Jornal Estado de Minas

Especialistas da Unesco destacam princípios da arquitetura moderna na Pampulha

Era início da tarde em Istambul e começo da manhã de domingo no Brasil quando o Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) declarou, por unanimidade, o conjunto moderno da Pampulha, em Belo Horizonte, Patrimônio Cultural da Humanidade. Os integrantes da 40ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial, reunidos na cidade turca, destacaram o local como “centro de um projeto de cidade-jardim visionário criado em 1940” e também as diferentes tradições no entorno da Lagoa da Pampulha, que mostram um pouco dos mineiros e do país. E mais: “os edifícios projetados por Oscar Niemeyer refletem a influência das tradições locais, o clima brasileiro e o ambiente natural nos princípios da arquitetura moderna”.



Ao receber a informação da diretora do Conjunto Moderno, Luciana Feres, que acompanhava a reunião, o presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC) da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), arquiteto e historiador Leônidas Oliveira, não conteve a emoção e lembrou que a campanha é longa. “Um dia, liguei para a Unesco e perguntei porque a Pampulha ainda não era Patrimônio da Humanidade. Foi então que me falaram de uma tentativa, em 1996, que estava no meio de mais de 30 projetos brasileiros. Hoje é o coroamento de um longo trabalho de um grupo que atuou junto”, afirmou. Ele lembrou que foi “um dia da arquitetura moderna”, com o reconhecimento também da obra do franco-suíço Le Corbusier (1887-1965), que deixou seu talento na Argentina, Bélgica, França, Alemanha, Índia, Japão e Suíça.

Em Istambul, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Kátia Bogéa, acompanhou a votação. Para ela, “o Brasil tem muito a comemorar. O conjunto da Pampulha está na origem da produção arquitetônica e urbanística brasileira dentro do Movimento Moderno, e deve ser um bem compartilhado por toda a humanidade. Ao integrar a Pampulha à lista do Patrimônio Mundial, a Unesco está reconhecendo o conjunto como uma obra-prima do gênio criativo humano”.

Sonho renascido em 2012


O desejo de ver o conjunto moderno da Pampulha transformado em Patrimônio Cultural da Humanidade surgiu há 20 anos, mas a ideia morreu no nascedouro. Mesmo na lista indicativa do Brasil, o governo federal não levou a proposta à Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Conforme os especialistas, ainda havia muito por fazer: a poluição da lagoa era um inimigo quase invencível, a degradação do patrimônio arrepiava os cabelos de moradores e assustava turistas, e a descarga de esgoto não parava de aumentar. Uma lástima.



Desta vez, deu certo. A coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, Patrícia Reis, afirma que houve “empenho do governo brasileiro e a devida preparação de uma candidatura bem fundamentada e de alta qualidade técnica”. Ela destacou a iniciativa inédita, no caso brasileiro, de estabelecer, durante o processo de preparação da candidatura, um comitê gestor”.

Em dezembro de 2012, a candidatura começou a ganhar força novamente e começaram os investimentos para garantir a qualidade das águas e bom estado das construções que compõem o conjunto moderno (Igreja de São Francisco de Assis, Iate Tênis Clube, Museu de Arte da Pampulha e Casa do Baile). Por meio da Fundação Municipal de Cultura (FMC), a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) formou uma comissão de especialistas – representantes do poder público nas esferas federal, estadual e municipal, bem como da sociedade civil – para concretizar a proposta, com destaque para a elaboração do dossiê de candidatura a ser entregue à Unesco.

Em abril do ano seguinte, a comissão executiva responsável pela implementação do projeto Pampulha Patrimônio Cultural da Humanidade recebeu técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de Brasília (DF), que visitaram a orla da Lagoa da Pampulha e o conjunto arquitetônico. E a roda começa a girar mais forte. Em setembro de 2014, o arquiteto uruguaio Ruben García Miranda, consultor do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), órgão que auxilia a Unesco na avaliação dos bens candidatos, fez a primeira visita oficial, de caráter consultivo e preparatório no processo de avaliação.



As primeiras iniciativas para dar o título à Pampulha tiveram início em 1996, mas só evoluíramem2012 (foto: Sidney Lopes/EM/DA Press)
DOSSIÊ Uma das etapas mais importantes de toda essa escalada foi a elaboração do dossiê com 500 páginas, o qual foi entregue pela FMC/PBH ao Iphan – o documento era composto de duas partes, uma com o histórico e do mérito para reconhecimento e outra que trata do plano de gestão, pelo qual os órgãos governamentais assumem seus compromissos quanto à administração e investimentos no bem.

