A tensão com que convivem usuários e trabalhadores do sistema de ônibus em Belo Horizonte fez mais uma vez um motorista abandonar o veículo cheio de passageiros no meio da rua, em plena Savassi. Se as jornadas estendidas e a obrigação de trabalhar cobrando passagens nos fins de semana elevaram o estresse de quem dirige os coletivos, segundo os próprios motoristas, do lado se quem é transportado as recorrentes manobras fora dos pontos causam irritação e insegurança. No episódio de ontem, o quinto do tipo desde 2012, testemunhas contaram que o condutor da linha SC-02A (Praça 7/Savassi) discutiu com uma passageira após parar antes do local de embarque no bairro Funcionários, Região Centro-Sul da capital.
O atrito entre os dois durou um quilômetro pela Avenida Getúlio Vargas, começando perto da esquina com a Rua Gonçalves Dias e terminando antes da esquina com a Rua Alagoas, já na Savassi. Neste último endereço, o motorista simplesmente desligou o veículo, disse aos passageiros que não tinha condições de prosseguir e, mesmo sob pedidos para que continuasse a viagem, entrou em outro coletivo e se foi. Só na Savassi é a terceira vez nos últimos cinco anos que um condutor abandona um coletivo no meio do trajeto.
De acordo com a jornalista Paula Meireles, que estava no ônibus desde o Bairro Santa Efigênia, na Região Leste, o coletivo parou em um dos locais de embarque e desembarque da Rua Gonçalves Dias por volta das 9h. “Mas o ônibus não parou no ponto, parou antes. As pessoas tiveram de andar para embarcar, mas uma senhora ficou esperando no ponto. Quando o motorista passou, ela fez sinal e assim que subiu começaram a discutir”, lembra.
De acordo com a jornalista, a mulher insistia que o condutor não parou onde deveria e pediu para a cobradora fornecer o nome dele para registrar uma reclamação. “O motorista mesmo deu o nome completo e disse que tinha outro veículo atrapalhando, mas que podia parar em qualquer lugar da faixa amarela pintada no asfalto.” A viagem prosseguiu e a discussão também, até que o homem decidiu abandonar o veículo. “Ele virou para os passageiros e disse: ‘Não tenho condições de prosseguir com esta viagem, estaria colocando a segurança de vocês em risco; me desculpem’”, relatou.
Um dos motoristas, que pediu para não ser identificado, pôs a culpa no trânsito. “Os carros estacionam onde querem e nos obrigam a parar assim, sem ter como entrar no ponto, atrasando a viagem das pessoas e nosso itinerário. É muito fácil criticar a gente sem olhar nosso lado. Uma hora a pessoa estoura, como aconteceu”, disse. Muitas pessoas saíram em defesa do condutor que abandonou o coletivo ontem, segundo a jornalista Paula Meireles. “Quando desci do ônibus, os passageiros tentaram convencer o motorista a voltar. Disseram que é uma pessoa gentil, que espera passageiros que estão atrasados e que dessa vez a senhora que reclamou dele estava exagerando”, afirma.
De acordo com o diretor de Comunicação do Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Rodoviário de Belo Horizonte (STTRBH), José Márcio Ferreira, fatos como esse voltarão a ocorrer, pois ele sustenta que as jornadas de trabalho têm sido cada vez mais estressantes para os motoristas. Ferreira sustenta que um levantamento do Instituto Nacional do Seguro Social mostra que 30% dos profissionais que dirigem ônibus têm problemas de saúde e acabam afastados, principalmente por problemas emocionais, estresse e depressão. “Os trabalhadores já passam oito horas dirigindo nesse trânsito caótico, expostos a conflitos com outros motoristas e usuários. Agora, aos fins de semana, têm de trabalhar como cobradores, aumentando ainda mais a carga. Se já estava ruim, agora deve piorar”, afirma.
De acordo com o diretor do sindicato, integrantes da entidade estavam procurando o trabalhador para lhe dar assistência, mas ele ainda não havia sido encontrado. Adriana Barbosa, vendedora de uma loja em frente ao ponto onde o ônibus foi abandonado afirma já ter presenciado um motorista de linha metropolitana passando dificuldades por ter de trabalhar como cobrador também. “Minha mãe e eu estávamos indo do Barreiro para Ibirité, e o motorista não conseguia nem dirigir nem trocar o dinheiro dos passageiros. Levamos mais de duas horas e ela perdeu o compromisso”, disse.
O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) informou que ainda apura com a empresa que gerencia a linha SC-02A o que ocorreu. A BHTrans informou que aguarda informações da entidade, assim como reclamações ou denúncias de usuários, para saber se abre investigação sobre o episódio. A Polícia Militar informou não ter sido registrada ocorrência sobre o incidente.