Jornal Estado de Minas

Seca fica exposta no leito dos rios de Minas e cidades já adotam rodízio

De caixa d’água do Brasil a um reservatório cheio de furos. A situação dos rios de Minas Gerais nesta temporada seca preocupa os presidentes de 36 comitês de bacias hidrográficas, que estarão reunidos até amanhã, no Fórum Mineiro de Comitês, na Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, para avaliar a situação hídrica no estado. “Estamos sem chuva e o quadro é muito grave, principalmente na região do Rio São Francisco e no Norte de Minas”, afirma o presidente do Comitê da Bacia do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, também coordenador do Projeto Manuelzão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

De acordo com a Copasa, sete localidades e dois distritos já fazem rodízio no abastecimento de água (de 24 horas ou mais) no Norte, incluindo Montes Claros, e no Leste, a exemplo de Caratinga. A estatal informa, no entanto, que a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) não corre o risco de rodízio ou racionamento. Os últimos levantamentos mostram que a vazão do Rio das Velhas, anteontem, atingiu 10,9 metros cúbicos por segundo, a mesma registrada nos dias 3 e 7. A mais baixa de setembro ocorreu na última sexta-feira (9,9 m3/s).

Neste mês, conforme o levantamento, o afluente do São Francisco está com o índice pluviométrico (32,3 milímetros) abaixo de média histórica (50,1 mm) para o mês – o quadro é um pouco melhor do que em setembro do ano passado, quando foi registrado 30,2 mm. Mesmo que os dados oficiais ainda não tirem a tranquilidade dos técnicos, a realidade a olho nu já tira o sono da população ribeirinha.

EMBORCADA ”Nunca vi este rio tão baixo e tão sujo. Está, no máximo, com um metro de profundidade”, afirma José Anselmo de Araújo, de 33, morador do Parque Nova Esperança, mais conhecido como Pantanal, em Santa Luzia (RMBH).

A prova do que fala está na canoa, de 2,5 metros de comprimento, encontrada na semana passada, com uma lâmina de 10 milímetros de água sobre a madeira. Não se trata de uma embarcação antiga, as famosas pirogas, usadas pelos índios, mas tudo indica, pelo estado de conservação, que a canoa estava havia muitos anos submersa.

“Ela estava virada para baixo, emborcada, enfiada no fundo do rio”, conta José Anselmo, que, com um grupo de vizinhos, tratou de arrastar a embarcação para a margem do Velhas. Acostumado a atravessar o rio num pedaço de isopor, José Anselmo conta que a canoa, agora ancorada num píer improvisado com degraus no barranco, está presa por uma corrente. “Pensamos em consertá-la para usar, mas falta verba”, diz com bom humor o desempregado, embora mecânico, motorista e operador de máquinas de profissão.

Na tarde de ontem, com o sol quente, José Anselmo levou a equipe do Estado de Minas à beirada do rio. O estado não poderia ser pior: a cor é de óleo diesel queimado; o cheiro, de podridão; e a aparência, de uma gosma escura. Ao ver o resultado de tanta poluição, descarga de esgoto doméstico e industrial, além dos efeitos da mineração, o ribeirinho comenta: “Falaram tanto que o rio ficaria limpo, mas está cada dia pior”.

EX-CAIXA D’ÁGUA Na tarde de ontem, ao participar do encontro dos presidentes do comitês das bacias hidrográficas, Marcus Vinícius Polignano fez uma triste comparação: “Minas Gerais já foi chamada de caixa dágua do Brasil, mas hoje não passa de um reservatório cheio de furos”. Ele lembrou que a luta maior é para manter a vazão do rio dentro dos limites aceitáveis, usando água de duas represas, como do Ribeirão do Peixe, em Nova Lima (RMBH), no distrito de Acurí, em Itabirito, na Região Central.

“No Fórum Mineiro dos Comitês, estamos analisando os dados sobre vários rios no estado.
A situação pior está na Região Norte, especialmente em relação ao Rio Verde Grande, e na Região do São Francisco. Alertamos as autoridades para o problema sério e pedimos ações para impedir que aumente”, disse Polignano. Sobre o aparecimento da canoa, ele diz que isso significa realmente que o índice de água está muito baixo, trazendo à tona a “história” desse meio de transporte.

ALERTA Depois de amargar vazões muito baixas, que ligaram o alerta para a possibilidade de restrição de uso da água, a chuva da madrugada do dia primeiro dia de setembro foi significativa na captação da Copasa, em Honório Bicalho, distrito de Nova Lima. Os 29,8 milímetros registrados representaram mais da metade do que é esperado para todo o mês na região. Apesar da boa notícia, o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica da Bacia do Rio das Velhas ressaltou que as medidas acertadas para aumentar a vazão do rio estão mantidas. As decisões foram tomadas na última reunião do CBH/Velhas, em conjunto com a Copasa, Cemig e a mineradora Anglo Gold, empresas que operam reservatórios no Ribeirão do Peixe, em Itabirito (Região Central) e Nova Lima (Grande BH). No encontro, ficou decidido que as companhias liberariam água com a intenção de melhorar a vazão do Velhas.

Além de liberar mais água para o manancial, ficou definido que se a situação ficar ainda mais crítica, a Copasa reduziria a captação, compensando com mais água retirada do Sistema Paraopeba. Atualmente, a empresa retira 6,5 metros cúbicos por segundo e já informou ao comitê que diminuiria para 5,5 metros cúbicos, caso seja necessário.

Monitoramento


A crise hídrica do ano passado levou o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) a adotar uma série de regras para monitorar a situação dos mananciais do estado.
No caso do Rio das Velhas, em Honório Bicalho, a vazão de 10,25 metros cúbicos por segundo é considerada a mínima medida por sete dias consecutivos nos últimos 10 anos, parâmetro conhecido por Q7,10. Isso significa que se as vazões ultrapassarem esse limite por um período de sete dias seguidos, o curso d’água entra em estado de alerta, último estágio antes da obrigação do corte de 20% nas captações para uso humano da água. Nos dias 12, 13, 15, 19 e 27 de agosto, a Copasa contabilizou registros abaixo de 10, sempre na casa dos nove metros cúbicos, o que ligou o alerta dos gestores da bacia.

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