A casa de Maicon, onde cresceu com sete irmãos e a mãe, fica numa rua onde a violência faz parte do cotidiano. A cada esquina, grupinhos de jovens se reúnem e por lá ficam sem um objetivo certo que não passar as horas. Alguns são vistos consumindo maconha e álcool, encarando veículos e pessoas desconhecidas que passam por lá. Entre esse movimento, é intenso também o tráfego de trabalhadores e estudantes. Dona Vitória lembra de pelo menos três pessoas assassinadas nesses últimos anos. “Um veio tomando tiros desde a frente do meu portão até que o mataram lá embaixo. Outro estava a cavalo numa festa e pedia socorro. Meu filho (irmão de Maicon) disse que ia ajudar, mas o segurei. Pouco antes de o Maicon ir para São Paulo (há quatro anos), um foi morto dois minutos depois que ele saiu de casa. Foi a maior preocupação da minha vida”, lembra Vitória.
Lutar pela sobrevivência ofusca os sonhos da maioria dos habitantes de Justinópolis. Na rua que leva o nome de um dos maiores ídolos do esporte nacional, Ayrton Senna, o calor é sinônimo de poeira e buracos, enquanto as chuvas trazem lama, poças e inundações. É de uma das nuvens de pó amarelo erguida com a passagem dos carros que surge a doméstica Maria de Lourdes da Silva Pires, de 52, empurrando a cadeira de rodas do filho adolescente Marcelo Borges da Silva, de 15. O esforço para os pneus murchos vencerem os solavancos e buracos sob o sol forte quase fazem dela uma atleta numa pista de obstáculos. “Essa é uma situação diária de dificuldade para nós. Tudo de que preciso – alimentos, remédios e tratamento para meu filho doente – só encontro fora do bairro, depois de atravessar essas ruas”, afirma. Segundo ela, Marcelo entrou na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) para receber uma cadeira de rodas movida a motor elétrico. “Só que disseram que ele não poderia receber a cadeira por que a rua não tem asfalto. Meu sonho para meu filho era que ele vivesse melhor, fosse à escola, tivesse saúde. Não precisava ser ninguém importante”, desabafa.
Puxando o cavalo magro que ajuda no transporte diário de mercadorias, o comerciante Hernani Oliveira, de 57, desvia de lixo acumulado, entulhos e buracos no asfalto para não ferir os cascos do animal. “Conheço o Maicon e a história dele é um exemplo para todos nós. Quem sabe com isso sejamos mais bem-vistos e tenhamos mais investimentos na cidade? Do jeito que está, estamos esquecidos nessa poeira”, critica. Nas escolas que há por perto, inclusive onde Maicon estudou (Escola Estadual João de Deus Gomes) e trabalhou como voluntário (Escola Estadual Francisco Labanca), rolos de arame farpado tipo concertina fecham os muros contra invasões de estranhos e a evasão.
No colégio vizinho à casa da família do atleta, a Escola Estadual Professor Guerino Casassanta, nem isso é suficiente, já que até o carrinho do baleiro é usado para escalar o muro. “Meu carrinho está todo amassado de os moleques subirem nele para pular o muro. Para estudar é que não estão fazendo isso”, reclama o baleiro Marlírio Alves, de 58.
O esporte ainda encanta o atendente Igor Eustáquio Morais de Jesus, de 20. Mas, para seguir uma carreira, o jovem, mesmo com o exemplo de Maicon, acha impossível conseguir apoio. “Nós aqui estamos esquecidos. Basta ver o esgoto a céu aberto que corre nas ruas, a poeira, falta de saúde e de educação. Para ser alguém como o Maicon no futebol, por exemplo, eu teria de ir embora de Neves, como ele acabou tendo de fazer, com o apoio de outras pessoas”, lamenta.