Tragédia de Mariana expõe privilégio dado a mineradoras

É o que diz uma das maiores autoridades em conflitos socioambientais do país, acrescentando que desastre revela redução dos investimentos em segurança no setor e obriga a reflexão e correções

Luiz Ribeiro

Passados quase oito meses do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco em Mariana, os atingidos continuam sofrendo as consequências do desastre e pouco foram ouvidos, porque existe no país uma política de regulamentação que favorece os interesses de grandes empresas do setor de mineração.

Essa é a avaliação do professor Henri Acselrad, do Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos mais renomados estudiosos de conflitos socioambientais no Brasil. Por outro lado, avalia, o triste acontecimento revelou a redução dos investimentos em manutenção e falhas no sistema de fiscalização dos empreendimentos minerais. Com isso, surgiu a oportunidade de correção a partir do debate em torno das consequências do desastre.

“O desastre (de Mariana) foi um desastre político e não simplesmente técnico. Ele coloca em discussão toda a estrutura e regulação dos grandes empreendimentos, todos os fatores de risco. O que ruiu não foi somente a barragem, mas a fragilidade do processo de licenciamento e a indisposição do Estado de controlar grandes empresas”, afirmou o especialista, que, nesta quinta-feira, participou do Congresso em Desenvolvimento Social, na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

Foi promovida uma mesa redonda sobre o tema “Desenvolvimento e Justiça Ambiental”. O rompimento da Barragem do Fundão em Mariana e suas consequências dominaram os debates, que contaram com a participação de pesquisadores, professores, estudantes e ambientalistas. Henri Acselrad salientou que a legislação favorece as empresas mineradoras, e que “elas próprias têm a liberdade de escolher o que acham que devem e o que não devem fazer, porque questão de rentabilidade”.
Para ele, essa liberdade acabou propiciando que as mineradoras viessem a investir menos em segurança, diante da baixa de preços dos seus produtos. “Em um período de queda de preços dos minérios, os investimentos em manutenção diminuíram. Elas forçaram a capacidade das barragens de segurar rejeitos. Há uma infinidade de outros erros políticos, decididos e liberados pelos responsáveis”, denunciou.

O professor da UFRJ salientou que um dos erros observados no rompimento da barragem em Mariana foi a escolha de um modelo de barragem que é responsável por 40% dos acidentes no setor de mineração no mundo.“Foram os engenheiros que disseram isso. O inquérito da Polícia Federal também mostrou os erros.”

Ele destacou que é preciso mais discussão sobre os impactos do acidente em Mariana, para que outras tragédias semelhantes não venham a ocorrer. “Esse é o papel das universidades e das ciências sociais, em particular”, afirmou.

Henri Acselrad ressalta que alertou que o sistema de fiscalização das barragens de rejeitos da mineração é frágil e que há risco da situação piorar mais ainda, devido ao poder das empresas. “São inúmeros os indícios de que o sistema de licenciamento sempre foi muito precário e também está sob ameaça. Existe um projeto de emenda constitucional que vai torná-lo ainda mais frágil, com o risco de fazer com que as empresas possam produzir desastres como esse (de Mariana), que acabam com toda uma bacia e tiram a vida de populações inteiras”, disse o especialista, referindo-se a uma proposta de emenda constitucional (PEC 65) apresentada no Congresso que trata da flexibilização da política de fiscalização do setor mineral. O especialista lembrou ainda que há em tramitação em Brasília pelo menos mais cinco projetos com objetivo semelhante.

O professor da UFRJ disse que atual legislação do setor mineral precisa ser modificada, pois favorece os grandes empreendimentos. “A perspectiva é de que venha ser feita uma mudança na política de regulação, para acabar com essa correlação de forças absolutamente assimétrica, em que grandes interesses privados se sobrepõem à população que sofre com as desigualdades. É preciso democratizar a questão”, assegurou, citando as populações dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo e as populações de baixa renda ao longo da Bacia do Rio Doce, que continuam sofrendo com os efeitos do rompimento da barragem de rejeitos do Fundão.

 

(RG)

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