Os transtornos se assentam no tripé formado pela crescente impermeabilização do solo, intervenções geomorfológicas feitas ao longo dos anos nos cursos d’água e canalização inadequada de ribeirões e córregos (veja arte), sem respeito aos traçados esculpidos pela natureza. Como resultado, a população convive com danos de toda ordem, desde perdas materiais até a morte de pessoas. E o número de vítimas pode ter aumentado: no Barreiro, uma das áreas mais atingidas pelo temporal de domingo, continuava desaparecido até a noite de ontem o motorista Wanderley Silva de Freitas, de 45 anos, que sumiu após cair em um canal durante a tempestade.
“A chuva de domingo superou o esperado para o mês inteiro”, afirma a meteorologista Natália Cantuária, do TempoClima PUC Minas. A média histórica para setembro é 40,5 milímetros, mas apenas no domingo foram 44,1 milímetros, e somente das 21h às 22h, segundo o serviço de meteorologia. Até ontem, o acumulado do mês era de 65 milímetros. De acordo com o instituto, o temporal foi causado por frente fria que veio do Sul do país. Para os próximos dias, a previsão é de tempo ensolarado a parcialmente nublado, com declínio na umidade relativa do ar, que deve ficar entorno de 30%.
Não bastassem problemas na impermeabilização do solo eas canalizações dos cursos d’água, obras que poderiam minimizar os problemas tiveram prazos de conclusão prorrogados, como o complexo da Avenida Várzea da Palma, a segunda etapa da Bacia do Córrego Santa Terezinha e o Córrego do Túnel (veja quadro). A obra do Córrego São Francisco, na Avenida Assis das Chagas, prevista para o segundo semestre do ano que vem, está paralisada desde abril.
Somados esses fatores, a qualquer precipitação áreas da cidade sofrem, como voltou a ocorrer no entorno da Avenida Francisco Sá, no Bairro Prado, Região Oeste, e da Avenida Cristiano Machado, na Região Nordeste. No último temporal, a força da água foi tanta nesses locais que veículos foram arrastados, calçadas ficaram encobertas e pedestres tiveram de se abrigar dentro de estabelecimentos.
De acordo com a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), com o crescimento urbano desordenado, parcelas do solo que deveriam permitir a infiltração da água foram impermeabilizadas. Além das intervenções que ao longo dos anos alteraram as características naturais dos cursos d’água, o maior problema enfrentado pela administração municipal é o lançamento de resíduos sólidos nas estruturas de drenagem urbana, como bocas de lobo.
BATALHA O coordenador do Projeto Manuelzão, de recuperação da bacia do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, afirma que a política ambiental da capital voltada para a gestão das águas precisa ser revista. “A cidade ora tem problema com a falta d’água, ora com a falta de estrutura para receber as chuvas, o que resulta em danos e perdas para todo mundo”, avalia. Ele reforça o despreparo da capital para lidar com o período chuvoso. “Nem foi uma chuva fora do comum. Foi um volume significativo, mas não por um período longo. Com um volume como aquele por mais horas, toda a cidade de Belo Horizonte ficaria inundada”, afirma.
Polignano afirma ainda que é necessário redobrar a atenção em relação aos dois terços de cursos d’água da capital que ainda não foram canalizados. “Se a cidade transforma o córrego em avenida, não pode se espantar quando a avenida vira córrego. As obras não levam em conta o traçado da natureza. Nessa briga, vamos sempre perder”, afirma. O especialista lembra ainda que há cidades como Seul, na Coreia do Sul, que reverteram processos de canalização dos córregos.