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Estado de Minas

Casal doa órgãos da filha de 9 anos, em ato inédito na UTI da Santa Casa de BH

Santa Casa de BH registra a primeira doação pediátrica de órgãos múltiplos em sete anos, destinados a seis crianças. "Elas estão sorrindo", diz a mãe de Isabela, que morreu aos 9


postado em 22/07/2016 06:00 / atualizado em 22/07/2016 18:00

Para os pais João Ildefonso e Elizabet dos Santos, a doação de órgãos foi um consolo para a perda da filha(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Para os pais João Ildefonso e Elizabet dos Santos, a doação de órgãos foi um consolo para a perda da filha (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Desta vez, não adiantava ter pressa nem querer rapidez. O assunto exigia delicadeza. Sentadinhos na sala de espera da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, estavam o pai, obreiro de uma igreja evangélica de Betim, João Ildefonso Filho, de 38 anos, e a mãe, a manicure Elizabet Alvarenga dos Santos, de 34. O casal parecia abatido, mas estranhamente sereno. Há cerca de 15 dias, havia tomado a decisão mais importante de suas vidas: concordou em doar os órgãos da filha Isabela, de apenas 9 anos, que sofrera morte encefálica após ser submetida à terceira cirurgia do coração, sem sucesso. “Já tinha a consciência de que a Isa não estava mais comigo. Meu consolo foi me colocar no lugar dessas mães que agora estão tendo uma segunda chance de ter seus filhos queridos por perto. Elas estão sorrindo”, afirmou a mãe. “A verdade é que a Isabela nunca foi nossa. Ela nem foi um presente de Deus, porque depois a tomou de volta. Apenas emprestou para a gente”, completa o pai, com um meio sorriso, conformado.

Em 8 de julho, a menina, cardiopata de nascença, descrita como alegre e brincalhona morreu. No entanto, antes de ir para o céu, como acreditam os pais, Isabela ajudou a salvar pelo menos seis das 73 crianças de Minas ou 910 no Brasil, ativas no registro brasileiro de transplantes até março deste ano, último dado fornecido pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Somente na Santa Casa, é o primeiro caso conhecido de doação pediátrica de múltiplos órgãos em sete anos, desde 2009, segundo a Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecido para Transplante (Cidot) da Santa Casa. Se já é duro para parentes autorizarem uma doação de órgãos, a complexidade aumenta quando o ato de desprendimento envolve liberar os órgãos de uma criança que, culturalmente, ainda não estava na hora de partir. “Quando se trata de criança, a morte foge ao padrão da continuidade da vida, que é crescer, envelhecer e morrer. Além do mais, costuma ser também trágica, provocada por acidentes e não pela evolução de uma doença, o que faz com que as pessoas tenham mais dificuldade de aceitação, tanto pais quanto profissionais envolvidos”, compara a enfermeira da Cidot da Santa Casa, Mara Rúbia de Moura.

Se não fosse pela iluminação dos pais de Isabela, que deram a permissão para a retirada dos rins, córneas, pulmão e fígado, exceto do coração doente, outras seis crianças brevemente teriam o mesmo destino da menina. A média de tempo na fila por um órgão pode variar entre um mês a até dois anos ou mais, dependendo de haver compatibilidade entre doador e paciente. “Esse casal é diferenciado, muito em função da fé. Os dois conduziram o processo com verdade e clareza, fazendo todos os testes até ter a certeza da morte cerebral da filha”, conta a pediatra Filomena Camilo do Vale, lembrando que o pastor ainda encontrou forças para propor uma oração com a equipe de saúde, depois de se despedir da filha pela última vez.

“As meninas tiravam os aparelhos e choravam, mas eu já sabia que, ali, não tinha mais nada a ser feito”, revela João Ildefonso. Ele e a mulher acompanharam todos os testes neurológicos, até ter a certeza de que a filha havia sido declarada com morte encefálica. “Diferentemente do coma, em que o paciente tem chance de voltar à consciência, a morte do cérebro é irreversível. O coração está batendo, mas a pessoa não está mais ali. Não há dúvida”, esclarece Omar Lopes, diretor do MG Transplantes, lembrando da importância de cada um revelar aos familiares o desejo de se tornar doador universal, pois cabe somente a eles a decisão de autorizar a retirada dos órgãos pelo hospital. “No Brasil, posso afirmar que não existe tráfico de órgãos em nosso sistema de transplante, que é copiado por outros países. É tudo muito fiscalizado pelo Ministério da Saúde e até os líquidos onde os órgãos devem ficar imersos são rigorosamente controlados”, garante o médico.

Poucos dias antes de fazer a cirurgia, Isabela anotou no diário pessoal, com a grafia da 7ª série, o trecho a ser depois descoberto pelos pais: “Vou (me) internar para fazer minha terceira cirurgia do coração. Eu não sei pessoalmente o que eles vão fazer, mas de uma coisa eu sei, que Deus vai estar lá comigo, me dando força, por isso não preciso me preocupar”. Na avaliação de João e Elizabet, a menina já adivinhava o resultado da operação, mas se mostrava tranquila com relação a tudo. A mãe completa: “Isabela era muito grata a tudo, podia ganhar uma borracha, que pulava no meu pescoço de felicidade. Quando ganhou o cachorro, achei que passaria mal, pois o coração disparou. Com certeza, se a gente tivesse conversado sobre isso antes, ela aceitaria ajudar outras crianças”.


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