Há exatos 30 anos, os brasileiros redescobriram o céu. Nas noites do inverno de 1986, era comum encontrar, nos pontos altos das cidades, muita gente à espera do cometa de Halley, o viajante solitário que passa, em média, de 75 em 75 anos e, daquela vez, frustrou quem imaginava ver uma cabeleira brilhante cruzando o espaço. Com os meses nublados, Halley ficou escondido, não deu as caras, mas a festa foi grande em todo canto. O tempo passou e a vida voltou ao normal – mas não para os cientistas. “Olhar para o céu é fascinante, belo e misterioso. Podemos ver que a natureza não está apenas na Terra. Há planetas e galáxias a serem descobertos, da mesma forma que há muitas perguntas sem respostas”, diz a professora de física Sílvia Helena Paixão Alencar, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), integrante do projeto internacional Matysse, que acaba de localizar o planeta mais jovem fora do sistema solar. O “bebê” foi batizado de V-830 Tau B.
O achado, informa a professora do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas (Icex/UFMG), “representa passo importante para a compreensão de como se formam e evoluem sistemas planetários”. E mais: trata-se da primeira comprovação observacional da teoria segundo a qual os planetas podem se aproximar de seu sol migrando pela nuvem de gás e poeira que circunda as estrelas em sua origem.
Na sua sala no câmpus da universidade na Pampulha, em Belo Horizonte, Sílvia conta que o planeta foi identificado em órbita da estrela V-830 Tauri, localizada na constelação do Touro, numa distância de 430 anos-luz da Terra. Para entender melhor a história, é bom saber que, para chegar até aqui, a luz desse corpo celeste demorou 430 anos. “A astronomia é a ciência que trabalha com o passado, estuda o que já aconteceu. A luz do Sol, por exemplo, demora oito minutos para chegar à Terra. Portanto, se houver uma explosão lá, só ficaremos sabendo oito minutos depois”, ressalta a professora, com bom humor.
A pesquisa do grupo joga mais luz sobre os avanços da astronomia, que, na semana passava, apresentou outro resultado importante e surpreendente à humanidade: a descoberta, por uma equipe internacional, do planeta Próxima B, igualmente fora do sistema solar, mas, como o nome diz, bem mais perto da Terra – a 4,22 anos-luz da Terra.
IDADE DA ESTRELA A descoberta do “planeta-bebê” foi publicada na revista científica Nature e mostrou que a estrela V-830 Tauri “tem cerca de dois milhões de anos”, algo insignificante diante da idade do universo (14 bilhões de anos) ou do Sol (4,5 bilhões anos). “Se formos comparar com a escala humana, podemos dizer que esse planeta seria um recém-nascido de uma semana”, explica Sílvia.
O grupo Matysse (sigla inglesa para Campos magnéticos de estrelas jovens próximas e exoplanetas maciços jovens), integrado também por cientistas norte-americanos, europeus e asiáticos, trabalhou durante meses, mapeando a superfície da estrela e medindo a influência do planeta na órbita dela.. “A estrela se afasta e se aproxima da Terra devido à influência gravitacional do planeta”, explica Sílvia, destacando que, quando jovens, as estrelas são muito ativas. Por enquanto, não foi possível definir a composição do novo planeta, que tem massa próxima à de Júpiter.
O grupo estava pesquisando 30 estrelas e se deparou com o planeta V-830 Tau B bem no início do trabalho. “Na quarta estrela”, observa Sílvia. Para ela, astronomia e filosofia estão muito próximas, de modo especial quando se fazem perguntas sobre as origens do universo, como se formaram as estrelas, enfim, questões sobre o começo da vida. “Com essa imensidão do universo, a gente vê que a Terra é só um planetinha em torno do sol e à beira de uma galáxia”, analisa. O trabalho dos cientistas foi desenvolvido no Telescópio Canada-France-Hawaii (CFHT), instalado no Maunakea, vulcão adormecido na Ilha Grande do Havaí.
