Tudo começa com o desejo, depois segue na linha, guiada pela agulha sobre o tecido, até chegar ao destino: a colcha, a tolha de mesa ou, quem sabe, um pano de prato. A história de Minas vem sendo bordada séculos a fio pelas mãos femininas, marcada pela criatividade dos riscos e preservada, por muitos, como requintada obra de arte. “Bordado deve ser escrito com letra maiúscula e sempre visto como patrimônio imaterial, pois é a cultura do saber e do fazer”, ressalta Maria do Carmo Guimarães Pereira, fundadora e diretora do Maria Arte e Ofício, em Belo Horizonte, espaço de referência e de ensino da atividade que remonta, no país, aos tempos coloniais. Lutando pela instalação de um memorial, a fim de expor o fruto de doações e aquisições guardado em mais de 20 malas e baús, ao lado de moldes centenários, ela promove encontros para falar do tema que a apaixona e se mantém cada vez mais vivo entre as alunas do curso de bordadeira oferecido no Bairro Carmo, na Região Centro-Sul.
PONTOS DE ARTE Cada peça acondicionada nas malas e baús tem uma história e se apresenta como recorte de épocas. “Veja esta camisola doada por uma senhora de 92 anos. Ela me entregou, contou que foi usada na sua noite de núpcias, mas pediu que não pusesse seu nome na exposição, pois se referia a um momento muito íntimo”, diz Maria Aparecida para dar a noção das mudanças de comportamento. Envolvida no ofício há mais de 40 anos, ela conta que a arte do bordado, que em Minas encontrou solo fértil e dedos talentosos, sofreu duros revezes: o primeiro, com a introdução no Brasil da cultura norte-americana, na década de 1960, responsável por tirar das bancas as revistas europeias e inundar o mercado de publicações institucionalizando o ponto de cruz. Agora, há a invasão chinesa, japonesa e outras via internet.
“Até meados do século passado, o bordado era ensinado nas escolas, tinha nota na caderneta, assim como o canto orfeônico”, diz Maria do Carmo, que, no seu espaço, prima por preservar o conhecimento, estendendo essa missão à iniciação das crianças. “Não é difícil aprender a bordar. O primeiro passo é ter o desejo, depois basta enfiar a linha na agulha”, revela, com a experiência de quem entende do riscado. “Não podemos perder nossas referências, por isso o memorial é de suma importância. O estado sempre teve bordados de qualidade, mantendo neles a religiosidade, o capricho e o requinte.” Se em priscas eras a atividade prendeu as mulheres em casa, atualmente adquire outros contornos. “Hoje, quem borda é revolucionária. Trata-se de um ofício que se reverencia, traz a linha até o peito”, compara. E ainda tem um caráter terapêutico, pois proporciona o relaxamento nas horas de aprendizagem ou produção. Além desse aspecto, as alunas fazem pesquisas, de forma a deixar para futuras gerações todas as informações sobre o ofício.
LEMBRANÇAS Hoje faz dois meses que a advogada Regina Massara, também formada em história, ficou viúva. O coração anda apertado, os olhos umedecidos, mas ela encontra alento na aula de bordado, à qual vai uma vez por semana. Transformando a dor em arte, ela borda uma mandala, em cores vivas, sobre a radiografia do rosto do falecido marido. “É um símbolo de vida”, afirma Regina, que une o bordado à história e tradição e o associa à memória dos avós, imigrantes que vieram da Itália e se estabeleceram em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Eu me enriqueço aqui a cada dia”, observa a advogada ao recriar, no bastidor, a ilustração feita pelo chargista Quinho em homenagem à Igreja de São Francisco de Assis e a Oscar Niemeyer (1907-2012), publicada no Estado de Minas no dia em que a Pampulha foi eleita Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Filha de uma bordadeira, a arquiteta Cláudia Gontijo, moradora do vizinho Bairro Sion, aprendeu o ofício quando menina e vem aprimorando a técnica. Diante de um pedaço de filó, ela brinca: “Passamos muito tempo filosofando”. Para ela, a melhor tradução das aulas é compartilhamento e encontro. Ao lado, as colegas Rosemarie Naufel, psicóloga, e Maria Alice Monteiro Magalhães, que prefere se declarar bordadeira, ouvem as orientações de Maria do Carmo sobre matiz, aplicação, pontos de haste, atrás e feston. E outros de nomes bem sonoros e de origem francesa, como richilieu, frivolité, cordoné, festoné e ilhós.
Para a psicóloga Maria Aparecida de Oliveira Andrade Araújo, que iniciou o curso há quatro anos “sem saber nada”, as aulas entram na vida de cada uma por um viés. “Ajudam a te acalmar, te dão um lugar, um ritmo”, explica enquanto borda a toalha de mesa. Já para Adriane Guimarães Loureira, professora residente na Pampulha, o trabalho encanta, pois cada uma pode escolher o motivo, fazer a combinação de cores e escolher o material. Homens também já apareceram no curso e são bem-vindos, diz Maria do Carmo, embora a mulher tenha uma relação diferente com a linha, que sempre volta ao peito: “É como se fosse o cordão umbilical ligando o filho ao ventre”.
