Jornal Estado de Minas

Cresce número de brasileiros interessados em viagens do tipo "mochilão"


Com asas tatuadas nas costas, tênis atrelados à mochila e adrenalina ao máximo, a estudante de engenharia de produção da PUC Minas Letícia Contarini Feitosa, de 21 anos, ganhou a maioridade este ano e, com ela, uma espécie de senha para desbravar o mundo. No primeiro mochilão, a moradora do Bairro Buritis, na Região Oeste de Belo Horizonte, desafiou a si mesma a estender, por conta própria, a bolsa do intercâmbio obtida em Valência, na Espanha, que deveria terminar em janeiro último. A aventura rendeu seis meses pela Europa, descobrindo oito países e 28 cidades, além de um incontável número de amigos e experiências.

“O mundo é minha tribo”, canta o rapper de Belo Horizonte Flávio Renegado, que parece conhecer a alma dos jovens de agora, como a da mochileira Letícia. “Sou uma pessoa do mundo. Curto viajar sem planos, grana curta e esquema de couchsurfing (que é se hospedar de graça na casa de alguém)”, afirma a menina, que, na bagagem, coleciona um intercâmbio nos Estados Unidos, aos 17 anos, para treinar fluência no inglês, e outro no Chile, aos 19, onde estudou espanhol. “Como já tinha planos de viajar, economizei horrores nos intercâmbios. Não queria ter de pedir emprestado a meus pais, só para viver tudo por conta própria mesmo, pela experiência de não depender de ninguém e de saber lidar com meu dinheiro”, completa a jovem, que saiu de casa com um sonho na cabeça e os tênis no chão.

“Norte-americanos e europeus têm esse tipo de viagem como algo cultural, como um ‘ritual de passagem’ para a vida adulta. Torcemos para que o Brasil dê, em algum momento, essa oportunidade pra todos daqui também”, compara a jornalista Claudia Severo de Almeida, de 38, com o marido, o fotógrafo, videomaker e webmaster Silnei Andrade, de 42, que fundou o Mochila Brasil, em 1999, com cerca de 3 mil visitantes.

Atualizado para Mochileiros.com, com mais de 800 mil acessos, o site é um dos primeiros do país a lidar com o tema do turismo backpacker que, em uma tradução espontânea, trata do turismo de mochila nas costas. Oferece relatos de viagens feitos pelos próprios usuários, dicas de trabalhos voluntários durante a empreitada e links diretos com hostels e albergues baratos. “Há gente de todas as idades mochilando mundo afora. Mudam-se os roteiros talvez, devido aos interesses, mas o viajar com liberdade continua guiando esses viajantes”, afirma Claudia, que fez o primeiro mochilão internacional para a Bolívia, em 2001.

Com 920 inscrições on-line, ocorreu o 1º Congresso Nacional de Viagem Não Convencional, em maio do ano passado, reunindo “essa galera que viaja, não só de mochila, mas também de carona, de bicicleta e até de veleiro”. Para o organizador do evento, o coaching curitibano Matheus Jorel, de 20, “a internet está empoderando mais pessoas no quesito planejamento das férias ao facilitar a busca de preços de hospedagem, rotas de viagem, compra de passagens e até dicas de lugares para visitar.” Ele ressalva, no entanto, que cada viajante é único: “Sempre vão existir pessoas que gostam de viajar sem nenhuma outra preocupação a não ser ter o dinheiro para comprar o pacote turístico”.

No site Já Fez as Malas, focado em viagens internacionais para brasileiros, os colunistas estão, neste momento, viajando pelo mundo de carro, de moto e de bicicleta, com ou sem o mochilão. “Com o avanço da internet e o crescimento do número de páginas, fóruns e grupos de discussões, passou a ser mais fácil pesquisar sobre possíveis destinos para mochilões, bem como entrar em contato com quem já foi, pegar dicas do que fazer, aonde ir, como economizar e alertas dos perigos”, afirma Nataly Lima, de 26, que fundou o site com uma amiga. “Criei o site em maio de 2015.
Em agosto deste ano, decidi sair da empresa em que estava trabalhando para viajar pelo mundo com o site, compartilhando dicas e experiências em vídeos e textos”, conta a jovem. Nataly acaba de sair para uma temporada de viagens pelas cidades do Leste Europeu, que, segundo ela, são pouco conhecidas, belas e mais econômicas para visitar.