Com a descoberta, uma questão já pode ser demonstrada com certeza: os planetas migram – não o sistema solar, que já está consolidado, mas outros desta galáxia se encontram em movimento. “Mostramos que esse tipo de migração acontece, e em escala de tempo de dois milhões de anos, o que é muito cedo na vida de uma estrela do tipo solar, pois elas evoluem em bilhões de anos”, revela a professora Na sua avaliação, o grande desafio enfrentado pela equipe foi localizar planetas em torno de estrelas muito ativas, cujas manchas na superfície, provocadas por movimento de fluidos e campos magnéticos, atrapalham a detecção de objetos em sua órbita.
Estudo foca estrelas jovens
Procurar planetas em torno de estrelas jovens não era o único objetivo da equipe coordenada pelo astrônomo Jean-François Donati, do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS, em português Centro Nacional da Pesquisa Científica), da França. O projeto, de longo prazo, é estudar a evolução do campo magnéticoeda rotação de estrelas jovens. A professora Sílvia Helena Paixão Alencar explica que uma em cada 100 estrelas maduras tem um Júpiter quente em sua órbita.
“Estrelas antigas já foram muito observadas, mas não se sabe qual a estatística para as jovens. Como tínhamos tempo limitado de uso do telescópio, selecionamos apenas 30 estrelas e corremos o risco de não observar nenhum planeta, embora tivéssemos capacidade técnica para obter sucesso”, relata.
Para reduzir as chances de erro, a equipe optou por observar apenas estrelas jovens que perderam o disco de gás e poeira muito cedo, situação identificada pela ausência de excesso na emissão de luz infravermelha. Elas representam um conjunto relativamente pequeno, pois 80% das estrelas da faixa de dois milhões de anos ainda têm esse disco. Com cinco milhões de anos, quase nenhuma tem.
Técnicas para achar planetas
Estrelas jovens são extremamente ativas e apresentam, em suas superfícies, manchas e campos magnéticos de ordens de magnitude maiores e mais fortes do que os do Sol. Essa atividade gera na luz observada das estrelas jovens perturbações muito maiores do que o movimento induzido por planetas em órbita, o que torna muito difícil a detecção desses planetas, mesmo em caso de planetas gigantes com órbitas próximas à estrela. Para recuperar o sinal do planeta, astrônomos necessitam modelar com precisão a distribuição de manchas e os campos magnéticos em larga escala de estrelas jovens usando técnicas tomográficas inspiradas no imageamento médico. A distribuição de manchas e o campo magnético em larga escala de V830 Tau foram reconstruídos com base em conjunto de dados levantados pelo grupo do qual a professora Silvia Alencar é integrante.
O achado, informa a professora do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas (Icex/UFMG), “representa passo importante para a compreensão de como se formam e evoluem sistemas planetários”. E mais: trata-se da primeira comprovação observacional da teoria segundo a qual os planetas podem se aproximar de seu sol migrando pela nuvem de gás e poeira que circunda as estrelas em sua origem.
Na sua sala no câmpus da universidade na Pampulha, em Belo Horizonte, Sílvia conta que o planeta foi identificado em órbita da estrela V-830 Tauri, localizada na constelação do Touro, numa distância de 430 anos-luz da Terra. Para entender melhor a história, é bom saber que, para chegar até aqui, a luz desse corpo celeste demorou 430 anos. “A astronomia é a ciência que trabalha com o passado, estuda o que já aconteceu. A luz do Sol, por exemplo, demora oito minutos para chegar à Terra. Portanto, se houver uma explosão lá, só ficaremos sabendo oito minutos depois”, ressalta a professora, com bom humor.
A pesquisa do grupo joga mais luz sobre os avanços da astronomia, que, na semana passava, apresentou outro resultado importante e surpreendente à humanidade: a descoberta, por uma equipe internacional, do planeta Próxima B, igualmente fora do sistema solar, mas, como o nome diz, bem mais perto da Terra – a 4,22 anos-luz da Terra.
IDADE DA ESTRELA A descoberta do “planeta-bebê” foi publicada na revista científica Nature e mostrou que a estrela V-830 Tauri “tem cerca de dois milhões de anos”, algo insignificante diante da idade do universo (14 bilhões de anos) ou do Sol (4,5 bilhões anos). “Se formos comparar com a escala humana, podemos dizer que esse planeta seria um recém-nascido de uma semana”, explica Sílvia.
