No século passado, era comum os pais serem figuras distantes, vistos sobre um pedestal de poder, provisão do sustento e força, daquele tipo a quem o filho pedia licença para se aproximar. Os novos papais, chamados de ativos pelo Guia da Paternidade Ativa, lançado este ano pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), já se deparam com dramas de consciência diários que costumavam ser exclusividade das mães que trabalham fora.
Na cabeça desses homens do terceiro milênio, que querem ver os filhos crescerem e pretendem ser corresponsáveis pela educação, surgem preocupações como a necessidade de conciliar a agenda do serviço e a rotina das crianças, a resistência das mulheres em dividir o colo e até a sensação de ser menos valorizado pelos filhos, na comparação com as mães. Mas também curtem pequenos momentos que antes lhes passavam despercebidos. Como as mães, padecem no paraíso.
“Meu filho, papai está aqui esperando você nascer. Papai te ama muito e mamãe também está muito ansiosa pela sua chegada. Diegão não está aqui agora, mas seu irmão vai ser seu amigo”, improvisou o administrador de empresas Cristiano Amorim, de 35 anos, todo paramentado, falando para a câmera da Maternidade Otaviano Neves. Mal segurava a aflição para ver o rostinho do segundo filho, Caio, que nasceu com 3,8 quilos e 52cm na sexta-feira, sendo preparado durante nove meses no ventre da psicóloga Fabiana Ziviani, de 34.
A “surpresa” teria alta neste domingo, exatamente no Dia dos Pais. “Sei que muitos não aguentam ver sangue. Mas vou entrar lá (na sala de parto) e acompanhar tudo. É uma pena o Diego não poder vir. Será que ele vai receber bem o irmão?”, pergunta-se o pai de segunda viagem.
Na nova paternidade, que está em processo de mudança na sociedade, está previsto que os homens desenvolvam habilidades que antes pensavam nem ter, como ajudar filhos a se trocar, a se alimentar e a fazer o dever de casa, por exemplo.
“No cenário atual, é esperado que os homens sejam protagonistas de uma mudança de papéis para os quais, muitas vezes, não foram preparados para exercer nem encontram mecanismos para tal. Quem consegue fazer isso pode se considerar um pai diferenciado, que está rompendo barreiras históricas”, afirma Rafael Acioly, de 33, educador do Instituto Papai, fundado há 19 anos no Recife (PE).
Ele lembra que, desde cedo, mulheres em geral são adestradas a brincar de casinha e bonecas, enquanto os meninos lidam com elementos de força, nos heróis; de trabalho, nos kits de ferramenta; e de velocidade, nos carros e caminhões.
APRENDIZADO
“A paternidade se aprende com a prática”, ensina o Guia sobre a Paternidade Ativa do Unicef, distribuído no Chile, o que torna natural que existam dúvidas e preocupações sobre como ser pai. “Não quero ser aquele pai sisudo, aquele pai julgador, aquele que dita o que é certo ou errado. Prefiro ser o pai companheiro, amigo. Mas pode ser que, amanhã, eu veja que tudo isso deu errado e tenha de fazer o contrário”, reflete Cristiano Amorim, mais emotivo, antes de entrar na sala de parto para assistir ao nascimento do filho.
O administrador explica que, na rotina da família, é ele quem leva para a escola o mais velho, Diego, de 1 ano e 4 meses, todos os dias, fazendo questão de almoçar sempre em casa. Com a chegada de mais um, a tendência natural é que os trabalhos aumentem. “Faço tudo o que posso, mas as crianças pequenas só chamam pela mamãe, vovó, titia. Tenho a sensação de que, se eu sumisse agora e voltasse quando os meninos crescessem um pouquinho, não faria muita falta. É só depois de 2, 3 anos de idade que o pai entra na história, com a função de mostrar autoridade”.
Empenho em participar
Vítima das agendas. Esse seria o slogan de si mesmo, definido pelo publicitário e escritor Maurilo Andreas, de 44 anos, autor do blog O Pastelzinho, instalado no Portal Uai. Ele não tem pudores em revelar o sentimento de culpa por não dedicar ainda mais tempo a Sophia, de 11. Chegou a cogitar refazer os planos da carreira a longo prazo, mas depois deixou o lado extrovertido e brincalhão, seu traço mais conhecido, falar mais alto. “Depois, lembrei-me que Sophia tem agenda 10 vezes pior do que a minha”, desconversa.
O nascimento da filha mexeu com a cabeça do profissional: “Chegou a passar pela minha cabeça reduzir a jornada de trabalho em prol de uma pretensa qualidade de vida com as duas (a filha Sophia e a mulher, Fernanda) mas depois refleti que seria complexo demais. O tempo livre poderia se transformar mais tarde em ócio, frustração. “Tento ser um pai ativo, mas se estou conseguindo não dá para saber”, confessa ele, que busca a filha na escola duas vezes na semana e a leva ao futebol com a mesma periodicidade.
Há um mês, Maurilo lançou um livro com as histórias inventadas para a menina, que só aceita o pai na hora de dormir. “Faço as vozes dos personagens. Deve ser isso”, afirma ele, sem esconder uma ponta de satisfação. Ao que parece, Sophia dá todo o apoio à carreira do pai.
“No Dia do Escritor, ela fez uma homenagem para mim. Gravou um vídeo para a agência onde trabalho”, conta. Quanto à possibilidade de ser um pai ausente, mais afastado da família, dedicado às criações, Maurilo responde: “Isso não é uma opção para mim. Não sou assim, nem quero ser. Mas não vou julgar a realidade das outras famílias, Cada pessoa sabe do seu dia a dia”.
SEJA ATIVO
Guia do Unicef de como ser um bom pai no terceiro milênio
» Ter uma relação afetuosa e incondicional com seu filho
» Manter uma relação que vá além do provimento financeiro
» Participar dos cuidados diários e da criação do seu filho, dando comida, ajudando-o a se vestir, colocando-o para dormir e ensinando-o
» Promover um vínculo carinhoso, de apego mútuo e de proximidade emocional com seu filho
» Compartilhar com a mãe as tarefas de cuidados com o filho e com a casa
» Estar envolvido em todos os momentos do desenvolvimento do seu filho: gravidez, nascimento, primeira infância, infância e adolescência
» Incentivar o desenvolvimento de seu filho: lendo histórias, cantando e/ou colocando música, apoiando-o em trabalhos de casa e brincando com ele
Como arranjar tempo para o filho
» Sobre as dificuldades de conciliar a participação ativa na criação do filho com uma eventual carga pesada de trabalho, pequenos momentos devem ser respeitados quando possível
» Vale pedir permissão no trabalho para participar de alguma atividade escolar do filho, ou levá-lo ao médico, por exemplo. Quando não for possível, é importante se manter informado de tudo o que aconteceu nessas ocasiões
» No caso de o pai passar o dia inteiro fora de casa, deve garantir que o pequeno tempo que tem com o filho seja de qualidade: priorizando o contato físico e o diálogo e evitando distrações como TV e celularGuia do Unicef de como ser um bom pai no terceiro milênio