trabalho com uma blusa por dentro e uma jaqueta grossa por cima de tudo. Mesmo assim, não estou aguentando de tanto frio”, reclama.

ESCONDERIJO

E o tempo também esfriou os negócios de muita gente. Tanto que, na falta de clientes, o vendedor de cachorro-quente Antônio Augusto da Silva, de 44, teve de se esconder dele dentro de seu carro adaptado. Antônio trabalha na Praça do Papa, no Bairro Mangabeiras, cartão-postal da cidade e um dos pontos mais altos – e gelados – da Região Centro-Sul.

Em madrugadas de temperatura amena, prepara mais de duas dúzias de sanduíches. Na de ontem, só vendeu o primeiro às 3h. “Estou na região há 30 anos, 26 deles no mirante e quatro na praça. Hoje está tão fraco que só vendi um. Estou pensando até em ir embora”, lamentou, antes de subir novamente o vidro e fechar a porta do carro para se esconder da ventania.

Barracas foram montadas na Praça Sete para espantar o frio(foto: Túlio Santos/EM/D.A PRESS)
Barracas foram montadas na Praça Sete para espantar o frio (foto: Túlio Santos/EM/D.A PRESS)
ma tarefa mais difícil para quem só dispõe de estruturas precárias para se abrigar, como alguns dos artesãos que expõem suas mercadorias na área central de Belo Horizonte e dormem em barracas. Mais apuros só os que, como Manoel Marques, de 62, precisam improvisar o próprio abrigo. Para enfrentar a noite congelante, o jeito foi se virar com papelões grossos em um quarteirão da Savassi, também na Região Centro-Sul da capital. E contar com a solidariedade de pessoas que o presentearam, anteontem, com meias e blusas novas. “O papelão ajuda a segurar o vento gelado. E as roupas, a aquecer o corpo. Também ganhei, há mais tempo, este gorro. Sou grato a quem me ajudou”, disse.

Também sem-teto, Gilberto José do Carmo, de 56, contava com um cobertor e o calor de outros “vizinhos” para enfrentar a noite na Praça da Estação. “A gente fica todo mundo junto, um aquece o outro”, contou. Mas, como outras pessoas em situação de rua, ele confessa que se recusa a passar a noite em um abrigo municipal, por não aceitar regras. “Tem hora para tudo: para comer, dormir e acordar; tem hora para entrar, hora para sair. Não dá certo. Prefiro ficar na rua, mesmo com frio”, disse.

Para Maria, que precisou se acomodar em um canto da Rua da Bahia, o jeito é sonhar com a esperança de dias melhores. Ela torce para que o frio em BH, embora deixe algumas regiões da cidade mais bonitas, não registre fatos tristes como os ocorridos nos últimos dias em São Paulo, onde pelo menos cinco moradores de rua morreram por causa da queda na temperatura.

Enquanto isso...
…Termômetros
seguem em baixa

Antes mesmo do início do inverno, que só começa oficialmente no Brasil às 19h34 de segunda-feira, moradores de Belo Horizonte devem se preparar para enfrentar mais frio. Embora a massa de ar polar que está sobre a região comece a perder intensidade, os termômetros hoje ainda devem registrar mínima em torno dos 10 graus. Com os ventos fortes, a sensação de frio deve ser ainda maior. Já Maria da Fé, cidade que virou sinônimo de frio em Minas Gerais, voltou a marcar ontem recorde de baixa temperatura no estado no ano, com mínima de -3,7 graus. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), também tiveram temperaturas negativas ontem Camanducaia, onde o distrito de Monte Verde registrou -3,1°C, Pa
ssa Quatro (-0,9°C), Caldas (-0,5°C) e São Lourenço (-0,8°C).


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