Enfrentando uma crise que afeta seus próprios habitantes, o Brasil, visto como um país promissor por milhares de estrangeiros, experimentou nos últimos anos uma explosão do número de refugiados e agora tem o desafio de lidar também com as demandas dessa população. Porém, diante da falta de políticas migratórias, muitos vêm passando dificuldade no país. A maior parte vem da Síria – onde a guerra civil já provocou a saída de 5 milhões de cidadãos – de Angola, da Colômbia e da República Democrática do Congo, conforme demonstra a pesquisa Sistema de Refúgio Brasileiro, em balanço até abril de 2016. Impulsionadas por eles, mas também por pessoas de outras nacionalidades, as solicitações de refúgio em território brasileiro cresceram nada menos que 2.868% nos últimos cinco anos. Boa parte desse contingente tem como destino Belo Horizonte. No Dia do Refugiado, lembrado hoje em todo o mundo, o Estado de Minas mostra a situação de alguns deles na capital mineira.
Mas a iniciativas oficiais se mostram insuficientes, especialmente diante da disparada da demanda nos últimos anos. Em 2010, eram 966 solicitações de refúgio em todo o Brasil, número que aumentou para 28.670 em 2015. “Os refugiados são vítimas de perseguição ou fundado temor de perseguição em razão de raça, religião, nacionalidade, opinião política e pertencimento a grupo social”, explica Paola Gersztein. Entre os países latino-americanos, a fundamentação dos pedidos de refúgio se estende para situações graves e generalizadas de violação dos direitos humanos.
AMBIENTADO Um dos estrangeiros que escolheram Belo Horizonte como uma esperança de porto seguro foi o sírio June Isahak, de 22 anos. Ele veio com um grupo de refugiados em 2014 para o Brasil, desembarcando na capital mineira. Há apenas dois anos em BH, ele não apenas já consegue falar o português de maneira fluente como assimilou mineirismos, como o “nó”, o “uai” ou “Nossa Senhora”. “Uai, já sou mineiro. Nunca peguei aula de português, tudo o que aprendi foi aqui, na loja”, afirma o jovem, que trabalha no Vila Árabe.
A família está em Damasco, a capital da Síria, onde não há tantos atentados quanto em outros locais do país. “Cheguei como refugiado. Ganhei a carteira de imigrante que vale por dois anos. Em 31 de julho vou receber o documento para mais cinco anos”, comemora ele, que se sente completamente inserido na cultura brasileira. “Com a carteira, fico brasileiro mesmo. Gosto muito do brasileiro. Como BH foi o primeiro lugar que cheguei, peguei o jeito de mineiro”, brinca. Nesse meio tempo, ele chegou inclusive a participar das comemorações durante a Copa do Mundo, em 2014, e do carnaval de rua, em 2015 e 2016.
Mas a integração não é tão fácil para todos. O nigeriano B., de 50 anos, que prefere não se identificar, chegou ao Brasil há um ano. Atualmente, desempregado, tenta conseguir recursos com a venda de panos de prato, cofres de barro e tecidos africanos na Praça Sete, Centro de BH. No local, é possível encontrar também ganeses, que deixaram seu país para tentar escapar da guerra. As dificuldades de B. são agravadas pelo fato de não falar português – usa o inglês, língua oficial de seu país, para se comunicar. Depois de uma certa resistência inicial, ele aceitou contar sua história, mas não quis ser fotografado.
O nigeriano deixou esposa e quatro crianças na África do Sul, para onde a família migrou fugindo dos conflitos étnicos que levam ao massacre de milhares de conterrâneos. A xenofobia é uma das marcas mais fortes da experiência de vida de B., que relata como os ataques, motivados simplesmente pelo fato de alguém fazer parte de etnia diferente, são constantes nas cidades em que viveu antes de chegar ao Brasil.
