Para salvar a água, ela luta até contra o fogo. E faz muito mais: desce ribanceira, passa sob árvores tombadas e se agarra no arame farpado, sempre com uma lata a tiracolo. Guerreira do meio ambiente, a líder comunitária Valéria do Carmo Moreira, de 54 anos, divorciada, mãe de três filhos e avó de um menino, batalha com todas as armas para preservar uma nascente dentro da sua propriedade no Chacreamento Ipê Amarelo, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte e a apenas 12 quilômetros da Praça da Estação, no Centro da capital. Desse manancial, sem cobrar nada, ela abastece 20 famílias. Ontem, quando o termômetro marcou 33,8°C, no dia mais quente do ano na cidade, e a umidade relativa do ar atingiu 18%, Valéria mostrou a nascente e bradou, no meio do mato, a plenos pulmões: “Água é vida, temos que conservar para não faltar. Aqui, enquanto eu puder, estará sempre jorrando”.
Moradora há 15 anos de Sabará, a empresária Valéria descobriu, há 12, a água brotando no meio das pedras. No início, viu que não seria fácil chegar constantemente ao local, que fica a 210 metros da estrada do chacreamento, num acesso com descidas fortes e pedras escorregadias, embora em meio a vegetação exuberante. Mesmo com o grau de dificuldade, ela passou a ir regularmente ao ponto, recolhendo na lata as folhas mortas, de forma a não impedir a vazão do precioso e cristalino líquido.
Preocupada com a escassez de água em muitas regiões mineiras, e citando a seca do ano passado, Valéria explica – e mostra, com documento – que a nascente está cadastrada no Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). “Tenho feito esse trabalho de preservação, sozinha. Uma vez, puseram fogo no mata, por causa de um enxame, e muitas árvores foram destruídas. Tive que replantar várias espécies”, conta, mostrando ipês-amarelos ainda com um restinho de floração, jatobás, coqueiros e outras, a exemplo das samambaias enormes, margeando o riacho que se forma no alto.
Leia Mais
Plano Novo Chico será apresentado em BHRepresas na Grande BH vão liberar água para aumentar vazão do Rio das VelhasMP diz que água tratada de Valadares foge aos padrões de qualidadeFazenda no Sul de MG é proibida de usar esterco por suspeita de poluir nascenteProblemas em adutora deixam bairros de BH, Contagem e Ibirité sem abastecimento de águaComitê do São Francisco lança plano para tentar salvar rioCom mais de 500 propriedades, o Chacreamento Ipê Amarelo ocupa as terras antes pertencentes à Fazenda Bernardo Monteiro, revela a líder comunitária. Do alto do caminho que leva à estrada BH-Sabará, via Marzagão, ela mostra a mata, de verde mais vivo, encravada num vale – o panorama destoa do restante da vegetação que esturrica ao sol e à falta de chuva. “Para mim, a mina d’água sempre será um paraíso. Se pudesse, moraria ali no meio, longe de todos os problemas”, brinca a líder comunitária.
Quem se beneficia da água da propriedade de Valéria não tem do que se queixar.
Valéria fica feliz com a cena, e faz o alerta para que todos economizem água, mesmo quando há fartura. E sabe que nunca é demais lembrar. “Precisamos cuidar da natureza, do planeta. E o principal é não desmatar”, orienta.
.