O grupo Matysse (sigla inglesa para Campos magnéticos de estrelas jovens próximas e exoplanetas maciços jovens), integrado também por cientistas norte-americanos, europeus e asiáticos, trabalhou durante meses, mapeando a superfície da estrela e medindo a influência do planeta na órbita dela.. “A estrela se afasta e se aproxima da Terra devido à influência gravitacional do planeta”, explica Sílvia, destacando que, quando jovens, as estrelas são muito ativas. Por enquanto, não foi possível definir a composição do novo planeta, que tem massa próxima à de Júpiter.
O grupo estava pesquisando 30 estrelas e se deparou com o planeta V-830 Tau B bem no início do trabalho. “Na quarta estrela”, observa Sílvia. Para ela, astronomia e filosofia estão muito próximas, de modo especial quando se fazem perguntas sobre as origens do universo, como se formaram as estrelas, enfim, questões sobre o começo da vida. “Com essa imensidão do universo, a gente vê que a Terra é só um planetinha em torno do sol e à beira de uma galáxia”, analisa. O trabalho dos cientistas foi desenvolvido no Telescópio Canada-France-Hawaii (CFHT), instalado no Maunakea, vulcão adormecido na Ilha Grande do Havaí.
Com a descoberta, uma questão já pode ser demonstrada com certeza: os planetas migram – não o sistema solar, que já está consolidado, mas outros desta galáxia se encontram em movimento. “Mostramos que esse tipo de migração acontece, e em escala de tempo de dois milhões de anos, o que é muito cedo na vida de uma estrela do tipo solar, pois elas evoluem em bilhões de anos”, revela a professora Na sua avaliação, o grande desafio enfrentado pela equipe foi localizar planetas em torno de estrelas muito ativas, cujas manchas na superfície, provocadas por movimento de fluidos e campos magnéticos, atrapalham a detecção de objetos em sua órbita.
Estudo foca estrelas jovens
Procurar planetas em torno de estrelas jovens não era o único objetivo da equipe coordenada pelo astrônomo Jean-François Donati, do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS, em português Centro Nacional da Pesquisa Científica), da França. O projeto, de longo prazo, é estudar a evolução do campo magnéticoeda rotação de estrelas jovens. A professora Sílvia Helena Paixão Alencar explica que uma em cada 100 estrelas maduras tem um Júpiter quente em sua órbita.
“Estrelas antigas já foram muito observadas, mas não se sabe qual a estatística para as jovens. Como tínhamos tempo limitado de uso do telescópio, selecionamos apenas 30 estrelas e corremos o risco de não observar nenhum planeta, embora tivéssemos capacidade técnica para obter sucesso”, relata.
Para reduzir as chances de erro, a equipe optou por observar apenas estrelas jovens que perderam o disco de gás e poeira muito cedo, situação identificada pela ausência de excesso na emissão de luz infravermelha. Elas representam um conjunto relativamente pequeno, pois 80% das estrelas da faixa de dois milhões de anos ainda têm esse disco. Com cinco milhões de anos, quase nenhuma tem.
Técnicas para achar planetas
Estrelas jovens são extremamente ativas e apresentam, em suas superfícies, manchas e campos magnéticos de ordens de magnitude maiores e mais fortes do que os do Sol. Essa atividade gera na luz observada das estrelas jovens perturbações muito maiores do que o movimento induzido por planetas em órbita, o que torna muito difícil a detecção desses planetas, mesmo em caso de planetas gigantes com órbitas próximas à estrela. Para recuperar o sinal do planeta, astrônomos necessitam modelar com precisão a distribuição de manchas e os campos magnéticos em larga escala de estrelas jovens usando técnicas tomográficas inspiradas no imageamento médico. A distribuição de manchas e o campo magnético em larga escala de V830 Tau foram reconstruídos com base em conjunto de dados levantados pelo grupo do qual a professora Silvia Alencar é integrante.