A imagem de um povo alegre foi o que o conquistou. Ao chegar ao país, obteve o visto para ficar e trabalhar, mas não consegue emprego. Mesmo assim, ele, que atuava como comerciante no país de origem, destaca a hospitalidade do povo brasileiro. “As pessoas te recebem, dão um canto na sua casa para que você possa dormir, te dão o que comer...” Um dos sonhos do imigrante é trazer a família. Enquanto não o realiza, ele só consegue dizer à esposa e aos filhos, por telefone, que anda bem. “Ligo para dizer que estou vivo”, afirma.
Número de reconhecidos subiu 127%
Até 2010, haviam sido reconhecidos 3.904 refugiados no Brasil. Em abril deste ano, esse total chegou a 8.863, o que representa aumento de 127% no acumulado – incluindo os reassentados. Com o aumento do fluxo migratório, o governo brasileiro decidiu tomar medidas que facilitassem a entrada desses imigrantes no território e sua inserção à sociedade.
A professora Paola Gersztein lembra que países signatários da Convenção de Refugiados (1951) e de protocolo sobre o tema das Nações Unidas, de 1967, precisam conceder o status de refugiado a quem sofre perseguições e consegue chegar ao seu território. Ela lembra que, por essa razão, muitos países europeus constroem barreiras, para que não sejam o primeiro destino de refugiados. “Quem chega ao Brasil por qualquer via – aérea, pelo mar ou terrestre – deve ter o status de refugiado reconhecido, mesmo quando em situação migratória irregular”, afirma ela, uma das principais especialistas no assunto no estado.
Na sexta-feira, a emissora BBC Brasil divulgou matéria informando que o governo federal suspenderia negociação com a União Europeia para receber sírios. No entanto, a mudança foi negada pelo Ministério da Justiça. “Não houve nenhuma suspensão das negociações com a União Europeia. O governo anterior não havia estabelecido nenhum programa ou projeto nesse sentido, nem estabelecido qualquer previsão orçamentária”, informou a pasta.
Saiba mais
Refúgio
É uma proteção legal oferecida pelo Brasil a cidadãos de outros países que estejam sofrendo perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou pertencimento a determinado grupo social, ou ainda que estejam sujeitos, em seu país, a grave e generalizada violação de direitos humanos. Segundo o Ministério da Justiça, o refúgio pode ser solicitado em qualquer posto do Departamento de Polícia Federal, mediante preenchimento de formulário oficial e coleta de informações biométricas. Após receber o pedido, a PF o encaminhará ao Comitê Nacional para Refugiados (Conare). O órgão deve fazer entrevista com o solicitante antes de decidir sobre o deferimento do pedido.
Mas a iniciativas oficiais se mostram insuficientes, especialmente diante da disparada da demanda nos últimos anos. Em 2010, eram 966 solicitações de refúgio em todo o Brasil, número que aumentou para 28.670 em 2015. “Os refugiados são vítimas de perseguição ou fundado temor de perseguição em razão de raça, religião, nacionalidade, opinião política e pertencimento a grupo social”, explica Paola Gersztein. Entre os países latino-americanos, a fundamentação dos pedidos de refúgio se estende para situações graves e generalizadas de violação dos direitos humanos.
AMBIENTADO Um dos estrangeiros que escolheram Belo Horizonte como uma esperança de porto seguro foi o sírio June Isahak, de 22 anos. Ele veio com um grupo de refugiados em 2014 para o Brasil, desembarcando na capital mineira. Há apenas dois anos em BH, ele não apenas já consegue falar o português de maneira fluente como assimilou mineirismos, como o “nó”, o “uai” ou “Nossa Senhora”. “Uai, já sou mineiro. Nunca peguei aula de português, tudo o que aprendi foi aqui, na loja”, afirma o jovem, que trabalha no Vila Árabe.
A família está em Damasco, a capital da Síria, onde não há tantos atentados quanto em outros locais do país. “Cheguei como refugiado. Ganhei a carteira de imigrante que vale por dois anos. Em 31 de julho vou receber o documento para mais cinco anos”, comemora ele, que se sente completamente inserido na cultura brasileira. “Com a carteira, fico brasileiro mesmo. Gosto muito do brasileiro. Como BH foi o primeiro lugar que cheguei, peguei o jeito de mineiro”, brinca. Nesse meio tempo, ele chegou inclusive a participar das comemorações durante a Copa do Mundo, em 2014, e do carnaval de rua, em 2015 e 2016.
