A um passo da UTI

Atraso nos repasses e crise deixam saúde pública à beira do colapso no interior de Minas

Prefeituras já não sabem o que fazer. Cortes são um esforço das cidades para equilibrar as contas.

Valquiria Lopes Guilherme Paranaiba Luiz Ribeiro

Paciente internada provisoriamente no pronto atendimento em Pará de Minas, à espera de uma vaga no hospital da cidade - Foto: Euler Júnior/EM/D.A PRESS


Cortes orçamentários, serviços não habilitados por falta de verbas e atrasos na liberação de recursos por parte do governo do estado e da União estão levando prefeituras a um passo do colapso no atendimento de saúde. Com pelo menos R$ 1 bilhão do governo de Minas em atraso, os municípios mineiros enfrentam dificuldades para pagamento de médicos, fornecedores e prestadores de serviços. Estão demitindo para enxugar o quadro de funcionários e reduzir gastos com folha de pessoal. Também suspenderam cirurgias, exames e consultas eletivas e até paralisaram programas e atendimentos para manter funcionando a urgência e emergência. Os cortes, cujos resultados vêm sendo monitorados quase que diariamente, são um esforço das cidades para equilibrar as contas, já que muitas prefeituras alegam gastar, atualmente, quase o dobro do valor que devem aplicar obrigatoriamente em saúde, que é 15% de sua receita. Para isso, outras áreas da administração municipal estão sendo sacrificadas.

“Se esse fluxo não for reestabelecido a curtíssimo prazo, a saúde vai entrar em colapso. Os municípios, já em crise, estão tendo ainda que suprir a falta de repasses do estado e do governo federal para que o atendimento se mantenha. Está ficando impossível”, afirma o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Antônio Andrada, prefeito de Barbacena.
Na cidade da Região Central de Minas, considerada um polo regional, a saúde já começa a sentir a pressão de municípios vizinhos, como Ressaquinha, Ibertioga, Carandaí e Bias Fortes que, segundo Antônio, suspenderam serviços. “Já atendíamos procedimentos de alta complexidade. Mas, agora, pacientes dessas cidades estão vindo procurar serviços medianos”, contou o prefeito que já planeja corte de serviços e de pessoal se o quadro se mantiver.

Em outras cidades a situação é ainda pior. Municípios enfrentam um desarranjo total nas contas e já não conseguem atender toda a demanda. Com o orçamento no vermelho, Francisco Sá, no Norte de Minas, acumula uma fila de 700 pedidos médicos de ultrassom; mais de 120 de ressonância magnética e tomografias e 300 consultas de ortopedia em espera. “Estamos devendo prestadores de serviço e fornecedores. Só estamos fazendo esses procedimentos de emergência”, afirma o prefeito Denilson Silveira.

Seis meses de espera

Com a demanda reprimida, o prazo médio para o paciente aguardar pelos procedimentos chega a até seis meses. “É o tempo que o estado deixou de fazer os repasses”, afirma. Ainda segundo o chefe do executivo municipal, cirurgias eletivas, a exemplo das de otorrino e de vesícula, sofreram corte de 40% na cidade. Entre as verbas em atraso, Denilson citou os recursos do programa Saúde em Casa no valor de R$ 600 mil, do governo estadual. “Não recebemos no ano passado inteiro nem neste ano”, informou. Ele disse ainda que há repasses do governo federal em atraso. “Tem faltado insumos básicos para trabalhar, como luva e soro”, conta.

Outro agravante na já crítica situação da saúde é a onda de demissões em vários setores da economia.

Gestores da saúde afirmam que, com a perda dos empregos, cada vez mais pessoas têm procurado o Sistema Único de Saúde (SUS), por terem ficado sem plano de saúde. “Essa situação está ficando insustentável. Somos referência para a micro e para a macrorregião de Juiz de Fora. A saúde precisa ser planejada para 1,6 milhão de pessoas, mas estamos com recursos atrasados e outros sendo parcelados”, afirma a secretária de saúde de Juiz de Fora, Elizabeth Jucá. Segundo ela, o hospital municipal da cidade não pode ser credenciado junto ao governo federal por indisponibilidade financeira da União.

Também presidente da Associação de Municípios do Médio São Francisco, Denilson Silveira explica que o efeito tem sido em cascata. “Temos um hospital municipal que já não consegue mais atender como antes. Para piorar, ele vem sendo mais procurado pela população de cidades no entorno”, afirma. Segundo Silveira, a mesma situação ocorre em Montes Claros. A cidade, que atende média e alta complexidade da macrorregião, está sobrecarregada.

Em Pará de Minas, no Centro-Oeste do estado, a falta de recursos impede melhorias e aumenta o gargalo do atendimento à saúde. Com uma queda de 22% na arrecadação, segundo o secretário de Saúde do município, Cleber de Faria Silva, a cidade enfrenta dificuldade para oferecer assistência médica à população.
Na quinta-feira, a reportagem do Estado de Minas flagrou duas pacientes nesta situação no pronto atendimento da cidade. A aposentada Conceição Pereira Duarte, de 80 anos, já estava há seis dias na unidade, quando o recomendável é no máximo 24 horas. “Aqui é um pronto atendimento e estão fazendo serviço de hospital. Em Pará de Minas não temos nem neurologista. Tivemos que pagar por uma tomografia particular em Itaúna e contamos com um especialista de lá para nos ajudar”, disse a sobrinha da paciente, Dalva Maria Barbosa, 41 anos, técnica em enfermagem.

 

Em processo de deterioração

Lincoln Lopes Ferreira - Presidente da Associação Médica de Minas Gerais

“Estamos vivendo um apagão da saúde, com um sistema que vem sendo cada vez mais subfinanciado e que já enfrenta um processo progressivo de deterioração. Os sistemas vêm sendo fechados pouco a pouco. Equipamentos e insumos não são repostos de forma adequada. A conservação das unidades e a ampliação não atendem à demanda crescente. Com isso, profissionais e pacientes vêm sendo prejudicados de todas as formas. As entradas no sistema estão cada vez mais reduzidas e o atendimento está com estrutura cada vez mais problemática. Esse surto de desorganização acaba se refletindo em outra ponta: no reaparecimento de doenças que chegaram a ser erradicadas e o surgimento de novas moléstias. O incremento que já se percebe em casos de sífilis congênita, leishmaniose, raiva, tétano, dengue, zika e chikungunya é prova disso.

 

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