Governador Valadares – Conquistar a América e voltar com os bolsos cheios de “valadólares”, como os moradores da região se referem à moeda americana, é um sonho que povoa o imaginário de um sem-número de famílias valadarenses. Mas muita gente da cidade que mais exporta brasileiros para os Estados Unidos paga um alto custo para realizá-lo. O desejo de voltar da terra do Tio Sam com a vida ganha e ajudar a movimentar a economia da maior cidade do Vale do Rio Doce nem sempre sai como planejado, o que prejudica não só os chefes de família, sejam pais ou mães, mas até o próprio desenvolvimento dos filhos.
É o que mostra, entre outras abordagens, o estudo “Convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes e vulnerabilidades no processo de migração internacional”, que rendeu o título de doutora a Silvana Andrade Pena Knup. A tese, sob orientação do professor Duval Fernandes, foi aprovada no Programa de Pós-graduação em Geografia: Tratamento da Informação Espacial, da PUC Minas.
Silvana entrevistou dezenas de pessoas em Governador Valadares e em Boston (EUA), principal destino dos mineiros do Vale do Rio Doce que viajam para a América. Ela investigou as situações de vulnerabilidade que crianças e adolescentes brasileiros da região de Valadares vivenciam no processo migratório dos pais. “É importante salientar que não apenas a emigração precisa ser bem planejada, mas também o retorno”, alertou ela, na tese.
Muitos adultos planejam viajar sem a companhia dos filhos, para juntar alguma economia, com planos de, em um segundo momento, reunir a família no estrangeiro. Mas nem sempre isso ocorre no tempo imaginado pelos migrantes. Ainda há pais que deixam os pequenos sob a tutela de parentes, pois acreditam que conseguirão retornar antes de a criança crescer e com os bolsos cheios de dólares, podendo transformar sonhos em realidade, como o de comprar a casa própria ou financiar ao descendente uma educação de melhor qualidade.
Mas a distância entre pais e filhos pode interferir na relação de afeto.
Bowbly, continua a doutora, “afirma que, se vínculos forem criados bem cedo, tanto com a mãe quanto com qualquer outro adulto que se mostre bastante responsivo às necessidades da criança, ela sofrerá um processo de ‘luto’ ao passar por um afastamento, porém, o vínculo já estará criado”.
‘Você não é meu pai’
Um dos entrevistados relatou a Silvana que viajou para os Estados Unidos quando a filha tinha 6 meses de idade. Ficou lá por quatro anos e dois meses. “(Depois de que eu retornei), a gente fica vergonhoso na hora de brigar (corrigir) com ela. A gente fica com vergonha, porque ela já está grandinha, com 5 anos, e, por ter ficado longe, ela pode falar: ‘Você não é meu pai’. Agora (ela) acostumou, mas, no começo, ficava meio assim (…). Meu primo ficou muitos anos lá e, quando ele veio, a menina estava com 10 anos. Hoje, ele já legalizou, a menina conversa com ele, mas não é aquela coisa de pai e filha. É uma coisa mais distante”, relatou José (nome fictício).
“Mesmo sentindo muita culpa ao tomar a decisão difícil de deixar seus filhos no Brasil, (pais) fazem essa escolha justificando que os beneficiarão materialmente e, em muitos casos, subestimam os custos afetivos e emocionais que o processo migratório pode inflingir à criança que é afastada temporária ou definitivamente dos seus pais”, avaliou Silvana.
Ela constatou ainda que o adiamento do retorno e a impossibilidade de reunificação da família “podem ter impacto bastante negativo nas uniões preexistentes, levando à separação definitiva de casais e a perdas de vínculos com crianças que foram deixadas no Brasil”..