Embora seja lei, dar prioridade ao pedestre é atitude de uma minoria em BH

Para especialistas em trânsito, atitude só vai proliferar com o aumento da fiscalização e a aplicação de multas mais pesadas aos infratores

Junia Oliveira
Na Rua Aimorés, comportamento do taxista Marcelo dos Santos, que sinalizou para outros condutores, permitiu que mulher fizesse a travessia com o carrinho de bebê. "Quem está atrás costuma buzinar" - Foto: Beto Novaes/EM/DA Press

- Foto: Beto Novaes/EM/DA PressAtenção ao dirigir pelas ruas de Belo Horizonte: há motoristas que param e dão prioridade ao pedestre para atravessar na faixa. Embora a atitude não represente nada mais que o cumprimento da legislação de trânsito, ela ainda é rara. Ao obedecer a regra, os integrantes desse grupo se tornam exemplos de algo que deveria ser comum. E começam a mudar hábitos. Em uma cidade em que a preferência é quase sempre dos veículos, andar na linha, no entanto, exige cuidado redobrado para evitar atropelamentos ou acidentes. Para quem mantém a prática, tudo não passa de uma questão de respeito. Para especialistas em trânsito, a obediência só vai se tornar efetiva mediante multa pesada aos infratores.

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é claro: nos cruzamentos sem semáforos, a prioridade de travessia é do pedestre. Em 26 anos de carteira de habilitação, o taxista Marcelo Duarte dos Santos, de 56, segue a lei à risca.

Ontem, em um dos pontos mais movimentados do Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul de BH, na Rua dos Aimorés, esquina com a Ceará, foi graças a ele que uma mulher empurrando um carrinho de bebê conseguiu atravessar. O lugar tem fluxo intenso de automóveis e, embora haja faixa de pedestres na Aimorés e nas duas esquinas da Ceará, a espera para travessia pode ser longa, já que atitudes como a de Marcelo são raras.

Mas, ao ver a pedestre, ele não teve dúvida. Na faixa da esquerda, parou, sinalizou com a seta, fez sinal para que ela passasse e ainda forçou o condutor que trafegava à direita a adotar a mesma iniciativa. “Se eu vir qualquer pessoa na faixa, paro. É do meu comportamento”, diz o taxista, com 14 anos de profissão. “Às vezes, até mato outros motoristas de raiva, porque acham que eu não deveria parar. Quem está atrás costuma interpretar mal, acha que estou fazendo gracinha. E buzina”, conta, acrescentando que não se deixa abalar.

A equipe do Estado de Minas passou duas horas observando vários cruzamentos com intenso movimento de veículos e pedestres na Região Centro-Sul. E, neles, além de Marcelo apenas outros três motoristas seguiram a lei. Um deles foi o eletricista Moisés de Paula Ferreira da Silva, de 42. Ele fez sinal para uma jovem atravessar a Rua Outono, esquina com a Grão Mogol, no Sion, e ainda esperou, com a maior tranquilidade, um senhor que vinha atrás. “Sempre ajo assim. Isso é respeito ao direito do próximo.

Temos que zelar pela dignidade do pedestre, como aprendemos na autoescola. Se queremos respeito, devemos tê-lo com o outro”, afirma.

No mesmo local, o motorista de guincho Deiverson Ferreira, de 35, também obedeceu a prioridade e garantiu que age assim em qualquer circunstância. “Sempre deixo o pedestre passar, mas na maioria das cidades em Minas Gerais os motoristas não agem assim, talvez pela pressa”, afirmou. Na Rua Padre Odorico, esquina com a Rua Major Lopes, no Bairro São Pedro, os motoristas foram implacáveis com os pedestres, obrigando todos a esperar uma brecha para atravessar. A faixa parecia não existir. Houve condutores que avançaram sobre a faixa mesmo diante de alguém que já havia começado a travessia – cena comum pelas ruas e avenidas da capital. Apenas um veículo, uma BMW, cedeu a passagem.

DOR NO BOLSO Em cruzamentos da Avenida Bandeirantes, cenas de desrespeito se repetiram. Por isso, não adianta faixa de pedestre sem fiscalização intensa, na opinião do professor de engenharia de transporte e trânsito Márcio Aguiar, da Universidade Fumec. Ele considera que as multas são o meio mais eficaz para obrigar motoristas  a cumprir a lei. “Tivemos mobilizações na implantação do Código de Trânsito Brasileiro, mas não houve continuidade”, critica.

O especialista defende que campanhas sejam feitas paralelamente a ações ostensivas.

Aguiar cita o exemplo de Brasília (DF), conhecida nacionalmente pelo respeito ao pedestre. Lá, basta que alguém ponha o pé na faixa para que o condutor pare. “Foi preciso mais de um ano para as pessoas criarem o hábito. No início, os motoristas xingavam, mas a multa chegava mesmo assim. E os resultados começaram a surgir. No trânsito, a educação passa por essa penalidade”, ressalta.

Para o taxista Marcelo dos Santos, um dos motoristas exemplares de BH, há algo ainda mais precioso que envolve a decisão de adotar a conduta certa. “Isso tem que vir de berço. E não pode ser de vez em quando. Não quero para os outros o que não desejo para mim”, diz. Parar na faixa é uma questão simples: “É seguro para mim e para os pedestres. Temos que preservar o bem maior, que é a vida”.

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