Lázaro caminhava com um amigo transexual pela Rua da Bahia, por volta das 14h, quando parou para conversar na esquina com a Avenida Augusto de Lima. Nesse momento, relata, ouviu diversas ofensas, entre as quais “nojento”, “aberração” e “não sei se você é homem ou um traveco”. Lázaro viu o homem loiro, com cerca de 1,90 metro e vestindo jaqueta de motoqueiro se aproximar e começar a dar cabeçadas em seu corpo.
“Depois disso, ele olhou para um lado e para o outro e falou que eu tinha que morrer. Me pegou pela manga da minha camisa e me puxou em direção à Rua da Bahia.
Lázaro acredita que foi vítima de uma tentativa de homicídio, pois poderia ter morrido se algum carro passasse quando foi jogado na rua. O caso ocorreu a poucos metros da 4ª Companhia do 1º Batalhão da Polícia Militar. “Quando me acalmei, contei com a ajuda de dois amigos, que foram comigo até a unidade da PM”, conta.
Ao chegar à 4ª Companhia, Lázaro diz ter sido novamente alvo de preconceito, dessa vez dos policiais. “O policial me perguntou como eu deixei que uma coisa dessa acontecesse. Se fosse ele, bateria na pessoa que fez aquilo comigo. Falei que não fui educado para bater em ninguém. Além disso, eu estava vestindo saia e fui examinado de cima a baixo, várias vezes”, complementa.
Ele também conta que o militar fazia piadas com a situação e brincou novamente na hora de preencher o gênero da vítima no boletim de ocorrência. “Também vieram piadas com a minha cor, pois sou negro da pele mais clara e ele também ridicularizou a situação. Nesse momento, eu e meus amigos mostramos que aquilo não era uma brincadeira, o deixando sem graça com o caso”, conta Lázaro.
“A conclusão que eu tiro é que a sociedade não está pronta para lidar com pessoas como eu. O normal para eles é ser masculino, heterossexual”, desabafa. “Com tanta informação, as pessoas não podem mais dizer que o preconceito é causado pela ignorância. Eu escolhi não me calar.
O major Sandro de Souza, da assessoria de comunicação do Comando de Policiamento da Capital (CPC), informou que os cursos de formação da Polícia Militar tanto para soldados quanto para oficiais preveem “o estudo e discussão ampla sobre a questão da diversidade”. Em relação à queixa de discriminação sofrida no momento de realização do boletim de ocorrência, o major informou que precisa ser investigado. Nesses casos, segundo ele, a orientação é procurar o órgão de correição da própria PM e órgãos fiscalizadores, como Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e as comissões de segurança pública e direitos humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (Alemg).
CRIME DE ÓDIO A professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais Joana Ziller, que integra o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG (Nuh), afirma que é importante caracterizar o ataque como um caso de homofobia. “O agressor quis matá-lo apenas porque ele estava de saia, ou seja, remetia ao estereótipo de um homossexual.” O segundo ponto, conforme destaca, é que se trata de discurso e crime de ódio. “Não bastava não conviver com o Lázaro, era necessário que ele não existisse. Isso é muito forte nos crimes por homofobia.”
Joana também pontua o despreparo policial para fazer o boletim de ocorrência. “É preciso perguntar: se o agredido fosse uma mulher ou um homem dentro dos padrões, ainda seria dificultado o registro do boletim de ocorrência como tentativa de homicídio?".
A professora ressalta que as estatísticas mostram que a violência atinge mais frequentemente homossexuais e pessoas trans negras do que brancas. Ela lembra que o movimento LGBT tenta equiparar a gravidade do crime de homofobia ao racismo na legislação brasileira..