Jornal Estado de Minas

Surpreendidos pelo último temporal, moradores de BH contam como enfrentam inundações

Uma noite para não esquecer. A tempestade de domingo, que começou por volta das 21h20, pegou muita gente em Belo Horizonte de surpresa, levou medo a quem estava na rua e chamou a atenção mais uma vez para o despreparo da cidade para enfrentar as fortes chuvas da primavera e verão. Motoboy nos fins de semana, Nilton Cosme, de 32 anos, ficou impressionado com a “ventania e quantidade de trovões em tão pouco tempo”. Na tarde de ontem, dia do seu aniversário e já refeito do susto, o motoboy contou que não teve como estacionar seu veículo durante o temporal,

“Estava trabalhando, tinha muitas entregas de comida para fazer. Assim que começou a chover, parei debaixo de uma marquise, peguei minha capa e segui adiante. Na Cidade Nova (Região Nordeste), nas imediações da Avenida Cristiano Machado, a água descia com muita força. O pior de tudo foi receber tanta fechada no trânsito. Nessa situação, os motoristas jogam o carro para cima da gente sem o menor respeito”, reclamou Nilton.

 

No Bairro Prado, na Região Oeste, é difícil encontrar alguém que não tenha um caso relacionado à chuva para contar.

O trabalhador da construção civil Dárperon Alves dos Santos, de 32, morador da Avenida Francisco Sá, estava ontem na lanchonete em frente à sua casa quando o temporal se intensificou. Como o histórico da região é problemático, ele costuma ficar atento. “Não demorou muito e começaram a descer carros com a enxurrada. Um vinha batendo no outro. De imediato, corri para pegar minha moto e a de um desconhecido, para guardar na garagem. Foi muito difícil”, contou.

MAU CHEIRO E RATOS A garagem, ao lado da lanchonete, ainda tem marcas do temporal da noite de domingo. Há garrafas caídas, mesas derrubadas e muita sujeira.

“Vamos ter que limpar logo, pois mora gente nos fundos”, disse Dárperon. “A água da enchente fede muito. Pouco depois da chuva, passou aqui um comerciante com um saco cheio de ratos. Os bichos foram saindo das tocas por causa da água e o homem foi matando alguns”, disse o trabalhador.

A cabeleireira Kayndri Evelly, que trabalha em outra lanchonete, também não se esquece do sufoco. “Ao ver confusão na Francisco Sá, comecei a gritar. Um rio se formou na pista e os carros estavam descendo desgovernados, então falei com uma mulher para não atravessar, pois a correnteza era forte”, disse ela, lembrando que, no ano passado, uma mulher morreu em situação semelhante. “Dá medo, desespero. Com tal rapidez e intensidade, nunca vi nada assim”, resumiu.

O garçom Marcos Antônio da Silva, morador da Rua Cássia, no mesmo bairro, só viu chuva igual há dois anos.

Mesmo com a tempestade, ela saiu de casa e foi ajudar familiares que tiveram a padaria invadida pela lama. “Aqui é assim: choveu, já era”, afirmou. Perto dali, na esquina das ruas Jaceguai e Erê, o gerente do Bar do Paulão, Paulo de Souza Júnior, mostrou a melhor defesa contra um inimigo eterno. “Tivemos que instalar comportas nas quatro entradas. A equipe está treinada, é preciso fechar tudo nos momentos de muita água”, contou. Ele acrescentou que os funcionários da noite gravaram imagens assustadoras no celular. “Os carros costumam bater na parede aqui do bar. Assim, a comporta protege”, ressaltou o comerciante, queixando-se da falta de providências para dar um basta às inundações.

ENCHARCADO Morador do Bairro Jaraguá, na Região da Pampulha, Márcio Barbosa Ramalho seguia para a igreja que frequenta quando um amigo pediu sua ajuda, já que parte da cobertura da casa dele tinha caído. “Tive que caminhar 12 quarteirões debaixo daquele chuvão. Fiquei encharcado, mas ainda deu tempo de voltar e ir à igreja”, contou, ao lado dos dois filhos adolescentes.

“Não deu medo, mas essas situações são difíceis para os motoristas. Pode cair uma árvore sobre o carro, a gente pode se acidentar e, pior, ficar preso em um bueiro. A cautela, então, deve ser redobrada”, disse Márcio, que é dono de um salão de beleza no Bairro Sagrada Família.

Um motorista que preferiu não se identificar contou que ia da rodoviária para casa, no Bairro Cidade Nova, e sentiu muito medo. “Era tanta água que nem o desembaçador funcionava. Fiquei dirigindo com a mão direita e passando flanela no para-brisa com a esquerda. No túnel da Lagoinha, vi vários carros parados. Achei que estivesse tudo tranquilo, mas a chuva apertou na Avenida José Cândido da Silveira. Na garagem do meu prédio, estava tudo alagado. Realmente, um domingo para não se esquecer”, disse.

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Márcio Baptista, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG

Mais verde e menos cimento

“Belo Horizonte está implantada, em especial a Região Sul, em área de topografia difícil e de declives elevados.Também há processo crescente de impermeabilização do solo.

Diante de um cenário de planejamento inadequado, topografia difícil e impermeabilização crescente, a médio prazo a cidade não ficará livre das inundações e alagamentos. As obras ajudam a melhorar, mas não evitam tudo. Seriam intervenções de muito vulto para controlar tudo, o que estouraria o orçamento do município. O que precisa ser feito são providências para minimizar os problemas e uma mudança na estrutura construtiva, aumentando as áreas de permeabilização do solo e prevendo técnicas compensatórias. Tanto intervenções privadas quanto públicas devem deixar áreas verdes em vez de cimento. Outra solução é construir telhados verdes. Para o próximo período chuvoso, deve ser feita a manutenção e a limpeza dos condutos, além de se alertar à população sobre áreas de risco.”

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