MP vai propor ações à PBH para garantir abrigo com dignidade

Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social vai sugerir à administração municipal ações contra risco de contágio de tuberculose, infestação de percevejos e superlotação apontados pelo EM

Mateus Parreiras

As condições do maior abrigo para a população em situação de rua de Belo Horizonte – com doentes de tuberculose em tratamento deficiente ameaçando transmitir a infecção, precariedade sanitária, infestações de percevejos, violência de grupos de albergados – e o confisco de bens de quem vive nas calçadas e praças da capital mineira foram classificados como inaceitáveis pelo Ministério Público (MP) de Minas Gerais, que promete agir para proteger a dignidade e a saúde dessas pessoas.


A situação foi denunciada na edição de domingo pela reportagem do Estado de Minas, que passou três noites nas ruas e no Albergue Tia Branca, na Floresta, Região Leste da capital mineira. De acordo com o chefe da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social (Cimos) do MP, Paulo Cesar Vicente de Lima, um diálogo será sugerido para que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) remodele o atendimento às pessoas em situação de rua, provavelmente por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a ser proposto nos próximos dias.

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG) também reagiu às situações degradantes relatadas pela reportagem e um requerimento de investigação dessa situação será votado na próxima reunião, programada para amanhã.

No caso da tuberculose, foi um dos próprios agentes de assistência social do albergue quem alertou que como os abrigados não reúnem condições para tratamento eficaz, continuam a transmitir essa infecção das vias respiratórias para pessoas saudáveis que dividem os mesmos quartos da edificação.

“Olha, você não quer um vale-transporte para ir para a casa de um familiar? Aqui, você vai estar no meio de gente que usa drogas, gente violenta, falta higiene e ainda pode pegar doenças difíceis de tratar. Temos muitos tuberculosos que não se tratam ou bebem e os remédios não fazem efeito. Podem te passar a doença pela tosse nos quartos onde dormem de 10 a 30 pessoas”, disse o agente, na noite em que a reportagem pediu para ingressar no abrigo, se passando por morador em situação de rua.

“É uma situação absurda. A população de rua tem uma prevalência 32 vezes maior de tuberculose do que a população normal e por isso, no abrigamento, deveria estar sujeita a uma atenção especial que resguardasse todos os abrigados.
O tratamento normal leva 6 meses, mas uma pessoa fragilizada e sem casa muitas vezes não consegue seguir com as recomendações, tornando o local um risco de saúde pública”, classificou o promotor Paulo Cesar Lima.

“Por esse motivo, temos algumas saídas com a PBH pelo diálogo, como um TAC e recomendações, e se isso não for suficiente até uma ação civil pública por improbidade. As condições do Tia Branca estão inaceitáveis e isso já passou dos limites”, considera.

Moradores de rua fazem fila para entrar no abrigo Tia Branca, no Bairro Floresta - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS

FORA DO PADRÃO
Pelo menos duas investigações estão em curso sobre a situação do Tia Branca na promotoria de Direitos Humanos, de acordo com o MP, que tem colhido informações, laudos e perícias para tomar providências. O Tia Branca, na avaliação dos promotores, é um equipamento fora dos padrões da normativa do Sistema Único de Assistência Social, que prevê o acolhimento máximo de 50 pessoas, sendo que até 400 se amontoam na unidade.

“Como é que numa aglomeração dessas as pessoas que têm depressão, déficit de vontade e estão muito fragilizadas terão atendimento adequado? Imagine como é pavoroso dormir numa cama infestada de percevejos? A chace de uma pessoa se erguer pelas políticas públicas assim é muito pequena”, considera o coordenador do Cimos.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, deputado estadual Cristiano Silveira (PT), disse que vai levar essa questão à comissão, amanhã, e reforçar a denúncia ao MP. “É uma situação muito preocupante a do Albergue Tia Branca, conforme tomei conhecimento. Vamos solicitar à Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público que apure as denúncias veiculadas na reportagem. É preciso que os órgãos responsáveis tomem as devidas providências, o mais rápido possível, para que essa situação não se agrave”, disse.

Para o presidente da Sociedade Mineira de Pneumologia, David Koza, doentes que fazem tratamentos precários transmitem a tuberculose e deveriam ficar em alas separadas adequadas às suas necessidades e ao não contágio de pessoas saudáveis. Integrante do censo dos moradores de rua feito em 2014, o professor Frederico Garcia, do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, disse que os abrigos são soluções paliativas, que protegem à noites ou em situações de extrema necessidade.

“Temos que pensar na reinserção destas pessoas, sobretudo respeitando o desejo delas, que como bem frisaram no estudo, querem ter um trabalho. Os percevejos também foram relatados no estudo e se devem às más condições de higiene de alguns abrigados e de manutenção dos locais. A prevenção contra os percevejos pode ser feita por meio de medidas de controle como a pulverização de colchões e roupa de cama com produtos inseticidas e pela valorização da higiene dos abrigados”, disse..