SERVIÇO
Dia 3 de setembro
Bordando no Jardim de Maria, com o tema “Bordado de Viana do Castelo, de Portugal”
Dia 18 setembro
Exposição de bordados
Local: Maria Arte e Ofício, na Rua Caldas, 47, Bairro Carmo, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte
Outras informações: (31) 3223-7648, ou e-mail maria.mao@bol.com.br ou pelo site www.mariaarteoficio.com.br
PONTOS DE ARTE Cada peça acondicionada nas malas e baús tem uma história e se apresenta como recorte de épocas. “Veja esta camisola doada por uma senhora de 92 anos. Ela me entregou, contou que foi usada na sua noite de núpcias, mas pediu que não pusesse seu nome na exposição, pois se referia a um momento muito íntimo”, diz Maria Aparecida para dar a noção das mudanças de comportamento. Envolvida no ofício há mais de 40 anos, ela conta que a arte do bordado, que em Minas encontrou solo fértil e dedos talentosos, sofreu duros revezes: o primeiro, com a introdução no Brasil da cultura norte-americana, na década de 1960, responsável por tirar das bancas as revistas europeias e inundar o mercado de publicações institucionalizando o ponto de cruz. Agora, há a invasão chinesa, japonesa e outras via internet.
“Até meados do século passado, o bordado era ensinado nas escolas, tinha nota na caderneta, assim como o canto orfeônico”, diz Maria do Carmo, que, no seu espaço, prima por preservar o conhecimento, estendendo essa missão à iniciação das crianças. “Não é difícil aprender a bordar. O primeiro passo é ter o desejo, depois basta enfiar a linha na agulha”, revela, com a experiência de quem entende do riscado. “Não podemos perder nossas referências, por isso o memorial é de suma importância. O estado sempre teve bordados de qualidade, mantendo neles a religiosidade, o capricho e o requinte.” Se em priscas eras a atividade prendeu as mulheres em casa, atualmente adquire outros contornos. “Hoje, quem borda é revolucionária. Trata-se de um ofício que se reverencia, traz a linha até o peito”, compara. E ainda tem um caráter terapêutico, pois proporciona o relaxamento nas horas de aprendizagem ou produção. Além desse aspecto, as alunas fazem pesquisas, de forma a deixar para futuras gerações todas as informações sobre o ofício.
LEMBRANÇAS Hoje faz dois meses que a advogada Regina Massara, também formada em história, ficou viúva. O coração anda apertado, os olhos umedecidos, mas ela encontra alento na aula de bordado, à qual vai uma vez por semana. Transformando a dor em arte, ela borda uma mandala, em cores vivas, sobre a radiografia do rosto do falecido marido. “É um símbolo de vida”, afirma Regina, que une o bordado à história e tradição e o associa à memória dos avós, imigrantes que vieram da Itália e se estabeleceram em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Eu me enriqueço aqui a cada dia”, observa a advogada ao recriar, no bastidor, a ilustração feita pelo chargista Quinho em homenagem à Igreja de São Francisco de Assis e a Oscar Niemeyer (1907-2012), publicada no Estado de Minas no dia em que a Pampulha foi eleita Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Filha de uma bordadeira, a arquiteta Cláudia Gontijo, moradora do vizinho Bairro Sion, aprendeu o ofício quando menina e vem aprimorando a técnica. Diante de um pedaço de filó, ela brinca: “Passamos muito tempo filosofando”. Para ela, a melhor tradução das aulas é compartilhamento e encontro. Ao lado, as colegas Rosemarie Naufel, psicóloga, e Maria Alice Monteiro Magalhães, que prefere se declarar bordadeira, ouvem as orientações de Maria do Carmo sobre matiz, aplicação, pontos de haste, atrás e feston. E outros de nomes bem sonoros e de origem francesa, como richilieu, frivolité, cordoné, festoné e ilhós.
Para a psicóloga Maria Aparecida de Oliveira Andrade Araújo, que iniciou o curso há quatro anos “sem saber nada”, as aulas entram na vida de cada uma por um viés. “Ajudam a te acalmar, te dão um lugar, um ritmo”, explica enquanto borda a toalha de mesa. Já para Adriane Guimarães Loureira, professora residente na Pampulha, o trabalho encanta, pois cada uma pode escolher o motivo, fazer a combinação de cores e escolher o material. Homens também já apareceram no curso e são bem-vindos, diz Maria do Carmo, embora a mulher tenha uma relação diferente com a linha, que sempre volta ao peito: “É como se fosse o cordão umbilical ligando o filho ao ventre”.
SERVIÇO
Dia 3 de setembro
Bordando no Jardim de Maria, com o tema “Bordado de Viana do Castelo, de Portugal”
Dia 18 setembro
Exposição de bordados
Local: Maria Arte e Ofício, na Rua Caldas, 47, Bairro Carmo, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte
Outras informações: (31) 3223-7648, ou e-mail maria.mao@bol.com.br ou pelo site www.mariaarteoficio.com.br