Vida de nômade
No geral, quem tenta fazer uma viagem no estilo mochileiro abre mão de grandes confortos, quer fazer amizades e viver experiências incríveis, hospedando-se em hostels ou albergues e viajando de carona, de bicicleta e até dormindo dentro do carro. Há também mochileiros que se interessam por um contato  com a natureza durante essas viagens, caso do professor de educação física Alan Rainer Silva, de 28 anos, de Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Depois de seis meses de intercâmbio na Nova Zelândia, ele e um colega se inscreveram para participar de atividades como bungee jump, rafting e caiaque nas paradisíacas cidades da ilha Sul.

“A ideia inicial era viajar de carona, mas não deu muito certo. Daí, o jeito que arranjamos foi alugar uma Coopervan e dormir no carro”, conta Alan, que calculou o quanto seria economizado em transporte e as compras com alimentação. Ele calcula ter gasto em torno de US$ 1,4 mil em duas semanas, com a cotação da moeda norte-americana, na época, a R$ 2,40. “Cheguei a pensar em conhecer os cenários onde foram gravados os filmes da saga O senhor dos anéis, mas sairia muito do orçamento”, completa.

A filosofia nômade dos mochileiros ensina a buscar experiências completamente diferentes das viagens convencionais, com bons preços e tempo livre para curtir a vida. Em geral, os lugares mais badalados do circuito turístico são relativamente mais caros e você pode deixar para visitar depois, quando tiver mais dinheiro e maior tranquilidade.
“Se posso dar uma dica para quem quer conhecer países incríveis e gastar muito pouco é visitar o Leste Europeu, ainda pouco explorado pelos brasileiros, mas com cidades incríveis, como Budapeste (na Hungria), e cenários paradisíacos, como as praias e ilhas da Croácia. Praga, na República Tcheca, é incrível”, garante Nataly Lima, de 26, fundadora do Já Fez as Malas.

Amanhã, Nataly sai de mochilão de Porto, em Portugal, para explorar todo o Leste da Europa, passando também pela Rússia e descendo até a China. “Devo seguir na Rota Transiberiana, que é o percurso de trem mais longo que existe, com duração de cerca de seis dias. A viagem deve durar até dezembro, quando faço uma pausa para ir ao Brasil rever a família e os amigos.”

Em 1º de setembro, o coaching curitibano Matheus Jorel, de 20, partiu para a expedição Coaching de Mochila com a missão de conquistar as 27 capitais brasileiras, além de Brasília, no Distrito Federal, de carona e hospedagem a baixo custo. Na página do Facebook, o jovem postou desde o momento em que “começa a dar frio na barriga”, com a proximidade da data de partir, até a despedida da mãe, com direito a abraço na foto e eterna “gratidão por ter sido criado quem sou”.

Nos relatos de viagem, Matheus Jorel compartilha dicas até para a hora de pedir carona. Ele ensina que o melhor a fazer é, antes de entrar no veículo, “anotar a placa e publicar foto nas redes sociais, avisando a todos onde você está”. Em vez de esticar o dedão, outra dica é improvisar uma plaqueta indicando o lugar aonde você quer chegar.

“Passei a maior parte da viagem com cara de morta, destruída e sem tomar banho, comendo sanduíche a US$ 2”, confessa a universitária Letícia Contarini Feitosa, que também fez um périplo por 28 cidades, só que no continente europeu. A jovem recomenda como o lugar mais charmoso de todos a pequena Ljubljana, capital da Eslovênia, que dá para conhecer caminhando a pé, em um dia. “É uma cidade linda, limpa, verde e com pessoas muito simpáticas. No alto do castelo de Ljubljana também tem uma vista linda da cidade e toda uma lenda sobre dragões”, elogia.


O ato de mochilar exige muito mais do que ajuntar algumas economias, ajeitar uma muda de roupas na sacola e ter disposição de sair sem rumo mundo afora. Antes de partir para a aventura na vida real, a dica é planejar bem a viagem, pesquisando roteiros, exigências de visto e passaporte, bem como os costumes de cada localidade.

Para a estudante de direito Miriam Bandeira, as coisas não deram muito certo, de início. Mas ela garante que não vai desistir e tentará realizar de novo o sonho do mochilão. A jovem tinha planos de visitar três países da América do Sul com uma amiga, em dezembro do ano passado. O roteiro compreendia ir a Santiago (no Chile), atravessar o deserto do Atacama, fazer a travessia do Salar do Uyuni (na Bolívia), passear em Cuzco e conhecer Machu Picchu, no Peru.

Na escala em São Paulo, porém, as coisas já não deram certo. O voo para Santiago tinha sido cancelado e a mochila de Miriam, extraviada. “Precisei desistir. Tudo o que eu precisava para a minha viagem de 13 dias estava dentro dela”, afirmou Miriam.

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