“Algumas pessoas na internet se acharam no direito de pegar fotos antigas minhas e comparar com imagens recentes. E essas fotos mostram o quanto eu fiquei mais afeminada, o quanto eu fiquei mais bicha”, diz a estudante de Ciências Sociais da UFMG Lea Monteiro. Na manhã desta quarta-feira, ela foi a um cartório de Belo Horizonte para autenticar os prints da página “Antes e Depois da Federal”. O perfil do Twitter expôs e ridicularizou imagens da jovem, que, em seguida, formalizou boletim de ocorrência em uma delegacia da capital.
Uma das imagens mostra a estudante de saia e maquiagem. Até o momento, a postagem passou de 175 retweets e 245 curtidas, além de diversos comentários homofóbicos e ofensivos. Um deles ataca: “O pai chorar no banho é pouco. O coitado do pai desse arrombado aí já ter tentado se suicidar.” O twitter Antes e Depois da Federal acumula polêmicas desde que foi criado – a última conta do perfil é de julho de 2016, e tinha 18,5 mil seguidores no momento de publicação deste texto.
Desabafo
“Na hora, por incrível que pareça, eu não fiquei surpresa”, conta Lea. “Eu já sabia que a forma como eu me expressava, a forma como eu me comporto, a forma como eu manifesto meu gênero já incomodava muita gente”.
Desse modo, o meio virtual potencializa um fenômeno que já existe na sociedade, mas há reforço com a questão do anonimato nas redes. "Ao mesmo tempo em que veio essa coisa horrível que foi a exposição, a ridicularização e as ameaças físicas no Twitter, eu também recebi muito apoio das pessoas do facebook, e muita gente denunciando a página”, pondera Lea.
Direitos
Depois de receber várias mensagens encorajadoras, Lea decidiu levar o caso à Justiça. E é justamente isso o que recomenda Sérgio Rosa, coordenador do Centro de Referência de Políticas Públicas LGBT de Belo Horizonte. O centro acolhe demandas relativas a essa causa e repudia qualquer discriminação. Segundo o coordenador, "todos têm direito de circular segundo as relações que estabelecem e essas experiências únicas devem ser respeitadas".
Em BH, existem delegacias especializadas na investigação de crimes cibernéticos.
Gêneros fabricados
“Hoje a gente vive um tempo em que a comunidade LGBT vem ganhando espaço, em relação a direitos, a questões de cidadania e na mídia”, ressalta Lea. “E quando elas vêem o meu corpo, quando elas vêem que eu posso explorar meu corpo, elas percebem que seus próprios gêneros também são fabricados, e que tudo que elas constroem em seu corpo também é uma fabricação. O meu gênero é tão real quanto o delas”. Ela acredita que é devido a essa dificuldade de aceitação que decorrem as reações violentas.
Mas como comenta Sérgio Rosa, a aceitação e o respeito devem andar juntos, pois é apenas desse modo que existe a possibilidade de convívio com as diferenças. “Me considero não-binária porque desde criança nunca tive realmente a opção do armário. A condição de homem sempre me foi negada e a de mulher nunca me foi concedida. A diferença é que agora tenho orgulho de ser quem eu sou e coragem para experimentar meu corpo de formas diversas; no entanto isso incomoda muita gente”..