Eles representam, em média, 43% do total de desaparecidos em Minas. Mas, mesmo tendo tanta representatividade no universo de pessoas que somem de casa sem deixar pistas, crianças e adolescentes são os menos encontrados pelas autoridades de segurança pública no estado. Dados da Polícia Civil mostram que, das 10.888 pessoas na faixa etária de 0 a 17 anos que sumiram entre 2014 e 4 de julho deste ano, apenas 4.387 foram contabilizadas como encontradas, ou 40,2% dos casos. Na faixa etária adulta, o percentual é de 54% de solução e de 40,9%, entre idosos. Um dos casos de sumiço de menores que continua desafiando a polícia completou ontem 40 dias sem solução: ainda não há informações sobre o paradeiro da adolescente Ana Paula de Carvalho Lopes, que sumiu em 25 de junho, depois de sair do Condomínio Miguelão, em Nova Lima, na Grande BH, para ir à casa de uma amiga.
O baixo índice de elucidação de casos como esse é alvo de críticas das famílias que sofrem com o desaparecimento de um parente, mas também de especialistas. Para muitos, o problema é resultado da falta de tecnologia, infraestrutura e de profissionais qualificados e em quantidade suficiente para atender à demanda de todo o estado.
O especialista destaca outros agravantes e explica que crianças e adolescente são frágeis e vulneráveis diante desse tipo de crime. Ele alerta ainda para a existência de uma rede criminosa altamente organizada, motivada por interesses econômicos no sequestro de menores. “São quadrilhas de tráfico de pessoas para comércio de órgãos e tecidos e também para exploração sexual, que levam em consideração a situação de fragilidade dos menores para essas duas modalidades de crime extremamente perversas”, adverte.
Apesar de já considerar que as estatísticas revelam um quadro crítico no que diz respeito à proteção de crianças e adolescentes, o especialista avalia que o cenário é ainda pior. “Para além dos casos notificados, existe um sub-registro expressivo, especialmente no interior e em núcleos familiares em situação de vulnerabilidade social, em que as pessoas têm pouca instrução, o que colabora para que esses dados não apareçam”, diz. Robson Sávio reforça que, enquanto não for criado um aparato de segurança pública que possa aumentar a elucidação de casos – não só de desaparecimento de menores, mas de pessoas de qualquer faixa etária –, essas redes criminosas vão continuar tendo força. “Sem estrutura, a polícia age nos casos de maior repercussão e quando é motivada. Isso mostra claramente a incapacidade de elucidar os casos. Muitas vezes, é a família quem tem que ficar levando informações à polícia e não o contrário, como deveria ser”, afirma.
"NAS MÃOS DA POLÍCIA" Essa é a maior queixa da doméstica Luciene Dias de Carvalho Lopes e do marido dela, Paulo Carlos Lopes, pais da adolescente Ana Paula, desaparecida em Nova Lima em 25 de junho. De acordo com a mãe, falta empenho da Polícia Civil para investigar o caso. “Já são 40 dias e ainda não há nenhuma pista que possa levar à minha filha. Até mesmo um vídeo que mostra um carro parado no ponto de ônibus, no momento em que ela estava no local, foi meu marido que teve iniciativa de buscar na empresa que faz a linha”, reclama. O carro em questão foi flagrado por câmeras de segurança de um coletivo que passou pela marginal da BR-040, parado ao lado do ponto de ônibus onde Ana Paula foi vista pela última vez.
Porém, como as imagens não são de boa qualidade, não foi possível descobrir a placa ou o modelo, mantendo o mistério sobre o caso que, segundo a Polícia Civil, envolve investigadores e delegados de três delegacias da região metropolitana: o Departamento Estadual de Operações Especiais (Deoesp), a Delegacia Regional de Nova Lima, além da Divisão de Desaparecidos, na capital.
A mãe da adolescente diz ainda que “se tivesse como pagar, contrataria um investigador particular” e que, como não tem, “acaba ficando na mão da polícia”. Apesar da angústia alimentada a cada dia diante da falta de informações, Luciene acredita no retorno da filha. “Meu coração diz que ela está viva e está bem. E coração de mãe não se enganha”, desabafa.
Para delegada, falta retorno de parentes
À frente da Divisão de Referência da Pessoa Desaparecida, a delegada Elizabeth de Freitas Assis Rocha confirma que o desaparecimento de crianças e adolescentes é desafiador para a polícia, mas diz que a estatística pode ser comprometida por episódios em que a família não informa à polícia quando o menor retorna para casa. “Muitas vezes, o jovem sai de casa voluntariamente e a família faz o registro de desaparecimento. Mas, quando ele volta ao convívio familiar, os pais não comunicam a localização”, afirma a delegada.
Questionada se não deveria ser responsabilidade da polícia ter acesso a esse tipo de informação, já que a corporação, em tese, está investigando o desaparecimento, a delegada limitou-se a dizer que “os casos são muitos e muitas vezes a polícia trabalha com vários ao mesmo tempo”. “Evidentemente, existem as investigações, mas assim que o adolescente retorna, cabe à família fazer o comunicado para que a investigação seja encerrada”, disse.
Sobre a estrutura especializada para investigação das ocorrências de desaparecimento, a delegada preferiu não comentar o assunto. E esclareceu que, enquanto adultos desaparecem principalmente motivos como uso de álcool e drogas, dificuldades financeiras ou problemas mentais, menores saem de casa sem dar notícia por outras motivações. “No caso das meninas, o desaparecimento é na maior parte das vezes motivado por conflitos familiares e questões de namoro ou envolvimento com festas, enquanto entre garotos são mais comuns os registros de sumiço por iniciação no mundo do crime, especialmente com o tráfico de drogas”, afirmou. A delegada ressaltou ainda que a Polícia Civil de Minas trabalha de forma articulada com outros órgãos parceiros e conta ainda com um setor de assistência social e psicologia para atendimento a crianças e adolescentes desaparecidos, assim como às famílias, na tentativa de esclarecer o motivo que resultou no desaparecimento.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Polícia Civil informou ainda que todas as delegacias de Minas estão aptas a investigar ocorrências de pessoas desaparecidas, que têm apoio também da Divisão de Referência da Pessoa Desaparecida de BH. De acordo com o último levantamento da instituição, o estado conta com cerca de 12 mil policiais civis efetivos, mas o número oscila em razão de afastamentos e aposentadorias. Segundo a corporação, a partir do próximo mês haverá reforço de mil investigadores que estão em fase final de formação. Esses agentes serão designados para delegacias, de acordo com a necessidade de cada uma.
Sobre suposta existência de uma rede de tráfico de órgãos, considerando os dados existentes desde a fundação da Divisão Especializada, a Polícia Civil sustenta que não há registros capazes de sustentar essa afirmação. Porém, ocorrências de exploração sexual de crianças e adolescentes ainda se manifestam como crime continuado em todo o país, sendo combatidas pela Delegacia Especializada na Localização de Crianças e Adolescentes e pelas forças de segurança pública como um todo.
Ainda segundo a nota, Minas Gerais conta com a Delegacia Virtual, que recebe registros de desaparecimento e de localização via internet, além de sistema informatizado capaz de cruzar dados de registros de desaparecimentos com o banco de dados do Instituto Médico-Legal (IML). O sistema armazena e compara características como idade, data do desaparecimento, cor dos olhos, da pele e tatuagens, entre outros.