Na sequência, o documento foi levado à Unesco pelo Itamaraty. Em março do ano passado, a Unesco comunicou ao Itamaraty e à Prefeitura de Belo Horizonte sobre o aceite da candidatura da Pampulha. No mesmo mês, então, foi criada a Comissão de Gestão, envolvendo várias secretarias municipais, para coordenar e articular ações, projetos e intervenções dos diversos órgãos públicos, além de iniciativas do setor privado, na Região da Pampulha.

A campanha de candidatura ganhou as ruas, foi criada uma logomarca para a Pampulha e o turismo aumentou, segundo o presidente da Fundação Municipal de Cultura, Leônidas Oliveira. Em setembro, foi empossado o Comitê Gestor do Conjunto Moderno da Pampulha, grupo responsável por promover a gestão compartilhada e articulação entre as políticas municipal, estadual e federal e monitorar as ações governamentais de proteção ao patrimônio.



VISITA Em setembro, desta vez em caráter decisivo, BH recebeu a missão de avaliação do Icomos. Durante quatro dias, a arquiteta venezuelana Maria Eugênia Bacci cumpriu uma agenda na cidade para conhecer detalhes da candidatura. Admiradora da obra de Niemeyer e satisfeita com o que viu, ela pediu a revisão do dossiê com a inclusão do Plano de Intervenção para o conjunto moderno da Pampulha. O alívio geral veio em maio, quando a Unesco enviou ao Itamaraty um parecer sobre a candidatura, sinalizando favoravelmente sobre a concessão do título. (GW)

"Título vai tornar Belo Horizonte mais conhecida no mundo pela expressão de sua modernidade" - Marcio Lacerda, prefeito de Belo Horizonte (foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
Turismo vai aumentar, afirma Marcio Lacerda

Para o prefeito Marcio Lacerda (PSB), o título de Patrimônio Cultural da Humanidade concedido ontem pela Unesco ao conjunto moderno da Pampulha, “vai tornar Belo Horizonte mais conhecida no mundo pela expressão de sua modernidade na arquitetura e também pelas políticas públicas implantadas na cidade.” Em pronunciamento na Casa do Baile, Lacerda, comemorou a decisão disse que o reconhecimento da Unesco “trará o incremento do turismo e o reforço da autoestima dos moradores, com o reconhecimento da beleza da Pampulha.”

“O título aumenta o compromisso de tornar BH cada vez mais bonito e acolhedor a todos os seus habitantes”, afirmou o prefeito. Em tom de brincadeira, Lacerda tornou a prometer que em 2017 irá velejar na Lagoa da Pampulha. Segundo o prefeito, até dezembro o espelho d´água alcançará a Classe 3 pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente, o que permite o uso da lagoa para esportes náuticos e pesca. “Vamos deixar o edital já pronto para a iniciativa privada instalar um píer em cada ponto da lagoa. Antes de ter em mãos o documento da Classe 3, ninguém vai se interessar em investir”, completou o prefeito.



Marcio Lacerda afirmou que a Lagoa da Pampulha continua recebendo esgoto, mas que um acordo firmado com a Copasa para resolver o quanto antes a situação. Cerca de 85% do volume do lançamento de dejetos vem, segundo o prefeito, de Contagem. Em relação ao Iate Tênis Clube, que já teve o anexo desapropriado pela Prefeitura, o caso está no Ministério Público de Minas Gerais, em fase de redação de termo de acordo. “Eles vão ter de derrubar aquilo lá. É ilegal. Vai ser preto no branco”, foi taxativo o prefeito. (SK)

Cronologia: 20 anos de campanha

1996 Conjunto Moderno da Pampulha entra na lista indicativa dos candidatos a Patrimônio Cultural da Humanidade, embora sem sucesso, devido à degradação ambiental e do patrimônio

2012 Em dezembro, candidatura é retomada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), via Fundação Municipal de Cultura (FMC)

2013 Em abril, comissão executiva responsável pela implementação do projeto Pampulha Patrimônio da Humanidade recebe técnicos do Iphan

2014 Em 12 de dezembro, PBH, via FMC, entrega o dossiê, com mais de 500 páginas, ao Iphan que, por sua vez, o remete à Unesco

2015 Em março, Unesco comunica ao Itamaraty e PBH sobre o aceite da candidatura da Pampulha

2015 Em setembro, a PBH dá posse ao Comitê Gestor do Conjunto Moderno da Pampulha

2015 Em setembro, BH recebe a missão de avaliação do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos)

2016 Em maio, Unesco sinalizando favoravelmente sobre a conquista do título

2016 Em 17 de julho, em Istambul, na Turquia, o conjunto moderno da Pampulha é reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade