A muralha verde formada pela densa vegetação de mata atlântica do Parque das Mangabeiras esconde mais do que os ninhos de jacu e os galhos onde se entocam os quatis. Maior área preservada de Belo Horizonte, com 240 hectares, o parque completa 50 anos de sua incorporação como reserva ambiental da capital mineira, ainda com segredos abrigados em áreas de acesso difícil e restrito, como as oito cavernas de canga de minério de ferro habitadas por aranhas peçonhentas, as 59 nascentes que brotam do interior da floresta para formar o Córrego da Serra e as estruturas remanescentes da época em que toda a extensão pertencia à mineradora Ferrobel. A reportagem do Estado de Minas percorreu por dois dias as matas e trilhas escondidas do maior parque belo-horizontino para revelar os segredos que passam despercebidos pelas pessoas que buscam aquele espaço para passeios, práticas esportivas e contemplação. Locais de passagem proibida para manter a conservação planejada há 50 anos, como previsto pelo Decreto municipal 1.466, de 24 de outubro de 1966, assinado pelo prefeito Oswaldo Pieruccetti e que determinou que a área localizada “nas fraldas da Serra do Curral” tivesse suspensa imediatamente a caça de suas espécies – o que ainda era comum naquela época –, bem como iniciou os esforços para perpetuar a flora e a fauna.
Saindo da estrada de calçamento de pedras, o primeiro obstáculo é um pequeno córrego. Do outro lado da margem, a passagem é por um labirinto de varas de bambus, até começar a subida numa floresta de mata atlântica fechada e íngreme, com visibilidade inferior a seis metros em alguns pontos. O chão é pedregoso, irregular e os tropeços são comuns, já que um extenso tapete de folhas chega a encobrir os pés até a linha do tornozelo. Cipós entrelaçados e ervas de espinhos trançadas entre as árvores tornam a rota até as formações mais penosa. “Durante as chuvas começa a brotar água de tudo que é lado e fica muito difícil de andar. E até perigoso, porque os córregos e filetes de água ganham muito volume rapidamente. As cavernas ficam mais perigosas por causa da proliferação de fungos”, afirma Helênio.
A queda de árvores de grande porte, com muitos galhos secos e espinhos, interrompe diversas vezes o caminho que só o Helênio reconhece. Com isso, por várias vezes é preciso desviar nas áreas mais densas da mata, até contornar as árvores e voltar para o caminho. O paredão onde se encontram as grutas aparece de repente, já que a visibilidade é restrita a poucos metros. As rochas desse paredão apresentam várias camadas, onde se equilibram pequenos arbustos e pelo qual descem as raízes das árvores mais altas, fixas no topo do morro.
RISCO A primeira formação, batizada de Caverna da Curva da Copasa, abre-se no meio do paredão. A umidade e a temperatura da caverna aplacam o calor, mas não há conforto, pois o teto baixo obriga os exploradores a avançar agachados e até se arrastando sobre a superfície irregular formada pelos depósitos de minério. São 18 metros até o fundo. No caminho aparecem muitos pedaços de insetos e asas de baratas, dando a impressão de que algum predador aproveita o aconchego do local para se alimentar. “Todas as cavernas abrigam cachorros-do-mato. Até porque, em algumas delas praticamente só os cachorros conseguem entrar”, conta o segurança. Outro perigo daquele espaço é a leishmaniose, já que há muitos mosquitos-palha que se contaminam com o sangue dos cachorros infectados e se tornam transmissores da doença.
Adiante, o caminho para a mais misteriosa das cavidades naturais: a Caverna da Armadeira. O nome se deve à presença das armadeiras, aranhas agressivas e venenosas, responsáveis por quase metade das internações por picadas de aracnídeos no Brasil. É por cima do paredão de pedras e depois descendo por grotas úmidas que se transformam em córregos com as chuvas que se chega à estreita abertura, no meio de um paredão e a dois metros do chão. Helênio toma a frente para verificar se encontra armadeiras, mas não vê nenhuma. Pelos 10 metros de extensão da caverna só se movimenta arrastando. Nenhuma armadeira foi encontrada, mas num dos contornos de canga de minério de ferro havia duas aranhas-marrons, que têm veneno ainda mais tóxico e capaz de necrosar a pele no local ferido. Um dos animais estava tranquilamente tecendo uma teia entre as paredes da cavidade enquanto outro se aproximava de um inseto capturado.
Os caminhos para as nascentes são igualmente intuitivos e neles há relatos de encontros com micos-estrela, esquilos, tatus, cobras corais, boipevas, jararacas e cipós. É desses mananciais escondidos pela mata densa que segue a água que abastece atrações como o Lago dos Sonhos e a Cascatinha. Nos cursos d’água ainda se encontram ruínas das barragens, tanques, canaletas e tubulações da antiga mineração. Lembranças da ocupação inicial do espaço, que agora se transformaram em suportes para ninhos de pássaros, poleiros de jacus e playgrounds dos quatis.