De Belo Horizonte para o mundo, com paradas obrigatórias no Museu de Arte da Pampulha (MAP), antigo Cassino; na Casa do Baile, atual Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design; no Iate Golfe Clube, hoje Iate Tênis Clube; e na Igreja de São Francisco de Assis, integrantes do conjunto moderno reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
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Ao assumir a prefeitura em abril de 1940, o prefeito JK evidenciou sua preocupação com o controle urbano e o crescimento da cidade. Apelidado de “prefeito furacão”, ele convidou o urbanista francês Alfred Agache, então realizando vários trabalhos no Brasil, para estudar a potencialidade da região. O encontro de ideias não deu certo, pois enquanto JK via na Pampulha a vocação para o turismo, lazer e bairro de elites, Agache sugeria uma cidade-satélite, com a missão de absorver as novas demandas de habitação e de se tornar um cinturão de abastecimento agrícola.
No livro Porque construí Brasília, de 1975, Juscelino explicou sua posição: “Discordei do ilustre urbanista, pois o que tinha em mente era capitalizar, em benefício de Belo Horizonte, a beleza daquele recanto com a formação de um lago artificial, rodeado de residências de luxo, com casas de diversões que se debruçassem sobre a área”.
O ENCONTRO Ainda em 1940, JK decidiu ampliar a área da barragem e fazer um concurso para a construção de um cassino. Porém, o vencedor não convenceu com seu projeto, parecido com o Hotel Quitandinha, de Petrópolis (RJ). Sem perder o foco, JK pediu opinião a Gustavo Capanema (1900-1985), ministro da Educação do governo Getúlio Vargas. Capanema havia passou pela experiência de construir o prédio do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, hoje Palácio Gustavo Capanema, primeira construção moderna no país.
Para tanto, convidara o arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965), que revolucionou a arquitetura mundial, sendo chamado de “pai da arquitetura moderna”. “Assim, foi Capanema que apresentou Niemeyer ao prefeito Juscelino Kubitschek”, conta a diretora do Conjunto Moderno da Pampulha/Fundação Municipal de Cultura (FMC), a arquitetura e urbanista Luciana Feres, que foi a Istambul representando o Executivo municipal no encontro da Unesco.
Niemeyer trabalhava na equipe que projetara o prédio do Ministério da Educação e, com o aval de Capanema e do arquiteto Lúcio Costa (1902-1998), JK o convidou para trabalhar em BH. No livro A forma na arquitetura, de 1978, Niemeyer registrou: “Mas se o prédio do ministério projetado por Le Corbusier constituiu a base do movimento moderno no Brasil, é à Pampulha – permitam-me dizê-lo –, que devemos o início da nossa arquitetura, voltada para a forma livre e criadora que até hoje a caracteriza”.
Convite feito, convite aceito: Niemeyer trabalhou nove meses nos projetos das construções inauguradas em 16 de maio de 1943, com a presença do presidente Getúlio Vargas (1882-1954), que andou de barco na lagoa, nas imediações do Iate.
DESPERTAR Em conversas com amigos – e nas páginas do seu livro As curvas do tempo: memórias, de 1998, Niemeyer disse que a Pampulha significou um despertar na sua carreira, servindo de referência até para o projeto de Brasília, inaugurada em 1960 e fruto da sua parceria com o urbanista Lúcio Costa (1902–1998). “A Pampulha foi o começo da minha vida de arquiteto”, registrou o mestre.
Enquanto o mundo ainda valorizava o ângulo reto, a Pampulha explodia em curvas. Com efeito, vai ficar na história uma das frases de Niemeyer que resumem esse pensamento: “Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein”. E evocou Minas, lembrando que as curvas estavam presentes nas “velhas igrejas barrocas”.
ENTREVISTA
Carlos Ricardo Niemeyer - bisneto do arquiteto
‘‘Niemeyer tinha um carinho especial pela Pampulha’’
“Oscar Niemeyer tinha um carinho especial pela Pampulha e dizia que ali foi verdadeiramente o início de sua arquitetura”, diz o superintendente da Fundação Niemeyer, Carlos Ricardo Niemeyer, bisneto do arquiteto. Nesta entrevista, ele fala ao Estado de Minas da satisfação pela conquista do título para a Pampulha e ressalta a necessidade de preservação da região.
Qual o sentimento dos herdeiros de Niemeyer diante da conquista, pela Pampulha, do título de Patrimônio Cultural da Humanidade?
É uma felicidade muito grande, pois, além de mais um reconhecimento mundial da importância da arquitetura de Niemeyer, contribui para a preservação dessa obra. Brasília já recebeu esse título, sendo a primeira grande obra modernista a ser reconhecida como patrimônio mundial, e sabemos o quanto isso foi importante para que a cidade, as obras de Niemeyer e o Plano Piloto de Lucio Costa não sofressem uma descaracterização. Esse título, acreditamos, é fundamental para a preservação da Pampulha.
Seu bisavô chegou algumas vezes a temer pelo futuro da Pampulha, principalmente quanto à Igreja de São Francisco de Assis, que tem pilares de madeira. Quais deverão ser os cuidados, de agora em diante, para a preservação?
Oscar Niemeyer tinha um carinho especial pela Pampulha e dizia que ali foi verdadeiramente o início de sua arquitetura. E ele manifestava sempre seu descontentamento com interferências no conjunto arquitetônico, em especial as mudanças feitas no Iate Tênis Clube. A preservação de suas obras, e mesmo dos espaços vazios em seu entorno eram motivo de preocupação constante.
Um título não é garantia de conservação, tanto que Ouro Preto, no início da década passada, esteve perto de perdê-lo. Qual o maior significado dessa chancela da Unesco, tendo em vista que, recentemente, o painel feito por Portinari para a Igreja de São Francisco de Assis foi pichado?
O título realmente não é uma garantia. Mas é fundamental para destacar a importância dessa obra arquitetônica como patrimônio histórico e cultural, ajudando na conscientização da população. São ações como essas que contribuem para educar as pessoas e as novas gerações. Esse título, conjugado a ações de educação patrimonial e atividades turísticas, forma uma consciência coletiva e diminui as chances de atos de vandalismo.
Os olhos do mundo estarão, a partir de agora, voltados para a Pampulha. De que forma Oscar Niemeyer gostaria que os visitantes vissem a sua obra?
Niemeyer, quando desenhava, buscava fazer sempre algo diferente, que causasse surpresa. Esse era um objetivo de sua criação. Acho que é isso que ele gostaria: que as pessoas tivessem uma grande surpresa ao ver sua obra cheia de beleza e liberdade.