Mas a integração não é tão fácil para todos. O nigeriano B., de 50 anos, que prefere não se identificar, chegou ao Brasil há um ano. Atualmente, desempregado, tenta conseguir recursos com a venda de panos de prato, cofres de barro e tecidos africanos na Praça Sete, Centro de BH. No local, é possível encontrar também ganeses, que deixaram seu país para tentar escapar da guerra. As dificuldades de B. são agravadas pelo fato de não falar português – usa o inglês, língua oficial de seu país, para se comunicar. Depois de uma certa resistência inicial, ele aceitou contar sua história, mas não quis ser fotografado.
O nigeriano deixou esposa e quatro crianças na África do Sul, para onde a família migrou fugindo dos conflitos étnicos que levam ao massacre de milhares de conterrâneos. A xenofobia é uma das marcas mais fortes da experiência de vida de B., que relata como os ataques, motivados simplesmente pelo fato de alguém fazer parte de etnia diferente, são constantes nas cidades em que viveu antes de chegar ao Brasil.
A imagem de um povo alegre foi o que o conquistou. Ao chegar ao país, obteve o visto para ficar e trabalhar, mas não consegue emprego. Mesmo assim, ele, que atuava como comerciante no país de origem, destaca a hospitalidade do povo brasileiro. “As pessoas te recebem, dão um canto na sua casa para que você possa dormir, te dão o que comer...” Um dos sonhos do imigrante é trazer a família. Enquanto não o realiza, ele só consegue dizer à esposa e aos filhos, por telefone, que anda bem. “Ligo para dizer que estou vivo”, afirma.
Número de reconhecidos subiu 127%
Até 2010, haviam sido reconhecidos 3.904 refugiados no Brasil. Em abril deste ano, esse total chegou a 8.863, o que representa aumento de 127% no acumulado – incluindo os reassentados. Com o aumento do fluxo migratório, o governo brasileiro decidiu tomar medidas que facilitassem a entrada desses imigrantes no território e sua inserção à sociedade.
A professora Paola Gersztein lembra que países signatários da Convenção de Refugiados (1951) e de protocolo sobre o tema das Nações Unidas, de 1967, precisam conceder o status de refugiado a quem sofre perseguições e consegue chegar ao seu território. Ela lembra que, por essa razão, muitos países europeus constroem barreiras, para que não sejam o primeiro destino de refugiados. “Quem chega ao Brasil por qualquer via – aérea, pelo mar ou terrestre – deve ter o status de refugiado reconhecido, mesmo quando em situação migratória irregular”, afirma ela, uma das principais especialistas no assunto no estado.
Na sexta-feira, a emissora BBC Brasil divulgou matéria informando que o governo federal suspenderia negociação com a União Europeia para receber sírios. No entanto, a mudança foi negada pelo Ministério da Justiça. “Não houve nenhuma suspensão das negociações com a União Europeia. O governo anterior não havia estabelecido nenhum programa ou projeto nesse sentido, nem estabelecido qualquer previsão orçamentária”, informou a pasta.
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Refúgio
É uma proteção legal oferecida pelo Brasil a cidadãos de outros países que estejam sofrendo perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou pertencimento a determinado grupo social, ou ainda que estejam sujeitos, em seu país, a grave e generalizada violação de direitos humanos. Segundo o Ministério da Justiça, o refúgio pode ser solicitado em qualquer posto do Departamento de Polícia Federal, mediante preenchimento de formulário oficial e coleta de informações biométricas. Após receber o pedido, a PF o encaminhará ao Comitê Nacional para Refugiados (Conare). O órgão deve fazer entrevista com o solicitante antes de decidir sobre o deferimento do pedido.