Na Santa Casa de Montes Claros, maior hospital do Norte de Minas, o pronto-socorro está sempre cheio, com macas nos corredores e muitas horas de espera para atendimento. A praça em frente funciona como espécie de sala de espera ao ar livre, com a presença diária de um grande número de pessoas que se deslocam em ambulâncias, vans e ônibus por longas distâncias em busca de consultas e exames que não conseguem mais ou nunca conseguiram nos lugares de origem. Gerente do pronto-socorro do hospital, Wendel Felix Guimarães conta que a unidade tem uma demanda de 200 pacientes por dia, dos quais 40% são de outros municípios.
Wendel afirma que a demanda no hospital aumentou com a crise financeira dos pequenos municípios. “Eles já sofriam com a falta de estrutura e de recursos humanos. Muitas vezes, chegam em nosso pronto-socorro pacientes de outras cidades precisando de procedimentos simples, que não são feitos nos lugares onde moram por falta de profissionais”, comenta. Exemplo dessa dificuldade foi vivido pela lavradora Ana Maria Fernandes Oliveira, de 46 anos, moradora da localidade de Macaúbas, no município de Bocaiuva. Na quinta-feira, ela viajou até Montes Claros para se submeter a uma endoscopia, feita numa clínica particular. A viagem foi uma verdadeira via-crúcis.
Construção suspensa
Depois da promessa do governo do estado de investir na construção de hospitais regionais para descentralizar a demanda por serviços de saúde em Minas, as obras foram interrompidas, afetadas pelos cortes orçamentários que se abatem sobre municípios. Um desses símbolos pode ser visto em Sete Lagoas, na Região Central, onde a construção do Hospital Regional Doutor Márcio Paulino já teve 80% das obras executadas e R$ 70 milhões investidos, mas o canteiro de obras foi fechado por falta de R$ 30 milhões para a conclusão. Em Pará de Minas, no Centro- Oeste, das oito obras da área da saúde, cinco precisaram ser paralisadas e foram retomadas em ritmo lento.
Segundo o secretário municipal de Saúde Cláudio Ribeiro Figueiredo, o município enfrenta um “buraco” em seu orçamento de aproximadamente R$ 5 milhões, entre recursos do estado e da União. “Todo e qualquer tipo de ampliação foi suspenso na área da saúde em Sete Lagoas. E a demanda é sempre uma crescente.”
Como reflexo disso, toda a estrutura do setor está sendo readaptada. “Estamos tendo que adequar tamanho das equipes e atendimento nos equipamentos. Fizemos um corte de 10% no quadro de pessoal. Eram 2.000 funcionários e 200 foram demitidos”, disse. Ainda segundo ele, o convênio da secretaria com a Santa Casa – unidade dá suporte ao atendimento SUS – caiu de R$ 52 milhões (valor anual) para R$ 43 milhões e até o fim do mês terá nova redução. As cirurgias também só estão sendo feitas em casos graves. “Até as ortopédicas estão sendo reprogramadas”, afirmou o secretário.
Em Pará de Minas, no Centro-Oeste de Minas, as obras atrasadas também impactam o quadro do pronto atendimento.
• Esforço para manter atendimento
Diante de extratos bancários negativos, as prefeituras estão tendo que otimizar os serviços para evitar a desassistência. Em Pará de Minas, o secretário de Saúde Cleber de Faria Silva diz que a crise financeira obriga a prefeitura a fazer uma verdadeira ginástica para não encerrar a prestação de alguns serviços, principalmente porque os cortes mais viáveis ocorrem no pessoal. Dos 900 funcionários da secretaria, 50 não tiveram os contratos renovados e outros 40 passarão pela mesma situação, chegando a 10% de cortes. “Como você faz para manter porta aberta sem pessoal? Se continuar desse jeito, teremos que priorizar dentro de uma área que já é prioridade, cortando serviços como odontologia e saúde mental”, diz o secretário.
Em Uberaba, no Triângulo, o débito do estado com o município já gira em torno de R$ 2,5 milhões e, além do atraso, parte dos pagamentos está sendo parcelada, o que tem levado a atraso no pagamento de fornecedores e exigido um rearranjo para dar conta do atendimento. Nos procedimentos eletivos, a crise já mostra seus efeitos. “A fila eletrônica para consultas e exames tem ficado cada vez maior, informa o secretário municipal de Saúde Marco Túlio Azevedo Cury.
No Hospital Municipal Monsenhor Flávio Damato, em Sete Lagoas, referência para 33 municípios na Região Central em urgência, emergência e trauma, foi necessário adotar iniciativas mais rígidas no ordenamento externo, o uso racional de materiais médicos e hospitalares e articulação mais próxima com as duas unidades de pronto-atendimento (UPAs), que somente encaminham pacientes para internação com contatos prévios e que tenham real necessidade de hospitalização. A medida evita pacientes esperando por leitos nos corredores. Os municípios vizinhos também fizeram um acordo para evitar o envio desnecessários de pacientes.
Na UPA Belo Vale, o coordenador de assistência Thiago Boaventura Almeida da Silva conta que precisou remanejar funcionários para não prejudicar o atendimento. “Ortopedista e cirurgião ficam só das 19h às 23h, mas a legislação permite. Depois desse horário, os pacientes são encaminhados para o hospital municipal”, disse Thiago. A UPA faz 9 mil atendimento por mês. “Para conseguir conviver com a crise econômica, a prefeitura está retirando verbas do tesouro municipal”, comentou ele.
O coordenador de enfermagem do Hospital Municipal, Luiz Otávio de Souza, conta que uma das medidas adotadas para enfrentar a crise foi otimizar a gestão de leitos. “Tanto da busca ativa da alta, assim que ela é passível de ser dada com segurança, agilidade no atendimento de enfermagem e médico, e ordenamento da demanda externa”, disse Luiz. Segundo ele, as unidades pré-hospitalares submetem a necessidade de transferência a um sistema regulatório, o que controla a vida do paciente para cá”, disse.
Classificação de risco
Outro ordenamento externo é a classificação de risco feita por um médico do próprio hospital, que analisa a necessidade da transferência. “O paciente só vem para o hospital com leito disponível. Buscamos o entendimento de todos os municípios vizinhos e de outras unidades pré-hospitalares de que corredor de hospital não é leito, que não é um espaço digno de colocar o paciente, disse.
Segundo Luiz Otávio, o tempo de ociosidade dos leitos foi reduzido. “Se tornou muito dinâmico. Eu trago o paciente de uma cidade vizinha ou da UPA e a gente faz a admissão dele no próprio leito que está reservado para ele”, disse. O autônomo Warley Aurélio Souza, de 40, está internado no hospital desde o dia 20, com infecção urinária, e conta que não teve dificuldade de internação. “Cheguei e fui direto para o leito”, disse. São 136 leitos disponíveis. Na sexta-feira, não havia nenhum paciente aguardando nos corredores do hospital e nem na portaria.
Ainda assim, a unidade sofre com o atendimento na ponta. A comerciante Sandra Gonçalves de Oliveira, de 43 anos, que há um mês acompanha a mãe Maria da Glória Gonçalves de Oliveira, de 68, reclama que a mãe, que teve um derrame cerebral, pegou infecção hospitalar naquela unidade. “Ela está com pneumonia, problemas nos rins e eles demoraram demais para medicá-la. Os dedos dos pés dela estão todos roxos e estão querendo amputá-los”, reclama a comerciante. O coordenador de enfermagem admitiu que a mulher pegou infecção hospitalar, mas disse que não houve falha no atendimento.
Dívida antiga de R$ 1,5 bi
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) confirmou, por meio de nota, o atraso nos repasses de recursos aos municípios e informou que herdou uma dívida de R$ 1,5 bilhão e que o trabalho da equipe está focado em saldar o débito e pagar todas as contas mensais do sistema junto aos municípios e prestadores. “Nos últimos meses, com todas as questões orçamentárias amplamente divulgadas pela mídia, a dívida chegou a R$ 1 bilhão”. A nota esclarece ainda que a SES-MG vem quitando o saldo devedor sempre que entram recursos no Fundo Estadual de Saúde. Procurado na quinta-feira para repercutir os atrasos informados pelas prefeituras, o Ministério da Saúde não respondeu ao Estado de Minas e adiantou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não há registro de atrasos nos pagamentos.
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