Passados quase oito meses do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco em Mariana, os atingidos continuam sofrendo as consequências do desastre e pouco foram ouvidos, porque existe no país uma política de regulamentação que favorece os interesses de grandes empresas do setor de mineração. Essa é a avaliação do professor Henri Acselrad, do Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos mais renomados estudiosos de conflitos socioambientais no Brasil. Por outro lado, avalia, o triste acontecimento revelou a redução dos investimentos em manutenção e falhas no sistema de fiscalização dos empreendimentos minerais. Com isso, surgiu a oportunidade de correção a partir do debate em torno das consequências do desastre.
“O desastre (de Mariana) foi um desastre político e não simplesmente técnico. Ele coloca em discussão toda a estrutura e regulação dos grandes empreendimentos, todos os fatores de risco. O que ruiu não foi somente a barragem, mas a fragilidade do processo de licenciamento e a indisposição do Estado de controlar grandes empresas”, afirmou o especialista, que, nesta quinta-feira, participou do Congresso em Desenvolvimento Social, na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
O professor da UFRJ salientou que um dos erros observados no rompimento da barragem em Mariana foi a escolha de um modelo de barragem que é responsável por 40% dos acidentes no setor de mineração no mundo.“Foram os engenheiros que disseram isso. O inquérito da Polícia Federal também mostrou os erros.”
Ele destacou que é preciso mais discussão sobre os impactos do acidente em Mariana, para que outras tragédias semelhantes não venham a ocorrer. “Esse é o papel das universidades e das ciências sociais, em particular”, afirmou.
Henri Acselrad ressalta que alertou que o sistema de fiscalização das barragens de rejeitos da mineração é frágil e que há risco da situação piorar mais ainda, devido ao poder das empresas. “São inúmeros os indícios de que o sistema de licenciamento sempre foi muito precário e também está sob ameaça. Existe um projeto de emenda constitucional que vai torná-lo ainda mais frágil, com o risco de fazer com que as empresas possam produzir desastres como esse (de Mariana), que acabam com toda uma bacia e tiram a vida de populações inteiras”, disse o especialista, referindo-se a uma proposta de emenda constitucional (PEC 65) apresentada no Congresso que trata da flexibilização da política de fiscalização do setor mineral. O especialista lembrou ainda que há em tramitação em Brasília pelo menos mais cinco projetos com objetivo semelhante.
O professor da UFRJ disse que atual legislação do setor mineral precisa ser modificada, pois favorece os grandes empreendimentos. “A perspectiva é de que venha ser feita uma mudança na política de regulação, para acabar com essa correlação de forças absolutamente assimétrica, em que grandes interesses privados se sobrepõem à população que sofre com as desigualdades. É preciso democratizar a questão”, assegurou, citando as populações dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo e as populações de baixa renda ao longo da Bacia do Rio Doce, que continuam sofrendo com os efeitos do rompimento da barragem de rejeitos do Fundão.
(RG)